Vésperas da Conversão de São Paulo Apóstolo
56ª Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos
Homilia do Papa Francisco
Basílica de São Paulo Fora dos Muros
Quarta-feira, 25 de janeiro de 2023
Acabamos de ouvir a Palavra de Deus que
acompanhou esta Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos (Is 1,12-18).
São palavras fortes, tão fortes que poderiam parecer inoportunas no meio desta
alegria que temos de nos encontrar como irmãos e irmãs em Cristo para celebrar
uma solene Liturgia em seu louvor. Hoje, quando já não faltam notícias tristes
e preocupantes, de bom grado dispensaríamos «censuras sociais» da Escritura.
Mas, se prestamos ouvidos às inquietações deste tempo em que vivemos, com maior
razão deveríamos interessar-nos por aquilo que faz sofrer o Senhor, por Quem
vivemos; e se nos reunimos em seu nome, a única possibilidade que nos resta é
colocar no centro a sua Palavra. Esta é profética: de fato, Deus, pela voz de
Isaías, adverte-nos, convidando à mudança. Advertência e mudança são
as duas palavras à volta das quais vos quero oferecer algumas ideias nesta
tarde.
1. Advertência. Voltemos a
escutar algumas das palavras divinas: «Ao pisardes o meu santuário, (...) não
Me ofereçais mais dons inúteis. (...) Quando levantais as vossas mãos, afasto
de vós os meus olhos; podeis multiplicar as vossas preces, que Eu não as
atendo» (vv. 12-13.15). O que suscita a indignação do Senhor, a ponto de
censurar com tons assim indignados o povo que tanto ama? O texto revela-nos
dois motivos. Em primeiro lugar, censura o fato de que aquilo que se faz em seu
nome, no seu templo, não é o que Ele quer: não deseja incenso nem ofertas, mas
que se socorra o oprimido, seja feita justiça ao órfão, seja defendida a causa
da viúva (v. 17). Na sociedade do tempo do profeta, encontrava-se difusa a
tendência - infelizmente sempre atual - de considerar abençoados por Deus os
ricos e quantos faziam muitas ofertas, e desprezar os pobres. Mas isto é
compreender mal o Senhor, que proclama felizes os pobres (cf. Lc 6,20)
e, na parábola do juízo final, identifica-Se com os famintos, os sedentos, os
forasteiros, os necessitados, os doentes, os presos (cf. Mt 25,35-36).
Temos aqui o primeiro motivo de indignação: Deus sofre quando nós, que nos
dizemos seus fiéis, antepomos a nossa visão à d’Ele, seguimos os critérios da
terra em vez dos do Céu, contentando-nos com um ritualismo exterior e
permanecendo indiferentes face àqueles que mais Lhe estão a peito. Assim Deus
sofre, poderíamos dizer, pela nossa indiferença e incompreensão.
Além disso, há um segundo motivo, mais
grave, que ofende o Altíssimo: a violência sacrílega.
Diz Ele: «As festas e as solenidades Me são insuportáveis. (...) As vossas mãos
estão cheias de sangue. (...) Tirai da frente dos meus olhos a malícia das
vossas ações» (Is 1,13.15-16). O Senhor está «irritado» com a
violência cometida contra o templo de Deus que é o homem, enquanto Ele é
honrado nos templos construídos pelo homem. Podemos imaginar com quanto sofrimento
assistirá Ele a guerras e ações violentas empreendidas por quem se professa
cristão! Vem-me à mente aquele episódio em que um santo protestou contra a
crueldade do rei indo ter com ele, na Quaresma, para lhe oferecer carne, uma
oferta que o soberano, em nome da sua religiosidade, recusou indignado. Então o
homem de Deus perguntou-lhe por que tinha escrúpulos em comer carne animal
quando não hesitava em condenar à morte filhos de Deus.
Irmãos e irmãs, esta advertência do
Senhor dá-nos muito que pensar, como cristãos e como Confissões cristãs. Quero
reiterar que «hoje, com o desenvolvimento da espiritualidade e da teologia, não
temos desculpas. Todavia ainda há aqueles que parecem sentir-se encorajados ou
pelo menos autorizados pela sua fé a defender várias formas de nacionalismo
fechado e violento, atitudes xenófobas, desprezo e até maus-tratos àqueles que
são diferentes. A fé, com o humanismo que inspira, deve manter vivo um sentido
crítico perante estas tendências e ajudar a reagir rapidamente quando começam a
insinuar-se» (Encíclica Fratelli tutti, n. 86). Se quisermos, a exemplo do Apóstolo Paulo, que a graça de Deus
em nós não seja estéril (cf. 1Cor 15,10), devemos
opor-nos à guerra, à violência e à injustiça onde quer que se insinuem. O tema
desta Semana de Oração foi escolhido por um grupo de fiéis de Minnesota (EUA),
conscientes das injustiças perpetradas no passado contra as populações
indígenas e, nos nossos dias, contra os afro-americanos. Frente às várias
formas de desprezo e racismo, perante tal indiferença resultante do
mal-entendido e a violência sacrílega, a Palavra de Deus adverte-nos: «Aprendei
a fazer o bem, procurai o que é justo» (Is 1,17). De fato, não
basta denunciar, é preciso também renunciar ao
mal, passar do mal ao bem. Vemos assim que a advertência tem em vista a nossa
mudança.
2. Mudança. Diagnosticados
os erros, o Senhor pede para lhes pormos remédio dizendo por meio do profeta:
«Lavai-vos, purificai-vos (...). Cessai de fazer o mal» (Is 1,16). E,
sabendo-nos oprimidos e como que paralisados por tantas faltas, promete que
será Ele mesmo a lavar os nossos pecados: «Vinde agora, entendamo-nos - diz o
Senhor. Mesmo que os vossos pecados sejam como escarlate, se tornarão brancos
como a neve. Mesmo que sejam vermelhos como a púrpura, ficarão brancos como a
lã» (v. 18). Queridos amigos, não somos capazes de nos libertar sozinhos dos
nossos mal-entendidos sobre Deus nem da violência que se aninha dentro de nós.
Sem Deus, sem a sua graça, não saramos do nosso pecado. A sua graça é a fonte
da nossa mudança., como nos recorda a vida do Apóstolo Paulo, cuja
conversão hoje celebramos. Sozinhos não conseguimos, mas com Deus tudo é
possível; sozinhos não conseguimos, mas juntos é possível. Na realidade, o
Senhor pede conjuntamente aos seus para se converterem. A conversão - palavra
tão repetida, mas nem sempre fácil de compreender - é pedida ao
povo, tem uma dinâmica comunitária, eclesial. Por isso acreditamos que também a
nossa conversão ecumênica progredirá na medida em que nos reconhecermos
carecidos da graça, necessitados da mesma misericórdia: reconhecendo que todos
dependemos de Deus em tudo, com a ajuda d’Ele nos sentiremos e seremos
verdadeiramente «um só» (Jo 17,21), seremos irmãos a sério.
É bom abrirmo-nos juntos, no sinal da
graça do Espírito, a esta mudança de perspectiva, descobrindo que
«todos os fiéis espalhados pelo orbe comunicam com os restantes por meio do
Espírito Santo, de maneira que “aquele que vive em Roma - como escrevia São
João Crisóstomo - sabe que os indianos são membros seus”» (Constituição Dogmática Lumen
gentium, n. 13; cf. S. João
Crisóstomo, Homiliae super Johannem 65, 1). Neste caminho de
comunhão, agradeço por tantos cristãos de várias comunidades e tradições
estarem a acompanhar, com participação e interesse, o percurso sinodal da
Igreja católica, que espero se torne cada vez mais ecumênico. Mas não
esqueçamos que este caminhar juntos e reconhecermo-nos em comunhão
uns com os outros no Espírito Santo implica uma mudança, um crescimento que
só se pode verificar, como escreveu Bento XVI,
«a partir do encontro íntimo com Deus, um encontro que se tornou comunhão de
vontade, chegando mesmo a tocar o sentimento. Então aprendo a ver aquela pessoa
já não somente com os meus olhos e sentimentos, mas segundo a perspectiva de
Jesus Cristo. O seu amigo é meu amigo» (Encíclica Deus caritas
est, n. 18).
Que o Apóstolo Paulo nos ajude a mudar,
a converter-nos; nos obtenha um pouco da sua invicta coragem. Pois, no nosso
caminho, é fácil pormo-nos a trabalhar para o próprio grupo em vez de fazê-lo
pelo Reino de Deus, impacientarmo-nos, perdermos a esperança daquele dia em que
«todos os cristãos se congreguem em uma única celebração da Eucaristia e na unidade
de uma única Igreja. Esta unidade, desde o início, Cristo a concedeu à sua
Igreja» (Decreto Unitatis redintegratio, n. 4). Com os olhos postos precisamente naquele dia, coloquemos a
nossa confiança em Jesus, nossa Páscoa e nossa paz: enquanto O invocamos e
adoramos, Ele atua. E conforta-nos o que Ele disse a Paulo, podendo ouvi-lo
dirigido a cada um de nós: «Basta-te a minha graça» (2Cor 12,9).
Queridos amigos, quis partilhar com
espírito fraterno estes pensamentos suscitados em mim pela Palavra, para que,
advertidos por Deus, mudemos pela sua graça e cresçamos, juntos, na oração, no
serviço, no diálogo e no trabalho para aquela unidade plena que Cristo deseja.
Agora quero agradecer-vos de coração... Expresso o meu reconhecimento a Sua
Eminência o Metropolita Polykarpos, Representante do Patriarcado Ecumênico, a
Sua Graça Ian Ernest, Representante pessoal em Roma do Arcebispo de Canterbury,
e aos Representantes das outras Comunidades cristãs presentes. Exprimo viva
solidariedade aos membros do Conselho Pan-Ucraniano das Igrejas e das
Organizações religiosas. Saúdo os estudantes ortodoxos e ortodoxos orientais
bolsistas do Comitê para a Colaboração Cultural com as Igrejas Ortodoxas do
Dicastério para a Promoção da Unidade dos Cristãos, e os do Instituto Ecumênico
de Bossey do Conselho Ecumênico das Igrejas. Uma saudação amiga também a Frére
Alois e aos irmãos de Taizé, empenhados na preparação da Vigília ecumênica de
oração que precederá a abertura da próxima sessão do Sínodo dos Bispos.
Caminhemos, todos juntos, pela via que o Senhor nos propôs: a da unidade.
Fonte: Santa Sé.
Nenhum comentário:
Postar um comentário