A segunda parte das Catequeses introdutórias do Papa São João Paulo II sobre o Creio é dedicada à fé, subdividida em duas seções: origem da fé e transmissão da fé.
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Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio
INTRODUÇÃO GERAL
O QUE É A FÉ? (nn. 7-20)
I. Origem da fé: Resposta à iniciativa de Deus (nn. 7-12)
7. O que quer dizer crer?
João Paulo II - 13 de março de 1985
1. O primeiro e fundamental ponto
de referência da presente Catequese são as profissões da fé cristã universalmente conhecidas,
que se chamam também “Símbolos da fé”. A palavra grega “symbolon” (σύμβολον) significava a metade de um objeto partido (por
exemplo, um selo) que era apresentada como sinal de reconhecimento. As
partes quebradas eram colocadas juntas para verificar a identidade do portador.
Daí provêm os ulteriores significados de “símbolo”: a prova da identidade, as
cartas credenciais e mesmo um tratado ou contrato cuja prova era o “symbolon”. A passagem desse significado
ao de coleção ou sumário das coisas referidas e documentadas era bastante
natural. Em nosso caso, os “Símbolos” significam a coletânea das principais
verdades de fé, isto é, daquilo em que a Igreja crê. A
catequese sistemática contém as instruções sobre aquilo em que a Igreja crê, isto
é, sobre os conteúdos da fé cristã. Daí também o fato de que os “Símbolos da fé”
são o primeiro e fundamental ponto de referência para a catequese.
Os doze Apóstolos, aos quais se relacionam os doze artigos do Creio |
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2. Entre os vários “Símbolos da
fé” antigos, o que possui mais autoridade é o “Símbolo Apostólico”, de origem
antiquíssima e comumente recitado nas “orações do cristão”. Ele contém as
principais verdades da fé transmitidas pelos Apóstolos de Jesus Cristo. Outro
Símbolo antigo e famoso é o “Niceno-Constantinopolitano”: ele contém as mesmas
verdades da fé apostólica explicadas com autoridade nos dois primeiros Concílios
Ecumênicos da Igreja universal: Niceia (325) e Constantinopla (381). O uso dos
“Símbolos da fé” proclamados como fruto dos Concílios da Igreja se renovou
também em nosso século: de fato, depois do Concílio Vaticano II, o
Papa Paulo VI pronunciou a “profissão de fé” conhecida como o Credo do Povo de Deus (1968), que contém o conjunto das verdades da fé da
Igreja, com particular consideração aos conteúdos aos quais o último Concilio
deu expressão, ou aqueles pontos em torno aos quais surgiram dúvidas nos
últimos anos.
Os Símbolos da fé são o principal
ponto de referência para a presente Catequese. Eles, porém, nos remetem ao
conjunto do “depósito da Palavra de Deus”, constituído pela Sagrada Escritura e
pela Tradição Apostólica, das quais são apenas uma síntese concisa. Através das
profissões de fé nos propomos, portanto, remontarmos também nós a esse imutável
“depósito”, guiados pela interpretação que a Igreja, assistida pelo Espírito
Santo, lhe deu ao longo dos séculos.
3. Cada um dos mencionados
“Símbolos” começa com a palavra “creio”. Cada um deles, de fato, serve
não tanto como instrução, mas como profissão. Os conteúdos desta profissão são
as verdades da fé cristã: todas estão enraizadas nesta primeira palavra, “creio”.
E precisamente sobre esta expressão, “creio”, desejamos centrar-nos nesta primeira
catequese.
A expressão está presente na linguagem
quotidiana, independentemente de todo conteúdo religioso, e especialmente do
cristão. “Creio em ti”
significa: confio em ti, estou convencido de que dizes a verdade. “Creio no que tu dizes” significa:
estou convencido de que o conteúdo de tuas palavras corresponde à realidade
objetiva.
Neste uso comum da palavra “creio” se põem em relevo
alguns elementos essenciais. “Crer” significa aceitar e reconhecer como
verdadeiro e correspondente à realidade o conteúdo daquilo que é dito,
isto é, das palavras de outra pessoa (ou mesmo de mais pessoas), em
virtude de sua credibilidade. Esta credibilidade decide, em um determinado caso,
sobre a autoridade especial da pessoa: a autoridade da
verdade. Assim, ao dizer “creio”, expressamos ao mesmo tempo uma dupla
referência: à pessoa e à verdade; à verdade, em consideração à pessoa que
possui particulares títulos de credibilidade.
4. A palavra “creio” aparece com
muita frequência nas páginas do Evangelho e de toda a Sagrada
Escritura. Seria muito útil confrontar e analisar todos os pontos do Antigo
e do Novo Testamento que nos permitem captar o sentido bíblico do “crer”. Ao
lado do verbo “crer” encontramos também o substantivo “fé” como uma
das expressões centrais de toda a Bíblia. Encontramos inclusive certo tipo de
“definições” da fé, como por exemplo: “a fé é fundamento daquilo que se espera
e prova realidades que não se veem”, da Carta
aos Hebreus (Hb 11,1).
Estes dados bíblicos foram estudados,
explicados e desenvolvidos pelos Padres da Igreja e pelos teólogos ao longo dos
dois mil anos de Cristianismo, como atesta a enorme literatura exegética e
dogmática que temos à disposição. Assim como nos “Símbolos”, também em toda a
teologia o “crer”, a “fé”, é uma categoria fundamental. É também o ponto de
partida da catequese, como primeiro ato pelo qual se responde à Revelação de Deus.
5. No presente encontro nos
limitaremos a uma só fonte, que porém resume todas as outras. É a Constituição
conciliar Dei Verbum do Vaticano II. Ali lemos o seguinte:
“Aprouve a Deus, em sua bondade e sabedoria, revelar-se e dar a conhecer o mistério
da sua vontade (Ef 1,9), pelo qual os homens, por Cristo, o Verbo
feito carne, têm acesso ao Pai no Espírito Santo e se tornam participantes da
natureza divina (Ef 2,18; 2Pd 1,4)” (Dei Verbum,
n. 2).
“‘Ao Deus revelador deve-se prestar
a obediência da fé’ (Rm 16,26; 1,5; 2Cor 10,5-6), pela
qual o homem se compromete total e livremente a Deus, ‘oferecendo ao Deus que
se revela a plena submissão do intelecto e da vontade’ e voluntariamente assentindo
à sua revelação” (Dei Verbum, n. 5).
Estas palavras do documento
conciliar contêm a resposta à pergunta: O que significa crer? A explicação
é concisa, mas condensa uma grande riqueza de conteúdo. Deveremos sucessivamente
penetrar mais amplamente nesta explicação do Concílio, que tem um alcance
equivalente ao de una definição técnica, por assim dizê-lo.
Uma coisa é antes de tudo cosa óbvia:
existe um genético e orgânico vínculo entre o nosso “creio”
cristão e aquela particular “iniciativa” do próprio Deus, que se chama “Revelação”.
Por isso, a catequese sobre o
“creio” (a fé) deve ser levada adiante juntamente com aquela sobre a divina Revelação.
Lógica e historicamente a Revelação precede a fé. A fé está condicionada
pela Revelação. Ela é a resposta do homem à divina Revelação.
Digamos desde já que esta resposta
é possível e necessário ser dada, porque Deus é credível. Ninguém o
é como Ele. Ninguém possui como Ele a autoridade da verdade. Em nenhum lugar mais
do que com a fé em Deus se realiza o valor conceitual e semântico da palavra
tão usual na linguagem humana: “Creio”, “Creio em Ti”.
8. O conhecimento racional de Deus
João Paulo II - 20 de março de 1985
1. Na Catequese passada dissemos
que a fé está condicionada pela Revelação e que esta precede a fé. Devemos agora
buscar esclarecer a noção e verificar a realidade de Revelação, seguindo para
tanto a Constituição Dei Verbum do Concílio Vaticano II. Antes
disto, porém, queremos concentrar-nos ainda um pouco sobre o sujeito da
fé: isto é, sobre o homem que diz “creio”, respondendo deste modo a Deus, o
qual “em sua bondade e sabedoria” quis “revelar-se” ao homem (cf. Dei Verbum, n. 2).
Antes ainda de pronunciar o seu
“creio”, o homem já possui algum conceito de Deus que alcança com o esforço
da própria inteligência. A Constituição Dei Verbum, tratando da divina Revelação, recorda
esse fato com as seguintes palavras: “O Sagrado Concílio confessa que ‘Deus,
princípio e fim de todas as coisas, pode ser conhecido com certeza a partir das
coisas criadas pela luz natural da razão humana’ (cf. Rm 1,20)” (Dei Verbum, n. 6).
O Vaticano II remete aqui à doutrina
apresentada amplamente pelo Concílio precedente, o Vaticano I. Essa corresponde
a toda a tradição doutrinal da Igreja, que afunda suas raízes na Sagrada
Escritura, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento.
2. Um texto clássico sobre o tema
da possibilidade de conhecer a Deus - antes de tudo a sua existência - partindo
das coisas criadas o encontramos na Carta
de São Paulo aos Romanos: “(...) pois o que de Deus se pode conhecer é
entre eles manifesto, já que Deus o manifestou a eles. De fato, os atributos
invisíveis de Deus, seu poder eterno e sua divindade, são compreendidos através das coisas feitas, desde a criação do
mundo, a fim de que eles não tenham desculpa” (Rm 1,19-20) (cf. Concílio
Vaticano I, Constituição Dei Filius, cap. 3.). O Apóstolo
refere-se aqui aos homens que “na injustiça impedem a verdade” (Rm 1,18).
O pecado os impede de render a glória devida a Deus, a quem todo homem pode conhecer.
Pode conhecer a sua existência e também, até certo ponto, a sua essência, as
suas perfeições e seus atributos. Deus invisível de certa forma “se faz visível
em suas obras”.
No Antigo Testamento, o Livro da Sabedoria proclama a mesma doutrina
do Apóstolo sobre a possibilidade de chegar ao conhecimento da existência de Deus
a partir das coisas criadas. Encontramo-la em uma passagem um pouco mais
extensa, que convém ler por inteiro:
“De fato, são vãos por natureza
todos os humanos nos quais não há o conhecimento de Deus. Porquanto, partindo dos bens visíveis, não foram
capazes de conhecer Aquele que é; nem tampouco, pela consideração das
obras, chegaram a conhecer o artífice.
Entretanto, o fogo ou o vento, ou
o ar fugidio, o ciclo das estrelas, a água impetuosa, os luzeiros do dia: por
deuses, por governadores do mundo os tomaram.
Se, encantados por sua beleza,
tomaram essas criaturas por deuses, reconheçam quanto o seu dominador é maior
do que elas: pois foi o princípio e autor da beleza quem as criou.
Se ficaram maravilhados com o
poder e a energia dessas criaturas, concluam quanto mais poderoso é aquele que
as fez.
De fato, partindo da grandeza e beleza das criaturas,
pode-se chegar a ver, por analogia, o seu Criador.
Contudo, estes merecem menor
repreensão: talvez se tenham extraviado buscando a Deus e querendo encontrá-lo.
Com efeito, vivendo entre as obras
dele, põem-se a procurá-lo, mas se deixam levar pela aparência, pois são belas
as coisas que se veem!
Mesmo assim, nem estes têm
desculpa: porque, se chegaram a tão vasta ciência, a ponto de investigarem o
mundo, como é que não encontraram mais facilmente o seu Senhor?” (Sb 13,1-9).
Encontramos o pensamento principal
desta passagem também na Carta de São
Paulo aos Romanos (Rm 1,18-21): Deus
pode ser conhecido através das criaturas, o
mundo visível constitui para o intelecto humano a base para a
afirmação da existência do Criador invisível. A passagem do Livro da Sabedoria é mais ampla. O autor
inspirado debate nele com o paganismo de seu tempo, que atribuía às criaturas a
glória divina. Ao mesmo tempo, o autor nos oferece elementos de reflexão e de
juízo que são válidos para toda época, também para a nossa. Ele fala do enorme
esforço realizado para conhecer o universo visível. Fala também de homens
que “buscam a Deus e querem encontrá-lo”. Interroga-se por que o saber humano,
que consegue “investigar o universo”, não chega a conhecer o seu Senhor. O
autor do Livro da Sabedoria - assim como
São Paulo mais tarde - vê nisso certa culpa. Mas será necessário retomar esse
tema separadamente.
Por ora perguntemo-nos também nós:
como é possível que o imenso progresso no conhecimento do universo (do macrocosmo e do microcosmo), das suas leis e dos seus acontecimentos, das suas
estruturas e das suas energias, não conduza todos a reconhecer o primeiro Princípio,
sem o qual o mundo fica sem explicação? Devemos examinar as dificuldades nas
quais “tropeçam” não poucos homens de hoje. Reconheçamos, porém, com alegria,
que são muitos também hoje os verdadeiros cientistas que encontram em seu
próprio saber científico um impulso para a fé ou, ao menos, para inclinar a fronte
diante do mistério.
3. Seguindo a Tradição que, como afirmamos,
tem suas raízes na Sagrada Escritura, no Antigo e no Novo Testamento, a Igreja,
no século XIX, durante o Concílio Vaticano I, recordou e confirmou a doutrina
sobre a possibilidade da qual está dotado o intelecto humano para
conhecer a Deus a partir das criaturas. Em nosso século, o Concílio
Vaticano II recordou novamente esta doutrina no contexto da Constituição sobre a
Revelação Divina (Dei Verbum). Isto possui uma grande importância.
A Revelação Divina está, com
efeito, na base da fé, do “creio” do homem. Ao mesmo tempo, as passagens da
Sagrada Escritura nas quais esta Revelação nos foi confiada, nos ensinam
que o homem é capaz de conhecer a Deus apenas com a razão: é
capaz de certa “ciência” sobre Deus, ainda que de modo indireto e
não imediato. Portanto, junto ao “eu creio” se encontra certo “eu sei”. Este “eu
sei” diz respeito à existência de Deus e, até certo ponto, também à sua essência.
Este conhecimento intelectual de Deus é tratado de modo sistemático por uma ciência
chamada “teologia natural”, que possui caráter filosófico e que surge no
terreno da metafísica, ou seja, da filosofia do ser. Ela se concentra sobre o
conhecimento de Deus como causa primeira e também como fim
último do universo.
4. Estes problemas, assim como
toda a ampla discussão filosófica a eles vinculada, não podem ser aprofundados no
âmbito de uma breve instrução sobre as verdades de fé. Também não pretendemos
ocupar-nos aqui de modo particularizado daquelas “vias” que guiam a mente humana na busca de
Deus (as “cinco vias” de Santo Tomás de Aquino). Para esta nossa catequese é
suficiente ter presente o fato de que as fontes do Cristianismo falam da possibilidade
do conhecimento racional de Deus. Portanto, segundo a Igreja, todo o nosso pensar
sobre Deus, baseado na
fé, possui também um caráter “racional” e “intelectivo”. Mesmo o
ateísmo permanece no círculo de certa referência ao conceito de Deus. Pois se
de fato nega a existência de Deus, também deve saber de Quem nega a existência.
Claro que o conhecimento mediante a
fé é diferente do conhecimento puramente racional. Todavia, Deus não poderia ter
se revelado ao homem se este não fosse já naturalmente capaz de conhecer algo de
verdadeiro a seu respeito. Assim, ao lado e para além de um “eu sei”, que é próprio
da inteligência do homem, se encontra um “eu creio”, próprio do cristão: com
efeito, com a fé o crente tem acesso, ainda que de modo obscuro, ao mistério da
vida íntima de Deus que se revela.
A fé e a razão (fides et ratio), duas asas que nos elevam à Verdade |
Tradução nossa a partir do texto italiano divulgado no site da Santa Sé (13 de março e 20 de março de 1985).
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