“Ao Senhor quero cantar, pois fez brilhar a sua glória” (Ex 15,1).
Já dedicamos duas postagens da nossa série sobre a leitura litúrgica dos livros da Sagrada Escritura ao estudo da presença do Livro do Êxodo (Ex) nas celebrações do Rito Romano.
Para acessar a 1ª parte da pesquisa, clique aqui; para acessar a 2ª parte, clique aqui.
Após analisar sua leitura sob o critério da composição
harmônica, consideraremos agora sua leitura semicontínua, além de contemplar o
“cântico do mar”, entoado tanto na Missa como na Liturgia das Horas.
3. Leitura litúrgica
do Êxodo: Leitura semicontínua
De acordo com o n. 66 do Elenco
das Leituras da Missa, a leitura semicontínua consiste na proclamação dos
principais textos de um livro na sequência, oferecendo aos fiéis um contato mais
amplo com a Palavra de Deus [1].
a) Celebração
Eucarística
Os livros do Antigo Testamento
são lidos de maneira semicontínua nos dias de semana do Tempo Comum, várias
semanas cada um, conforme sua extensão, intercalados pelos escritos do Novo
Testamento [2].
O Livro do Êxodo é lido por cerca de três semanas, da XV à XVII semanas do Tempo Comum no ano ímpar, antecedido por Gênesis 12–50 e sucedido pelos demais
livros do Pentateuco.
As perícopes escolhidas do nosso
livro aqui são:
XV semana do Tempo Comum
(ano ímpar):
Segunda-feira: Ex
1,8-14.22;
Terça-feira: Ex
2,1-15a;
Quarta-feira: Ex
3,1-6.9-12;
Quinta-feira: Ex
3,13-20;
Sexta-feira: Ex
11,10–12,14;
Sábado: Ex
12,37-42 [3].
XVI semana do Tempo Comum
(ano ímpar):
Segunda-feira: Ex
14,5-18;
Terça-feira: Ex
14,21–15,1;
Quarta-feira: Ex 16,1-5.9-15;
Quinta-feira: Ex 19,1-2.9-11.16-20b;
Sexta-feira: Ex 20,1-17;
Sábado: Ex 24,3-8
[4].
XVII semana do Tempo
Comum (ano ímpar):
Segunda-feira: Ex
32,15-24.30-34;
Terça-feira: Ex
33,7-11; 34,5b-9.28;
Quarta-feira: Ex
34,29-35;
Quinta-feira: Ex
40,16-21.34-38 [5].
Na sexta-feira e no sábado da XVII semana lemos o Livro do Levítico. Na semana seguinte,
por sua vez, a leitura do Pentateuco prossegue com o Livro dos Números (de segunda
a quinta-feira) e o início da leitura do Deuteronômio
(a partir da sexta-feira).
b) Liturgia das Horas
Na Liturgia das Horas, a leitura semicontínua do Êxodo tem lugar no Ofício das Leituras do Tempo da Quaresma, da quinta-feira após as
Cinzas até o sábado da III semana.
Embora seja uma leitura semicontínua, esta escolha é também
harmônica, uma vez que nos 40 dias da Quaresma a Igreja de certa forma “refaz”
os passos da caminhada do povo de Israel pelo deserto por 40 anos, em um
itinerário de contínua conversão.
Deus, na coluna de nuvem, guia o povo pelo deserto (Benjamin West) |
A leitura do Êxodo
no Ofício das Leituras da Quaresma está assim estruturada:
Ofício das Leituras
dos primeiros dias da Quaresma:
Quinta-feira após as Cinzas: Ex 1,1-22 - Opressão de
Israel no Egito;
Sexta-feira após as Cinzas: Ex 2,1-22 - Nascimento e fuga
de Moisés;
Sábado após as Cinzas: Ex
3,1-20 - Vocação de Moisés e revelação do
nome de Deus [6].
Ofício das Leituras da
I semana da Quaresma:
Domingo: Ex
5,1–6,1 - Opressão do povo de Deus;
Segunda-feira: Ex
6,2-13 - Novo relato da vocação de Moisés;
Terça-feira: Ex
6,29–7,25 - A primeira praga do Egito;
Quarta-feira: Ex
10,21–11,10 - Praga das trevas e anúncio
da morte dos primogênitos;
Quinta-feira: Ex
12,1-20 - A Páscoa e os ázimos;
Sexta-feira: Ex
12,21-36 - A morte dos primogênitos;
Sábado: Ex
12,37-49; 13,11-16 - Partida dos hebreus.
Lei sobre a Páscoa e os primogênitos [7].
Ofício das Leituras da
II semana da Quaresma:
Domingo: Ex
13,17–14,9 - O povo caminha até o mar
Vermelho;
Segunda-feira: Ex
14,10-31 - Passagem do mar Vermelho;
Terça-feira: Ex
16,1-18.35 - O maná no deserto;
Quarta-feira: Ex
17,1-16 - A água do rochedo e o combate
contra os amalecitas;
Quinta-feira: Ex
18,13-27 - Moisés nomeia juízes do povo;
Sexta-feira: Ex
19,1-19; 20,18-21 - Promessa da aliança e
manifestação do Senhor no Sinai;
Sábado: Ex 20,1-17
- Promulgação da Lei no Sinai [8].
Ofício das Leituras da
III semana da Quaresma:
Domingo: Ex
22,19–23,9 - Leis para proteger o
estrangeiro e o pobre (Código da Aliança);
Segunda-feira: Ex
24,1-18 - Celebração da Aliança no monte
Sinai;
Terça-feira: Ex
32,1-20 - O bezerro de ouro;
Quarta-feira: Ex
33,7-11.18-23; 34,5-9.29-35 - O Senhor
revela a Moisés a sua glória;
Quinta-feira: Ex
34,10-28 - Segundo código da Aliança;
Sexta-feira: Ex
35,30–36,1; 37,1-9 - Construção do
santuário e da arca;
Sábado: Ex
40,16-38 - Construção do santuário e manifestação
do Senhor na nuvem [9].
A construção da Tenda do Encontro (Santuário Nacional de Aparecida) |
Na IV semana da Quaresma a leitura prossegue com os livros
do Levítico (domingo a terça-feira) e
dos Números (quarta-feira a sábado),
que concluem a narrativa da caminhada pelo deserto, como veremos nas próximas
postagens.
Cabe ressaltar que, durante a Quaresma, a 2ª leitura do
Ofício, tomada dos textos dos Padres, não está em composição harmônica com o Livro do Êxodo, e sim com os diversos
“temas” da espiritualidade quaresmal expressos nas leituras da Missa.
No ciclo bienal
do Ofício das Leituras, que não foi traduzido para o Brasil, as mesmas
perícopes do Êxodo são lidas da quinta-feira
após as Cinzas até o sábado da III semana da Quaresma, porém apenas no ano par, a fim de dar mais
espaço ao Levítico e aos Números na sequência e ao Deuteronômio e à Carta aos Hebreus no ano ímpar.
4. Leitura litúrgica
do Êxodo: Cântico
Não poderíamos concluir nosso estudo sobre a presença do Livro do Êxodo nas celebrações
litúrgicas sem contemplar o “cântico do mar” (Ex 15,1-18), entoado tanto na Celebração Eucarística como na
Liturgia das Horas.
Como vimos na breve introdução ao Êxodo, este cântico é identificado entre os escritos mais antigos
da Bíblia. Seu núcleo original era provavelmente o “cântico de Miriam” (Ex 15,21), depois estendido no “cântico
de Moisés” (Ex 15,1-18), separados
por um interlúdio narrativo, que destaca a presença das mulheres:
“Miriam, a profetisa,
irmã de Aarão [e de Moisés], tomou na
mão um tamborim e todas as mulheres a seguiram com tamborins, formando coros de
dança. E Miriam lhes entoava: ‘Cantai ao Senhor, pois de glória se vestiu, ele
jogou ao mar cavalo e cavaleiro!’” (Ex
15,20-21).
O “cântico de Moisés” pode ser dividido em duas partes: os
vv. 1-12, sobre a passagem pelo mar Vermelho (Ex 14), e os vv. 13-18, que anunciam a posse da terra prometida.
a) Celebração
Eucarística:
Na Celebração Eucarística, o lugar por excelência do nosso
cântico é a Vigília Pascal, como cântico após a III leitura (Ex 14,15–15,1) [10]. Como vimos
anteriormente, quando se reduzem as leituras da Vigília, estes dois textos
nunca podem ser omitidos, dado ser caráter pascal e batismal.
A Vigília Pascal é a única ocasião em que o “cântico de
Moisés” é entoado na íntegra (Ex
15,1-18), pois, como veremos a seguir, em suas demais ocorrências na Liturgia
são entoados apenas alguns versículos.
Nosso cântico aparece ainda na Missa substituindo o salmo na
segunda e na terça-feira da XVI semana
do Tempo Comum do ano ímpar, acompanhando a leitura semicontínua do próprio
Livro do Êxodo, como vimos acima. Aqui
o cântico é dividido em duas partes:
- na segunda-feira,
com a leitura de Ex 14,5-18,
entoam-se os vv. 1-6;
- na terça-feira,
com a leitura de Ex 14,21–15,1,
entoam-se os vv. 8-10.12.17 [11].
b) Liturgia das
Horas:
Passando à Liturgia
das Horas, locus liturgicus
(lugar litúrgico) por excelência dos salmos e cânticos, encontramos nosso texto
em duas ocasiões:
- no Ofício das
Leituras do Domingo de Páscoa: como vimos na primeira postagem desta série,
este Ofício só é rezado por quem não participa da Vigília Pascal; portanto,
traz como 1ª leitura o texto do Êxodo
lido na Vigília (Ex 14,15–15,1),
acompanhado do cântico de Ex
15,1-6.17-18 [12].
- nas Laudes do
sábado da I semana do Saltério: os cânticos do Antigo Testamento foram distribuídos
nas Laudes (oração da manhã) das quatro semanas do Saltério. Assim, o “Hino de vitória após a passagem do mar
Vermelho” (Ex 15,1-4b.8-13.17-18)
é entoado na oração da manhã do sábado da I semana [13].
Confira a seguir uma versão do “cântico do mar” musicado pelo Monsenhor Marco Frisina:
Encerramos aqui nosso percurso pela leitura litúrgica do Livro do Êxodo. Dada a importância desse escrito, vemos que sua presença nas celebrações do Rito Romano é relativamente “discreta”. Não obstante, o episódio do êxodo será retomado ao longo dos demais escritos do Antigo Testamento (históricos, proféticos, sapienciais, salmos) e mesmo no Novo Testamento, desde os Evangelhos até o Apocalipse.
Nas próximas postagens desta série continuaremos a acompanhar a caminhada do povo de Israel pelo deserto com a análise da leitura litúrgica do Livro do Levítico e do Livro dos Números.
Notas:
[1] cf. ALDAZÁBAL,
José. A Mesa da Palavra I: Elenco das
Leituras da Missa - Texto e Comentário. São Paulo: Paulinas, 2007, p. 76.
[2] ibid., p. 105.
[3] LECIONÁRIO II: Semanal. Tradução portuguesa da 2ª edição
típica para o Brasil. São Paulo: Paulus, 1995, pp. x-x.
[4] ibid., pp. x-x.
[5] ibid., pp. x-x.
[6] OFÍCIO DIVINO. Liturgia
das Horas segundo o Rito Romano. Tradução para o Brasil da segunda edição
típica. São Paulo: Paulus, 1999, v. II, pp. 48.56.63. Na Quarta-feira de
Cinzas lê-se um texto de Isaías sobre
o jejum em composição harmônica.
[7] ibid., v. II,
pp. 72.81.88.97.105.113.120.
[8] ibid., v. II,
pp. 129.138.146.154.162.169.178.
[9] ibid., v. II,
pp. 186.195.202.211.219.227.234.
[10] LECIONÁRIO I: Dominical A-B-C. Tradução portuguesa da 2ª
edição típica para o Brasil. São Paulo: Paulus, 1994, p. x.
[11] LECIONÁRIO II: Semanal. Tradução portuguesa da 2ª edição
típica para o Brasil. São Paulo: Paulus, 1995, pp. x-x.
[12] OFÍCIO DIVINO, v. II, p. 460.
[13] ibid., v. I,
p. 699; v. II, p. 1073; v. III, p. 741; v. IV, p. 696.
Imagens: Wikimedia Commons e Centro Aletti.
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