Padre Raniero Cantalamessa, OFMCap
III pregação de Quaresma
29 de março de 2019
“A idolatria, a antítese do Deus vivo
Todas
as manhãs, quando acordamos, temos uma experiência única, que quase nunca
notamos. Durante a noite, as coisas à nossa volta existiam, eram como as tínhamos
deixado na noite anterior: a cama, a janela, o quarto. Talvez o sol já esteja
brilhando lá fora, mas não o vemos porque nossos olhos estão fechados e nossas
cortinas estão abaixadas. Só agora, quando acordo, é que as coisas começam ou
voltam a existir para mim, porque me dou conta delas, as percebo. Antes era
como se elas não existissem, como se eu não existisse.
A
mesma coisa acontece com Deus. Ele está sempre ali; “nele nos movemos,
respiramos e somos”, disse Paulo aos atenienses (At 17,28); mas geralmente isso
acontece como no sono, sem que nos demos conta. O espírito também precisa de um
despertar, um aumento da consciência. É por isso que a Escritura nos exorta
tantas vezes a despertar do sono: “Acordai vós que dormis, despertai dos
mortos, e Cristo vos iluminará” (Ef 5,14), “Agora é tempo de vos despertar do
sono!” (Rm 13,11). É o que nos propomos para continuar, na Quaresma, a busca do
Deus vivo que começou no Advento.
Idolatria antiga e nova
O
Deus “vivo” da Bíblia é assim definido para distingui-lo dos ídolos que são
coisas mortas. É a batalha que une todos os livros do Antigo e do Novo
Testamento. Basta abrir quase ao acaso
uma página dos profetas ou dos salmos para encontrar os sinais desta luta épica
em defesa do único Deus de Israel. A idolatria é a antítese exata do Deus vivo.
Dos ídolos, diz um salmo:
“Os
ídolos dos povos são prata e ouro,
trabalho
das mãos do homem.
Eles
têm boca e não falam,
têm
olhos e não conseguem ver,
têm
ouvidos e não ouvem,
têm
narinas e não cheiram.
Têm
mãos e não apalpam,
têm
pés e não andam;
Da
garganta não fazem barulho” (Sl 114,3-7).
Do
contraste com os ídolos, o Deus vivo aparece como um Deus que “faz o que quer”,
que fala, que vê, que ouve, um Deus “que respira”! O sopro de Deus também tem
um nome na Escritura: é chamado de Ruah Iahweh,
o Espírito de Deus. É o sopro que Deus soprou sobre Adão quando ainda era um
simulacro de argila (Gn 2,7); é o sopro que o Ressuscitado soprou sobre os
discípulos na noite de Páscoa: “Soprou sobre eles e disse: ‘Recebei o Espírito
Santo’” (Jo 20,22).
A
batalha contra a idolatria infelizmente não terminou com o fim do paganismo
histórico; ela está sempre em ato. Os ídolos mudaram de nome, mas estão mais
presentes do que nunca. Mesmo dentro de cada um de nós, veremos, há um que é o
mais assustador de todos. Por conseguinte, vale a pena insistir, por uma vez,
neste problema, como um problema atual, e não apenas do passado.
Aquele
que fez da idolatria a análise mais lúcida e profunda é o apóstolo Paulo.
Deixemo-nos guiar por ele para a descoberta do “bezerro de ouro” que se esconde
em cada um de nós. No início da carta aos Romanos nós lemos estas palavras:
“Na
realidade, a ira de Deus é revelada do céu contra toda a impiedade e toda
injustiça dos homens que sufocam a verdade na injustiça, pois o que pode ser
conhecido de Deus é manifesto a eles; o próprio Deus o manifestou a eles. Com
efeito, desde a criação do mundo em diante, as suas perfeições invisíveis podem
ser contempladas com o intelecto nas suas obras, como seu eterno poder e
divindade; são, portanto, indesculpáveis, porque, embora conheçam a Deus, não
lhe deram glória nem graças como Deus, mas vaguearam em seus raciocínios e as
suas mentes obtusas foram obscurecidas” (Rm 1,18-21).
Nas
mentes dos que estudaram teologia, estas palavras estão quase exclusivamente
ligadas à tese da cognoscibilidade natural da existência de Deus a partir das
criaturas. Portanto, uma vez resolvido este problema, ou depois de ter deixado
de ser tão atual como no passado, acontece que estas palavras raramente são
lembradas e valorizadas. Mas a do conhecimento natural de Deus é, no contexto,
um problema completamente marginal. As palavras do Apóstolo têm muito mais a
nos dizer; elas contêm um desses “trovões de Deus” capazes de derrubar também
os cedros do Líbano.
O
Apóstolo está empenhado em demonstrar a situação da humanidade antes de Cristo
e fora dele; em outras palavras, onde começa o processo de redenção. Ele não
parte de zero, da natureza, mas de subzero, do pecado. Todos pecaram, ninguém
excluído. O Apóstolo divide o mundo em duas categorias: Gregos e judeus, isto
é, pagãos e crentes, e começa sua acusação precisamente a partir do pecado dos
pagãos. Identifica o pecado fundamental do mundo pagão na impiedade e na
injustiça. Diz que este é um ataque à verdade; não a esta ou aquela verdade,
mas à verdade original de todas as coisas.
O
pecado fundamental, o objeto primário da ira divina, é identificado na asebeia, isto é, na impiedade. Em que
consiste exatamente esta impiedade, o Apóstolo explica imediatamente, dizendo
que consiste na recusa de “glorificar” e de “agradecer” a Deus. Em outras
palavras, ao recusar reconhecer Deus como Deus, ao não lhe dar a consideração
que lhe é devida. Consiste, poderíamos dizer, em “ignorar” a Deus, onde, no
entanto, ignorar não significa tanto “não saber que existe” mas “fazer como se
ele não existisse”.
No
Antigo Testamento ouvimos Moisés que grita ao povo: “Reconhece que Deus é Deus!”
(cf. Dt 7,9) e um salmista retoma este grito, dizendo: “Reconhecei que o Senhor
é Deus: Ele fez-nos e nós somos seus!” (Sl 100,3). Reduzido ao seu núcleo
germinativo, o pecado é negar este “reconhecimento”; é a tentativa, por parte
da criatura, de anular a diferença qualitativa infinita que existe entre a
criatura e o Criador, recusando-se a depender dele. Esta recusa tomou forma,
concretamente, na idolatria, em que a criatura é adorada em vez do Criador (cf.
Rm 1,25). Os pagãos, continua o Apóstolo, “vaguearam nos seus raciocínios e
escureceram as suas mentes obtusas. Como se declararam sábios, tornaram-se
loucos e mudaram a glória do Deus incorruptível com a imagem e a figura do
homem corruptível, dos pássaros, quadrúpedes e répteis” (Rm 1,22-23).
O
Apóstolo não quer dizer que todos os pagãos, sem distinção, devam ter vivido
subjetivamente neste tipo de pecado (mais tarde ele falará de pagãos que se
tornam aceitos a Deus seguindo a lei de Deus escrita em seus corações; cf. Rm
2,14ss); ele só quer dizer qual é a situação objetiva do homem diante de Deus
depois do pecado. O homem, criado “reto” (no sentido físico de ereto e no
sentido moral de justo), com o pecado tornou-se “curvo”, isto é, dobrado sobre
si mesmo, e “perverso”, orientado para si mesmo, mais do que para Deus.
Na
idolatria, o homem não “aceita” Deus, mas se faz um deus. As partes são
invertidas: o homem torna-se o oleiro e Deus o vaso que molda ao seu gosto (cf.
Rm 9,20ss). Em tudo isto há uma referência, pelo menos implicitamente, ao
relato da criação (cf. Gn 1,26-27). Ali
se diz que Deus criou o homem à sua imagem e semelhança; aqui se diz que o
homem trocou por Deus a imagem e a figura do homem corruptível. Em outras
palavras, Deus fez o homem à sua imagem, agora o homem faz Deus à sua imagem.
Porque o homem é violento, eis que fará da violência um deus, Marte; porque é
cobiçoso, fará da luxúria uma deusa, Vênus, e assim por diante. Faz de Deus a
projeção de si mesmo.
“Tu és esse homem!”
Seria
fácil mostrar que esta é também a situação em que, de certa forma, nos
encontramos, no Ocidente, do ponto de vista religioso e a partir da qual o
ateísmo moderno começou com a famosa máxima de Feuerbach: “Não foi Deus quem
criou o homem à sua imagem, mas foi o homem que criou Deus à sua imagem”. Em
certo sentido, temos de admitir que esta afirmação é verdadeira! Sim, deus é
verdadeiramente um produto da mente humana. O problema, porém, é saber de que
deus se trata. Certamente não é o Deus vivo da Bíblia, mas apenas um
substituto.
Imaginemos
que hoje um homem desequilibrado comece a dar marteladas na estátua do David de
Michelangelo em frente ao Palazzo della
Signoria em Florença, e depois comece a gritar com um ar de triunfo: “Eu
destruí o David de Michelangelo! O David não existe mais! O David não existe
mais!”. Não sabe, pobre iludido, que este era apenas um modelo, uma cópia para
turistas apressados, porque o verdadeiro David de Michelangelo, após um ataque
do tipo que aconteceu no passado, tinha sido retirado de circulação e colocado
em um lugar seguro na Galleria
dell'Accademia. Foi o que aconteceu a Nietzsche quando, pela boca de um de
seus personagens, ele proclamou: “Nós matamos Deus!”. Ele não percebeu que não
tinha matado o verdadeiro Deus, mas uma cópia de “gesso” dele.
Basta
uma simples observação para se convencer de que o ateísmo moderno não tem a ver
com o Deus da fé cristã, mas com uma ideia deformada dele. Se a ideia do Deus
Uno e Trino tivesse sido mantida viva na teologia (em vez de falar de um vago “Ser
Supremo”) não teria sido tão fácil para Feuerbach fazer triunfar a sua tese de
que Deus é uma projeção que o homem faz de si mesmo e de sua própria essência.
Que necessidade teria o homem de se dividir em três: Pai, Filho e Espírito
Santo? É o deísmo vago que é demolido pelo ateísmo moderno, não a fé no Deus
uno e trino.
Mas
vamos passar a outra coisa. Não estamos aqui para refutar o ateísmo moderno ou
para um curso de teologia pastoral; estamos aqui para fazer um caminho de
conversão pessoal. Que parte temos nós - refiro-me agora a “nós” no sentido de
nós que estamos aqui, de nós crentes -, na tremenda acusação da Bíblia contra a
idolatria? De acordo com o que foi dito até agora, pareceria, de fato, que
temos, acima de tudo, um papel de acusadores. Mas ouçamos bem o que segue na
Carta de Paulo aos Romanos. Depois de ter arrancado a máscara do rosto do
mundo, nela o Apóstolo arranca também a máscara do nosso rosto e vemos como.
“Assim,
és inescusável, ó homem, quem quer que sejas, que te arvoras em juiz. Naquilo
que julgas a outrem, a ti mesmo te condenas; pois tu, que julgas, fazes as
mesmas coisas que eles. Ora, sabemos que o juízo de Deus contra aqueles que
fazem tais coisas corresponde à verdade. Tu, ó homem, que julgas os que praticam
tais coisas, mas as cometes também, pensas que escaparás ao juízo de Deus?” (Rm
2,1-3).
A
Bíblia conta esta história. O rei Davi havia cometido um adultério; para
encobri-lo, tinha feito morrer o marido da mulher na guerra, de modo que,
naquele momento, tomá-la por esposa podia até parecer um ato de generosidade,
por parte do rei, para com um soldado que havia morrido lutando por ele. Uma
verdadeira cadeia de pecados. Então, aproximou-se dele o profeta Natã, enviado
por Deus, e contou-lhe uma parábola (mas o rei não sabia que era uma parábola).
Havia - disse -, na cidade, um homem muito rico que tinha rebanhos de ovelhas e
havia também um homem pobre que tinha apenas uma ovelha muito querida para ele,
da qual tirava o seu sustento e que dormia com ele. Um hóspede chegou ao rico e
ele, economizando as suas ovelhas, pegou para si as ovelhas do pobre e mandou
matá-las para preparar a mesa do hóspede. Ao ouvir esta história, a ira de Davi
se desencadeou contra o homem e ele disse: “Quem fez isso merece morrer!” Então
Natã, abandonando de repente a parábola e apontando seu dedo para ele, disse a
Davi: "Você é esse homem!” (cf. 2Sm 12,1ss).
Isso
é o que o Apóstolo Paulo faz conosco. Depois de nos ter arrastado atrás dele
numa justa indignação e horror perante a impiedade do mundo, passando do
primeiro capítulo ao segundo capítulo da sua Carta, como se de repente se
tivesse voltado para nós, repete-nos: “Tu és aquele homem!” O reaparecimento,
neste ponto, do termo “indesculpável” (anapologetos),
usado acima para os pagãos, não deixa dúvidas sobre as intenções de Paulo.
Enquanto julgavas os outros - ele vem dizer -, te condenavas a ti mesmo. O
horror que concebeste para com a idolatria é hora de voltá-lo contra ti
próprio.
O
“juiz”, no decorrer do capítulo dois, revela-se como o judeu que aqui, porém, é
tomado, mais do que qualquer outra coisa, como um tipo. O “judeu” é o não-grego,
o não-pagão (cf. Rm 2,9-10); é o homem piedoso e crente que, fortalecido pelos
seus princípios e na posse de uma moral revelada, julga o resto do mundo e,
julgando, sente-se seguro. Neste sentido, “judeu” é cada um de nós. Orígenes
dizia até mesmo que, na Igreja, são os Bispos, sacerdotes e diáconos, que são
visados por estas palavras do Apóstolo, ou seja, os guias, os mestres.
O
próprio Paulo experimentou esse choque quando, como fariseu, se tornou cristão,
e por isso pode agora falar com tal certeza e mostrar aos crentes o caminho
para sair do farisaísmo. Ele desmascara a estranha e frequente ilusão das
pessoas piedosas e religiosas de se considerarem protegidas da ira de Deus,
somente porque têm uma ideia clara do bem e do mal, conhecem a lei e,
ocasionalmente, sabem como aplicá-la aos outros, enquanto, no que se refere a
si mesmos, pensam que o privilégio de estar do lado de Deus ou, em todo caso, a
“bondade” e a “paciência” de Deus, que conhecem bem, fazem uma exceção para
eles.
Vamos
imaginar esta cena. Um pai está corrigindo um de seus filhos por alguma
transgressão; um outro filho, que cometeu a mesma falta, acreditando que iria
ganhar a simpatia do pai e escapar da reprovação, começa a repreender também,
em voz alta, o seu irmão, enquanto o pai esperava algo completamente diferente,
ou seja, que ouvindo-o repreender o irmão e vendo a sua bondade e paciência
para com ele, ele corresse para se jogar a seus pés, confessando que ele também
era culpado da mesma falta e prometendo-lhe se corrigir.
“Ou
desprezas as riquezas da sua bondade, tolerância e longanimidade, desconhecendo
que a bondade de Deus te convida ao arrependimento? Mas, pela tua obstinação e
coração impenitente, vais acumulando ira contra ti, para o dia da cólera e da revelação
do justo juízo de Deus” (Rm 2,4-5).
Acontece
como quando um jurista tem toda a intenção de analisar uma famosa sentença de
condenação emitida no passado e que, de repente, observando melhor, ele percebe
que a sentença também se aplica a ele e ainda está em pleno vigor: subitamente
muda o humor e o coração deixa de ter a certeza de si mesmo. Aqui a palavra de
Deus está engajada em um verdadeiro tour de force; ela deve inverter a situação
de quem a está tratando. Não há escapatória aqui: devemos “desmoronar” e dizer
como Davi: “Eu pequei!” (2Sm 12,13), ou ocorre um endurecimento adicional do
coração e a impenitência é fortalecida. Da escuta desta palavra de Paulo sai-se
convertido ou endurecido.
Mas
qual é a acusação específica que o Apóstolo faz contra os “piedosos”? Que - diz
ele - façam “as mesmas coisas” que julgam nos outros. Em que sentido “as mesmas
coisas”? No sentido de materialmente as mesmas coisas? Isto também (cf. Rm
2,21-24); mas sobretudo as mesmas coisas, em termos de substância, que é a
impiedade e a idolatria. O Apóstolo sublinha-o melhor no decurso do resto da
sua Carta, quando denuncia a pretensão de se salvar pelas próprias obras e de
se tornar assim os credores e de Deus o devedor. Se tu, chega a dizer, observares a lei e
fizeres todo tipo de obras boas, mas para afirmar a tua justiça, te colocas no
lugar de Deus. Paulo só repete com outras palavras o que Jesus, no Evangelho,
tentou dizer com a parábola do fariseu e do publicano no templo e de inúmeras
outras maneiras.
Aplicamos
tudo isso para nós cristãos, dado que, como dissemos, o adversário de Paulo não
é tanto os hebreus como povo, mas o homem religioso no geral e no caso
específico os assim chamados “judeus-cristãos”. Há uma idolatria oculta que
mina o homem religioso. Se a idolatria é “adorar a obra das próprias mãos” (cf.
Is 2,8; Os 14,4), se idolatria é “colocar a criatura no lugar do Criador”, eu
sou idólatra quando coloco a criatura - a minha criatura, a obra das minhas
mãos - no lugar do Criador. A minha criatura pode ser a casa ou a igreja que
construo, a família que crio, o filho que dei à luz (quantas mães, até mesmo
cristãs, sem perceber, fazem do seu filho, especialmente se filho único, o seu
deus!); pode ser o instituto religioso que eu fundei, o cargo que eu ocupo, o
trabalho que eu faço, a escola que eu dirijo, para mim que vos falo, o livro
que escrevi precisamente sobre a Carta aos Romanos.
No
fundo de toda idolatria está a autolatria, o culto a si próprio, o amor
próprio, o colocar-se no centro e no primeiro lugar no universo, sacrificando a
ele todo o resto. Basta que aprendamos a nos escutar enquanto falamos para
descobrir como se chama o nosso ídolo, porque, como diz Jesus, “a boca fala do
que o coração está cheio” (Mt 12,34). Nos daremos conta de quantas das nossas
frases começam com a palavra “eu”.
O
resultado é sempre a impiedade, o não glorificar a Deus, mas sempre e só a si
mesmo, o fazer servir também o bem, também o serviço que prestamos a Deus - até
Deus! - ao seu próprio sucesso e afirmação pessoal. Muitas árvores altas têm o
talo, uma raiz central que desce perpendicularmente debaixo do caule e torna a
planta firme e inabalável. Até que não se coloque o machado naquela raiz,
pode-se cortar todas as raízes laterais, mas a árvore não cai. Aquele lugar é
muito estreito, não há lugar para dois: ou há o meu eu, ou há Cristo.
Talvez,
voltando a mim próprio, estou pronto, neste momento, para reconhecer a verdade,
ou seja, que até agora tenho vivido “para mim mesmo”, que eu também estou
envolvido no mistério da impiedade. O Espírito Santo “convenceu-me do pecado”.
Começa para mim o milagre sempre novo da conversão. Se o pecado, como nos explicou
Agostinho, consistiu num voltar-se a si mesmo, a conversão mais radical
consiste em “endireitar-nos” e voltar-nos a Deus. Não podemos fazê-lo no
decurso de um sermão ou de uma Quaresma; mas podemos, pelo menos, tomar a
decisão séria de o fazer, e isso já é, de alguma forma, para Deus, como se o
tivéssemos feito.
Se
eu me coloco do lado de Deus, contra o meu “eu”, serei seu aliado; serão dois,
então, combatendo contra o mesmo inimigo e a vitória está assegurada. O nosso
eu, como um peixe arrancado de sua água, ainda pode mover-se e debater-se por
um pouco, mas está destinado a morrer. Mas não é uma morte, mas um nascimento. “Quem
quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas quem perder a sua vida por minha
causa, encontrá-la-á” (Mt 16,25). Na medida em que o homem velho morre, “o novo
homem nasce em nós, criado segundo Deus em justiça e verdadeira santidade” (Ef
4,24). O homem ou a mulher que todos nós secretamente queremos ser. Que Deus nos ajude a realizar sempre de novo
o verdadeiro empreendimento da vida que é a nossa conversão.
Fonte: Vatican News
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