quinta-feira, 7 de setembro de 2023

Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio: Jesus Cristo 13

Concluindo suas meditações sobre a relação entre o Pai e o Filho dentro das Catequeses sobre Jesus Cristo, o Papa São João Paulo II refletiu sobre a oração de Jesus.

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Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio
CREIO EM JESUS CRISTO

20. O Filho se dirige ao Pai na oração
João Paulo II - 22 de julho de 1987

1. Jesus Cristo é o Filho unido intimamente ao Pai; o Filho que “vive totalmente para o Pai” (cf. Jo 6,57); o Filho cuja existência terrena é doada inteiramente ao Pai, sem reservas. A estes temas desenvolvidos nas últimas Catequeses está ligado estreitamente o da oração de Jesus, tema da Catequese de hoje. Precisamente na oração encontra, pois, particular expressão o fato de que o Filho está intimamente unido ao Pai, entregue a Ele, voltado para Ele com toda a sua existência humana. Isso significa que o tema da oração de Jesus já está contido implicitamente nos temas precedentes, de modo que podemos dizer que Jesus de Nazaré “rezava sempre, sem nunca desistir” (cf. Lc 18,1). A oração era a vida da sua alma, e toda a sua vida era oração. A história da humanidade não conhece outro personagem que com essa plenitude - e desse modo - se relacionasse com Deus na oração, como Jesus de Nazaré, Filho do homem e, ao mesmo tempo, Filho de Deus, “da mesma natureza do Pai”.

2. No entanto, há passagens nos Evangelhos que enfatizam a oração de Jesus, declarando explicitamente que “Jesus rezava”. Isto acontece em diversos momentos do dia e da noite e em várias circunstâncias. Eis algumas: “Bem cedo, levantando-se antes do amanhecer, Jesus saiu e foi a um lugar deserto e lá ficou em oração” (Mc 1,35). Ele o fazia não apenas no início do dia (a “oração da manhã”), mas também durante o dia e à tarde, e especialmente à noite. Lemos, com efeito: “As multidões acorriam para ouvi-lo e serem curadas de suas enfermidades. Ele, porém, se retirava para lugares desertos e rezava” (Lc 5,15-16). E, em outra ocasião: “Depois de despedir as multidões, subiu à montanha para rezar, a sós. Anoiteceu e Jesus continuava ali, sozinho” (Mt 14,23).

Jesus em oração (Heinrich Hofmann)

3. Os evangelistas destacam o fato de que a oração acompanha os acontecimentos de particular importância na vida de Cristo: “Enquanto todo o povo se fazia batizar e Jesus, depois de batizado, estava em oração, o céu se abriu...” (Lc 3,21), e segue a descrição da teofania que teve lugar durante o batismo de Jesus no Jordão. De forma análoga, a oração serve de introdução à teofania no monte da transfiguração: “Jesus levou consigo Pedro, João e Tiago, e subiu à montanha para rezava. Enquanto rezava, seu rosto mudou de aparência...” (Lc 9,28-29).

4. A oração constituía também a preparação para decisões importantes e momentos de grande relevância para a missão messiânica de Cristo. Assim, no momento de iniciar seu ministério público, Ele se retira no deserto para jejuar e rezar (cf. Mt 4,1-11 e paralelos); e também, antes da eleição dos Apóstolos, “Jesus foi à montanha para rezar, e passou a noite em oração a Deus. Ao amanhecer, chamou os discípulos e escolheu doze entre eles, aos quais também chamou Apóstolos” (Lc 6,12-13). Assim também, antes da confissão de Pedro próximo a Cesareia de Filipe: “Aconteceu que Jesus estava rezando, à parte, e os discípulos estavam com Ele.  Então perguntou-lhes: ‘Quem dizem as multidões que Eu sou?’. Eles responderam: ‘Uns dizem que és João Batista; outros, Elias; outros, que algum dos antigos profetas ressuscitou’. Jesus, porém, perguntou: “E vós, quem dizeis que Eu sou?’. Pedro respondeu: ‘O Cristo de Deus’” (Lc 9,18-20).

5. Profundamente tocante é a oração antes da ressurreição de Lázaro: “Jesus, levantando os olhos ao alto, disse: ‘Pai, Eu te dou graças porque me ouviste. Eu sei que sempre me ouves, mas falo assim por causa da multidão ao meu redor, para que creia que Tu me enviaste’” (Jo 11,41-42).

6. A oração durante a Última Ceia (a chamada oração sacerdotal) deveria ser relatada aqui por inteiro. Buscaremos tomar em consideração ao menos as passagens que não foram citadas nas Catequeses anteriores: “Levantando os olhos ao céu, (Jesus) disse: ‘Pai, chegou a hora. Glorifica teu Filho, para que teu Filho te glorifique, assim como lhe deste autoridade sobre toda a carne, para que conceda a vida eterna a todos os que lhe deste’” (Jo 17,1-2). Jesus reza por aquilo que é a finalidade essencial da sua missão: a glória de Deus e a salvação dos homens. E acrescenta: “A vida eterna é esta: que conheçam a ti, o Deus único e verdadeiro, e àquele que tu enviaste, Jesus Cristo. Eu te glorifiquei na terra, levando a termo a obra que me deste a fazer. E agora, Pai, glorifica-me junto de ti mesmo, com a glória que Eu tinha, junto de ti, antes que o mundo existisse” (vv. 3-5).

7. Continuando a oração, o Filho como que “presta contas” ao Pai da sua missão terrena: “Manifestei o teu nome aos que, do mundo, me deste. Eram teus, e a mim os deste, e eles guardaram a tua palavra. Agora, eles reconheceram que tudo quanto me deste vem de ti” (Jo 17,6-7) Depois acrescenta: “Eu rogo por eles. Não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste, porque são teus” (v. 9). São aqueles que “acolheram” a palavra de Cristo, aqueles que “creram” que o Pai o enviou. Jesus reza sobretudo por eles, porque “eles estão no mundo, e Eu vou para junto de ti” (v. 11). Reza para que “sejam um”, para que “nenhum deles se perca” (e aqui o Mestre recorda o “filho da perdição”), para que “tenham em si mesmos, em plenitude, a minha alegria” (v. 13). Na perspectiva da sua partida, enquanto os discípulos deverão permanecer no mundo e estarão expostos ao ódio porque “eles não são do mundo”, assim como o seu Mestre, Jesus reza: “Não rogo que os tires do mundo, mas que os guardes do Maligno” (v. 15).

8. Ainda na oração do Cenáculo, Jesus pede por seus discípulos: “Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade. Assim como Tu me enviaste ao mundo, Eu também os enviei ao mundo. Eu me santifico por eles, a fim de que também eles sejam santificados na verdade” (Jo 17,17-19). Na sequência Jesus abraça com a mesma oração as futuras gerações dos seus discípulos. Sobretudo reza pela unidade, para que “o mundo reconheça que Tu me enviaste e os amaste, como amaste a mim” (v. 23). No final da sua invocação, Jesus retorna aos pensamentos principais expressos anteriormente, enfatizando ainda mais a sua importância. Nesse contexto pede por todos aqueles que o Pai “lhe deu”, para que “estejam comigo, onde Eu estou, para que contemplem a minha glória, a glória que me deste, porque me amaste antes da criação do mundo” (v. 24).

9. A “oração sacerdotal” de Jesus é verdadeiramente a síntese daquela autorrevelação de Deus no Filho, que se encontra no centro dos Evangelhos. O Filho fala ao Pai em nome dessa unidade que forma com Ele - “Tu, Pai, estás em mim, e Eu em ti” (Jo 17,21) - e, ao mesmo tempo, reza para que se difundam entre os homens os frutos da missão salvífica pela qual Ele veio ao mundo. Revela assim o “mysterium Ecclesiae”, que nasce da sua missão salvífica, e reza por seu futuro desenvolvimento no meio do “mundo”. Abre a perspectiva da glória, à qual são chamados juntamente com Ele todos aqueles que “acolhem” a sua palavra.

10. Se na oração da Última Cena se ouve Jesus falar ao Pai como seu Filho “consubstancial”, na oração do Gtsêmani, que ocorre em seguida, ressalta sobretudo a sua verdade de Filho do homem. “Minha alma está triste até a morte. Ficai aqui e vigiai!” (Mc 14,34), diz aos seus ao entrar no Horto das Oliveiras. Uma vez sozinho, se lança por terra e as palavras da sua oração manifestam a profundidade do sofrimento. Diz, pois: “Abbá, Pai! Tudo te é possível. Afasta de mim este cálice! Contudo, não seja o que Eu quero, mas o que Tu queres” (v. 36).

11. Parecem referir-se particularmente a esta oração do Getsêmani as palavras da Carta aos Hebreus: “Ele, nos dias de sua vida terrena, dirigiu preces e súplicas, com forte clamor e lágrimas, àquele que tinha poder de salvá-lo da morte”. E aqui o autor da Carta acrescenta que “foi atendido, por causa de sua livre submissão” (Hb 5,7). Sim, até a oração do Getsêmani foi atendida, porque também nela - com toda a verdade da atitude humana frente ao sofrimento - é possível perceber sobretudo a união de Jesus com o Pai na vontade de redimir o mundo, que está na origem da sua missão salvífica.

12. Certamente Jesus rezava nas diversas circunstâncias que brotavam da tradição e da lei religiosa de Israel, como quando, aos doze anos, subiu com os pais ao templo de Jerusalém (cf. Lc 2,41ss), ou quando, como referem os evangelistas, “conforme seu costume, no dia de sábado, ia à sinagoga” (cf. Lc 4,16). No entanto, merece uma atenção especial aquilo que os Evangelhos dizem da oração pessoal de Cristo. A Igreja nunca a esqueceu e encontra no diálogo pessoal de Cristo com Deus a fonte, a inspiração, a força da sua própria oração. Em Jesus orante, pois, se expressa de modo mais pessoal o mistério do Filho, que vive totalmente “para o Pai”, em íntima união com Ele.

21. O Filho vive em atitude de ação de graças ao Pai
João Paulo II - 29 de julho de 1987

1. A oração de Jesus como Filho “saído do Pai” expressa de modo particular o fato de que Ele “vai ao Pai” (cf. Jo 16,28). “Vai” e conduz ao Pai todos aqueles que o Pai “lhe deu” (cf. Jo 17). Além disso, deixa a todos a herança duradoura da sua oração filial: “Quando rezardes, dizei: Pai nosso...” (Mt 6,9; Lc 11,2). Como transparece nesta fórmula ensinada por Jesus, sua oração ao Pai é caracterizada por algumas notas fundamentais: é uma oração cheia de louvor, cheia de um abandono sem limites à vontade do Pai e, no que se refere a nós, cheia de súplica e de pedido de perdão. Neste contexto se situa de modo particular a oração de ação de graças.

2. Jesus diz: “Eu te louvo, Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos...” (Mt 11,25). Com a expressão “te louvo”, Jesus quer significar a gratidão pelo dom da revelação de Deus, porque “ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar” (v. 27). Também a oração sacerdotal (que analisamos na Catequese anterior), embora possua o caráter de uma grande súplica que o Filho dirige ao Pai no final da sua missão terrena, ao mesmo tempo está também impregnada de um profundo sentido de ação de graças. Podemos dizer inclusive que a ação de graças constitui o conteúdo essencial não só da oração de Cristo, mas da sua própria intimidade existencial com o Pai. No centro de tudo o que Jesus faz e diz se encontra a consciência do dom: tudo é dom de Deus, Criador e Pai; e uma resposta adequada ao dom é a gratidão, a ação de graças.

3. É preciso estar atento às passagens evangélicas, especialmente às de São João, onde esta ação de graças é claramente destacada, como, por exemplo, a oração por ocasião da ressurreição de Lázaro: “Pai, Eu te dou graças porque me ouviste” (Jo 11,41). Na multiplicação dos pães junto a Cafarnaum, “Jesus tomou os pães, deu graças e distribuiu aos que estavam sentados... e fez o mesmo com os peixes” (Jo 6,11). Por fim, na instituição da Eucaristia, Jesus, antes de pronunciar as palavras da instituição sobre o pão e o vinho, “deu graças” (Lc 22,17; cf. Mc 14,23; Mt 26,27). Esta expressão é usada sobre o cálice de vinho, enquanto sobre o pão se fala também da “bênção”. No entanto, segundo o Antigo Testamento, “bendizer a Deus” tem também o sentido de dar-lhe graças, além do de “louvar a Deus”, “confessar o Senhor”.

4. Na oração de ação de graças se prolonga a tradição bíblica, que encontra expressão especialmente nos Salmos. “Bom é louvar o Senhor e cantar salmos ao teu nome, ó Altíssimo! (...) Pois tu me alegras, Senhor, com os teus feitos, e eu exulto com as obras de tuas mãos” (Sl 91,2.5). “Rendei graças ao Senhor, porque Ele é bom, porque a sua misericórdia é para sempre! Que o digam os que foram resgatados pelo Senhor... Rendam graças ao Senhor pela sua misericórdia, por suas maravilhas em favor dos filhos dos homens. Ofereçam-lhe um sacrifício de louvor (zebah todah) (Sl 106,1-2.21-22). “Dai graças ao Senhor, porque Ele é bom, sua misericórdia é para sempre. (...) Eu te dou graças, porque me ouviste e te tornaste salvação para mim. (...) Tu és o meu Deus, eu te rendo graças! O meu Deus, eu te exaltarei!” (Sl 117,1.21.28). “Que retribuirei ao Senhor, por todos os benefícios que Ele me fez? (...) Vou oferecer-te o sacrifício de louvor e invocarei o nome do Senhor” (Sl 115,12.17). “Eu te dou graças, pois fui plasmado de modo maravilhoso; admiráveis são as tuas obras, minha alma o reconhece plenamente” (Sl 138,14). “Eu te exaltarei, meu Deus e Rei, e bendirei ao teu nome pelos séculos dos séculos” (Sl 144,1).

5. Também no Livro do Eclesiástico (Sirácida) se lê: “Elevai a voz e entoai cantos de louvor, bendizendo a Deus por todas as suas obras. Proclamai a magnificência do seu Nome, e prorrompei na confissão do seu louvor... Falai assim em vossa louvação: ‘As obras do Senhor são todas muito boas e tudo o que Ele ordenou acontecerá a seu tempo!’. Não se deve dizer: ‘Que é isto?’ ou: ‘Para que aquilo?’, pois todas as coisas terão sua utilidade a seu tempo” (Eclo 39,19-21.26). A exortação do Eclesiástico a “bendizer o Senhor” tem, pois, um tom didático.

6. Jesus acolheu esta herança tão significativa para o Antigo Testamento, explicitando na linha da bênção-confissão-louvor a dimensão da ação de graças. Portanto, podemos dizer que o momento culminante desta tradição bíblica ocorre na Última Cena, quando Cristo institui o sacramento do seu Corpo e do seu Sangue na véspera de oferecer este Corpo e este Sangue no sacrifício da cruz. Como escreve São Paulo: “Na noite em que ia ser entregue, o Senhor Jesus tomou o pão e, depois de dar graças, o partiu e disse: “Isto é o meu Corpo entregue por vós. Fazei isso em memória de mim” (1Cor 11,23-24). Do mesmo modo, os Evangelhos Sinóticos falam também da ação de graças sobre o cálice: “Tomando na mão o cálice, deu graças e passou-o a eles, e todos beberam. E disse-lhes: ‘Este é o meu Sangue da nova aliança, que é derramado em favor de muitos’” (Mc 14,23-24; cf. Mt 26,27; Lc 22,17).

7. O original grego da expressão “dar graças” é “eucharistésas” (εύχαριστήσας), de “eukharistein”, donde Eucaristia. Assim, pois, o sacrifício do Corpo e do Sangue, instituído como o Santíssimo Sacramento da Igreja, constitui o cumprimento e ao mesmo tempo a superação daqueles sacrifícios de bênção e de louvor, dos quais se fala nos Salmos (“zebah todah”). As comunidades cristãs, desde os tempos mais antigos, uniam a celebração da Eucaristia à ação de graças, como demonstra um texto da “Didaché” (escrito composto entre o final do século I e o início do II, provavelmente na Síria, talvez na própria Antioquia):
Te damos graças, Pai nosso, pela santa vinha de Davi, teu servo, que nos revelaste por Jesus, teu servo...”;
Te damos graças, Pai nosso, pela vida e pelo conhecimento que nos revelaste por Jesus, teu servo....”.
Te damos graças, Pai santo, por teu santo nome, que fizeste habitar em nossos corações, e pelo conhecimento, a fé e a imortalidade que nos revelaste por Jesus, teu servo” (Didaché 9,2-3; 10,2).

8. O canto de ação de graças da Igreja, que acompanha a celebração da Eucaristia, nasce do íntimo do seu coração, mais, do próprio Coração do Filho, que vivia em ação de graças. Podemos dizer que a sua oração, e mesmo toda a sua existência terrena, tornou-se revelação desta verdade fundamental enunciada na Carta de Tiago: “Todo dom precioso e toda dádiva perfeita vêm do alto, descendo do Pai das luzes...” (Tg 1,17). Vivendo em ação de graças, Cristo, o Filho do homem, o “novo Adão”, derrotava em sua própria raiz o pecado, que sob o influxo do “pai da mentira” havia sido concebido no espírito do “primeiro Adão” (cf. Gn 3) A ação de graças restitui ao homem a consciência do dom entregue por Deus “desde o princípio” e, ao mesmo tempo, exprime a disponibilidade para retribuir o dom: oferecer a si mesmo e tudo o mais a Deus, com todo o coração. É como uma restituição, porque tudo tem n’Ele seu princípio e a sua fonte.

Gratias agamus Domino Deo nostro”, “Demos graças ao Senhor, nosso Deus”: é o convite que a Igreja põe no centro da Liturgia Eucarística. Também nesta exortação ressoa forte o eco da ação de graças, da qual vivia na terra o Filho de Deus. E a voz do povo de Deus responde com um humilde e grande testemunho coral: “Dignum et iustum est”, “É digno e justo”.

“Eu te louvo, ó Pai...” (Mt 11,25)

Tradução nossa a partir do texto italiano divulgado no site da Santa Sé (22 de julho e 29 de julho de 1987).

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