Viagem Apostólica à Mongólia
Santa Missa do XXII Domingo do Tempo Comum (Ano A)
Homilia do Papa Francisco
Steppe Arena, Ulaanbaatar
Domingo, 03 de setembro de 2023
Com
as palavras do Salmo, rezamos assim: «Ó meu Deus... a minha alma tem sede de vós,
minha carne também vos deseja, como terra sedenta e sem água» (Sl 62,2).
Trata-se de uma invocação estupenda que acompanha a viagem da nossa vida, no
meio dos desertos que somos chamados a atravessar. E é precisamente nesta terra
árida que recebemos uma boa notícia: no nosso caminho, não estamos sozinhos; a
nossa aridez não pode tornar estéril para sempre a nossa vida; o grito da nossa
sede não passa despercebido. Deus Pai enviou seu Filho para nos dar a água viva
do Espírito Santo a fim de saciar a sede da nossa alma (cf. Jo 4,10).
E Jesus - acabamos de o ouvir no Evangelho - mostra-nos o caminho para ficarmos
saciados: é o caminho do amor, que Ele percorreu até o fim, até à cruz; e de lá
chama-nos a segui-lo, perdendo a nossa vida para a reavermos nova (cf. Mt 16,24-25).
Detenhamo-nos
juntos a pensar nestes dois aspectos: a sede que nos habita e o
amor que nos sacia.
Antes
de tudo, somos chamados a reconhecer a sede que nos habita. O
salmista grita para Deus a sua secura, porque a sua vida se assemelha a um
deserto. As suas palavras têm uma ressonância particular em uma terra como a
Mongólia: um território imenso, rico de história, uma terra cheia de cultura,
mas caracterizado também pela aridez da estepe e do deserto. Muitos de vós estão
habituados ao encanto e à fadiga de caminhar, atividade que recorda um aspecto
essencial da espiritualidade bíblica, presente na figura de Abraão e, de forma
mais geral, também no povo de Israel e em todo o discípulo do Senhor: com
efeito, todos, todos nós somos «nômades de Deus», peregrinos à procura da
felicidade, viandantes sedentos de amor. Assim, o deserto evocado pelo salmista
refere-se à nossa vida: somos aquela terra árida que tem sede de água límpida,
de água que mata a sede em profundidade; é o nosso coração que deseja descobrir
o segredo da verdadeira alegria, aquela que pode nos acompanhar e sustentar
mesmo no meio da aridez existencial. É verdade! Trazemos dentro de nós uma sede
inextinguível de felicidade; andamos à procura de significado e orientação para
a nossa vida, de motivação para as atividades que realizamos cada dia; e
sobretudo temos sede de amor, porque só o amor nos sacia verdadeiramente, nos
faz sentir bem - o amor faz-nos sentir bem -, abre à confiança fazendo-nos
saborear a beleza da vida. Queridos irmãos e irmãs, a fé cristã é resposta a
esta sede; toma-a a sério; não a remove, não procura aplacá-la com paliativos
ou substituintes. Não! Porque nesta sede reside o nosso grande mistério: ela
abre-nos ao Deus vivo, ao Deus-Amor que vem ao nosso encontro para nos fazer
filhos seus e irmãos e irmãs entre nós.
E
assim chegamos ao segundo aspecto: o amor que nos sacia. Primeiro
pensamos na nossa sede, existencial, profunda, e agora pensemos no amor que nos
sacia. Este é o conteúdo da fé cristã: Deus, que é amor, no seu Filho Jesus,
fez-Se próximo de ti, de mim, de todos, deseja partilhar a tua vida, as tuas
fadigas, os teus sonhos, a tua sede de felicidade. É verdade que, às vezes, nos
sentimos como terra deserta, árida e sem água, mas é igualmente verdade que
Deus cuida de nós e nos oferece a água límpida e refrescante, a água viva do
Espírito que, brotando em nós, nos renova, libertando-nos do perigo da secura.
Esta água é Jesus quem no-la dá. Como afirma Santo Agostinho, «se nos
reconhecermos no sedento, nos reconheceremos também no saciado»
(Comentário ao Salmo 62, 3). Embora tantas vezes na nossa vida
experimentemos o deserto, a solidão, o cansaço, a esterilidade, nunca nos
devemos esquecer disto: «Para que não desfaleçamos neste deserto - acrescenta
Agostinho - Deus irriga-nos com o orvalho da sua Palavra (...). É verdade que
nos faz sentir a sede, mas depois vem saciá-la. (...) Deus teve misericórdia de
nós e abriu-nos um caminho no deserto: nosso Senhor Jesus Cristo», e é este o
caminho no deserto da vida. «E proporcionou-nos uma consolação no deserto: os
pregadores da sua Palavra. Ofereceu-nos água no deserto, enchendo de Espírito
Santo os seus pregadores para que neles se formasse uma fonte de água que jorra
para a vida eterna» (ibid., 3.8). Estas palavras, queridos amigos,
recordam a vossa história: nos desertos da vida e nas limitações por serdes uma
comunidade pequena, o Senhor não vos deixa faltar a água da sua Palavra,
especialmente através dos pregadores e missionários que, ungidos pelo Espírito
Santo, a semeiam em toda a sua beleza. E a Palavra sempre, sempre nos remete
para o essencial, para o essencial da fé: deixar-se amar por Deus para fazer da
nossa vida uma oferta de amor. Porque só o amor sacia verdadeiramente a nossa
sede. Não esqueçamos: só o amor verdadeiramente sacia.
É o
que Jesus, no Evangelho de hoje, diz em tom forte ao Apóstolo Pedro. Este não
aceita o fato de Jesus ter que sofrer, ser acusado pelos chefes do povo, passar
pela Paixão e, depois, morrer na cruz. Pedro reage, Pedro protesta, queria
convencer Jesus que estava no erro, porque, segundo ele (e, muitas vezes,
pensamos assim também nós), o Messias não pode acabar derrotado, nem de forma
alguma morrer crucificado, como um malfeitor abandonado por Deus. Mas o Senhor
repreende Pedro, porque este modo de pensar é dos homens, diz o Senhor, e não o
de Deus (cf. Mt 16,21-23). Se pensamos que, para saciar
a aridez da nossa vida, bastam o sucesso, o poder, as coisas materiais, isso é
uma mentalidade mundana, que não leva a nada de bom, pelo contrário, deixa-nos
mais áridos do que antes. Mas Jesus indica-nos o caminho: «Se alguém quer me
seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga. Pois quem quiser salvar
a sua vida vai perdê-la; e quem perder a sua vida por causa de mim, vai
encontrá-la» (vv. 24-25).
Irmãos,
irmãs, o melhor caminho de todos é este: abraçar a cruz de Cristo. No coração
do Cristianismo temos esta notícia impressionante, esta notícia extraordinária:
quando perdes a tua vida, quando a ofereces generosamente no serviço, quando a
pões em risco comprometendo-a no amor, quando fazes dela um dom gratuito para
os outros, então a vida volta para ti em abundância, derrama dentro de ti uma
alegria que não passa, uma paz do coração, uma força interior que te sustenta.
E temos necessidade de paz interior.
Esta
é a verdade que Jesus nos convida a descobrir, que Jesus quer desvendar a todos
vós, nesta terra da Mongólia: para ser feliz, não serve ser grande, rico ou
poderoso. Não! Só o amor sacia o nosso coração, só o amor cura as nossas
feridas, só o amor nos dá a verdadeira alegria. E este é o caminho que Jesus
nos ensinou e abriu para nós.
Então
também nós, irmãos e irmãs, ouvimos a palavra que o Senhor disse a Pedro: «Segue
atrás de mim» (cf. Mt 16,23), ou seja, torna-te meu
discípulo, segue o mesmo caminho que sigo Eu e deixa de pensar segundo o mundo.
Então, com a graça de Cristo e do Espírito Santo, poderemos caminhar pelo
caminho do amor. Mesmo quando amar significa renunciar a si mesmo, lutar contra
os egoísmos pessoais e mundanos, correr o risco de viver a fraternidade. Pois,
se é verdade que tudo isto custa fadiga e sacrifício e por vezes significa ter
de subir à cruz, é ainda mais verdade que, quando perdemos a nossa vida pelo
Evangelho, o Senhor no-la dá em abundância, cheia de amor e alegria, por toda a
eternidade.
Saudação no final da Missa
(...)
A Missa
é ação de graças, “Eucaristia”. Celebrá-la nesta terra fez-me lembrar a
oração do Padre jesuíta Pierre Teilhard de Chardin, elevada a Deus exatamente
há 100 anos, no deserto de Ordos, não muito longe daqui. Diz assim:
“Prostro-me, meu Deus, diante da vossa Presença no Universo volvido ardente e,
sob os traços de tudo o que eu encontrar, e de tudo o que me acontecer, e de
tudo o que realizar no dia de hoje, desejo-vos e espero-vos”. O Padre Teilhard
estava ocupado com pesquisas geológicas. Desejava ardentemente celebrar a Santa
Missa, mas não trazia consigo nem pão nem vinho. Eis, então, que compôs a sua
“Missa sobre o Mundo”, expressando assim a sua oferenda: “Recebei, Senhor, esta
Hóstia total que a Criação, movida pelo vosso apelo, vos apresenta na nova
aurora”. E uma oração semelhante tinha já surgido na sua mente, enquanto se
encontrava no front, durante a Primeira Guerra Mundial, servindo
como carregador de macas. Este sacerdote, muitas vezes incompreendido, tinha
percebido que “a Eucaristia é sempre celebrada, em certo sentido - em certo
sentido -, sobre o altar do mundo” e é “o centro vital do Universo, o centro
transbordante de amor e de vida inexaurível” (Encíclica Laudato Si’,
n. 236), inclusive em um tempo como o nosso, de tensões e de guerras. Rezemos
hoje, portanto, com as palavras do Padre Teilhard: “Verbo cintilante,
Força ardente, Vós que amassais o múltiplo para lhe insuflar a vossa Vida,
baixai, rogo-vos, sobre nós as vossas Mãos poderosas, as vossas Mãos
protetoras, as vossas Mãos onipresentes”.
Irmãos e irmãs da Mongólia, obrigado pelo vosso testemunho, bayarlalaa [obrigado]!
Que Deus vos abençoe. Estais no meu coração e, no meu coração, permanecereis.
Por favor, lembrai-vos de mim nas vossas orações e nos vossos pensamentos.
Obrigado!
Fonte: Santa Sé.
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