terça-feira, 26 de setembro de 2023

Leitura litúrgica do Livro de Tobias (2)

“Bendizei o Senhor seus eleitos, fazei festa e alegres louvai-o!” (Tb 13,8).

Na postagem anterior desta série sobre a leitura litúrgica dos livros da Sagrada Escritura iniciamos o estudo do Livro de Tobias (Tb), umas das “novelas bíblicas” do Antigo Testamento (AT), junto com Rute, Ester e Judite.

Na primeira parte, após uma breve introdução, analisamos sua leitura sob o critério da composição harmônica, isto é, da sintonia com o tempo ou a festa litúrgica, como indica o n. 66 do Elenco das Leituras da Missa (ELM) [1]. Agora gostaríamos de dar continuidade a esta proposta contemplando sua presença na Liturgia sob o critério da leitura semicontínua e seus textos entoados como cânticos.

Tobias e o Arcanjo Rafael
(Francisco de Goya)

3. Leitura litúrgica do Livro de Tobias: Leitura semicontínua

A leitura semicontínua, segundo critério de seleção dos textos bíblicos para as celebrações, consiste na proclamação dos principais textos de um livro na sequência, oferecendo aos fiéis um contato mais amplo com a Palavra de Deus (cf. ELM, n. 66).

a) Celebração Eucarística

Como vimos nas postagens anteriores, das quatro “novelas bíblicas”, duas são lidas de maneira semicontínua na Celebração Eucarística, como indica o n. 110 do Elenco das Leituras da Missa: “Entre aquelas narrações escritas com uma finalidade exemplar, que exigem uma leitura bastante extensa para que se entendam, leem-se os livros de Tobias e de Rute” [2].

Nosso livro é proferido, pois, durante a IX semana do Tempo Comum do ano ímpar. As seis perícopes selecionadas, que nos oferecem um bom resumo da narrativa, são:
Segunda-feira: Tb 1,3; 2,1a-8;
Terça-feira: Tb 2,9-14;
Quarta-feira: Tb 3,1-11a.16-17a;
Quinta-feira: Tb 6,10-11; 7,1.9-17; 8,4-9a;
Sexta-feira: Tb 11,5-17;
Sábado: Tb 12,1.5-15.20 [3].

b) Liturgia das Horas

No ciclo anual da Liturgia das Horas, por sua vez, não há leituras em composição harmônica de Tobias. Não obstante, nosso livro é lido no ciclo bienal do Ofício das Leituras, ainda sem tradução para o Brasil, ao longo da XXV semana do Tempo Comum nos anos pares, após a leitura de Ester e Baruc e antes de Judite.

Ofício das Leituras: XXV semana do Tempo Comum (Ano par)
Domingo: Tb 1,1-25 - Piedade do ancião Tobit;
Segunda-feira: Tb 2,1–3,6 - Desgraça de Tobit, homem justo;
Terça-feira: Tb 3,7-25 - Infelicidade de Sara e oração que ela dirige ao Senhor;
Quarta-feira: Tb 4,1-6.16.20-23; 5,1-14.21-22 - O jovem Tobias empreende a viagem à Média;
Quinta-feira: Tb 6,1-22 - Viagem de Tobias com o anjo;
Sexta-feira: Tb 7,1.9-20; 8,4-16 - Matrimônio de Tobias e Sara;
Sábado: Tb 10,8–11,17 - Tobias regressa à casa do seu pai [4].

Como 2ª leitura do Ofício (leitura patrística) leem-se nesses dias textos de diversos Padres da Igreja em composição harmônica com a leitura.

Temos ainda, sob o critério da leitura semicontínua, uma leitura breve do nosso escrito na Liturgia das Horas, nas Laudes da quarta-feira da I semana do Saltério: Tb 4,14b-15a.16ab.19a [5], recolhendo uma série de conselhos de Tobit.

Cabe recordar, porém, que essa leitura é proferida apenas no Tempo Comum, uma vez que os Tempos do Advento, Natal, Quaresma e Páscoa possuem leituras próprias.

Casamento de Tobias e Sara e vitória de Rafael sobre Asmodeu
(Pieter Lastman)

4. Leitura litúrgica do Livro de Tobias: Cânticos

Por fim, não poderíamos concluir nosso estudo sobre a presença do Livro de Tobias nas celebrações litúrgicas sem contemplar os textos que são entoados como cânticos, tanto na Liturgia das Horas como na Celebração Eucarística.

Trata-se da oração de ação de graças entoada por Tobit no capítulo 13, da qual são tomados alguns trechos como cânticos, como veremos a seguir.

a) Liturgia das Horas

O lugar por excelência dos salmos e cânticos é a Liturgia das Horas. Os cânticos do AT foram distribuídos nas Laudes das quatro semanas do Saltério, nas quais entoamos dois trechos de Tobias:

- Laudes da terça-feira da I semana do Saltério: Tb 13,2-8 [6], com o sugestivo título de “Deus castiga e salva”, uma vez que Tobit interpreta seus infortúnios como parte da “pedagogia” de Deus, exortando à conversão;

- Laudes da sexta-feira da IV semana do Saltério: Tb 13,8-11.13-14ab.15-16ab [7], com o título “Ação de graças pela libertação do povo”. Nesta segunda parte do cântico Tobit canta a destruição de Jerusalém, castigo por seus pecados, e sua restauração escatológica na era messiânica.

Alguns versículos desta segunda parte foram omitidos por seu caráter imprecatório, isto é, de maldição contra os inimigos (como o v. 12).

Além das Laudes, os cânticos do AT aparecem nas Vigílias. Estas não fazem parte da recitação ordinária da Liturgia das Horas, podendo ser rezadas de modo facultativo junto ao Ofício das Leituras dos domingos e solenidades.

Na Vigília da Solenidade de Todos os Santos (01 de novembro) a ação de graças de Tobit, aqui intitulada “Deus exalta seus eleitos”, é dividida em três cânticos:
Cântico I: Tb 13,2-8, com o convite: “Bendizei o Senhor, seus eleitos”;
Cântico II: Tb 13,9-11, recordando Jerusalém como “a Eleita”, antecipando a “Jerusalém celeste” do Apocalipse, onde habitam os santos;
Cântico III: Tb 13,13-18, a exultação de Jerusalém por seus filhos, “abençoados e reunidos no Senhor” [8].

A imagem da “Jerusalém celeste” também está associada ao templo cristão. Por isso, o Cântico I da Vigília do Comum da Dedicação de uma igreja é Tb 13,8-11.13-14ab.15-16ab, aqui intitulado “A glória futura de Jerusalém” [9].

Cura de Tobit
(Giovanni Antonio Guardi)

b) Celebração Eucarística

Na Celebração Eucarística, o cântico de Tb é entoado no lugar do salmo em três ocasiões. Primeiramente em duas Missas feriais no Tempo Comum, onde é o texto próprio, isto é, que deve sempre ser entoado:

- Sábado da IX semana do Tempo Comum (ano ímpar): Tb 13,2.6-8 [10], concluindo aqui a leitura semicontínua do próprio Livro de Tobias, como vimos acima. O refrão é o primeiro verso: “Bendito seja Deus, que vive eternamente!”;

- Quarta-feira da XXV semana do Tempo Comum (ano ímpar): Tb 13,2-5.8 [11], acompanhando a leitura de Esd 9,5-9, uma oração de ação de graças feita por Esdras, que traz o tema da “função pedagógica” do castigo presente no cântico.

A seguir temos uma celebração em que o cântico aparece dentre as várias opções de “salmos” à escolha: trata-se da Missa pelos refugiados e exilados, para a qual se propõe a mesma perícope: Tb 13,2-5.8 [12]. Neste contexto destacam-se os vv. 3-4, que dão um sentido teológico à diáspora: “O Senhor dispersou-vos na terra para narrardes sua glória entre os povos”.

Em todas as ocasiões acima, tanto na Liturgia das Horas quanto na Liturgia da Palavra da Missa, o cântico de Tobias é um rito em si mesmo. Há, porém, uma ocasião em que o nosso cântico acompanha um rito.

Trata-se da Dedicação de igreja, mais especificamente do rito da iluminação da igreja.  Enquanto o diácono acende as velas do altar e das paredes da igreja, canta-se o cântico de Tobias: Tb 13,8-9a.11abc.11def e 13 [13], destacando o tema da “luz” relacionado à cidade de Jerusalém, imagem do templo cristão: “Resplenderás, qual luz brilhante, até os extremos desta terra” (v. 11).

A antífona que acompanha o cântico é tomada das Laudes da Solenidade da Epifania do Senhor: “Despontou a tua luz, Jerusalém, e a glória do Senhor te iluminou. E os povos andarão na tua luz. Aleluia” [14]. É curioso que o nosso cântico não seja entoado nessa Solenidade, dado que o v. 11 anuncia que “virão nações de longe, trazendo dons ao rei do céu”.

No Tempo da Quaresma, por sua vez, o refrão do cântico é o mesmo que o acompanha nas Laudes da sexta-feira da IV semana do Saltério, que vimos acima: “Jerusalém, cidade santa, brilharás qual luz fulgente, e hão de honrar-te os povos todos”.

Partida do Arcanjo Rafael
(Pieter Lastman)

Notas:
[1] cf. ALDAZÁBAL, José. A Mesa da Palavra I: Elenco das Leituras da Missa - Texto e Comentário. São Paulo: Paulinas, 2007, p. 76.
[2] ibid., p. 106.
[3] LECIONÁRIO II: Semanal. Tradução portuguesa da 2ª edição típica para o Brasil. São Paulo: Paulus, 1995.
[4] Os títulos das leituras foram traduzidos livremente do texto espanhol divulgado pelo site Dei Verbum.
[5] OFÍCIO DIVINO. Liturgia das Horas segundo o Rito Romano. Tradução para o Brasil da segunda edição típica. São Paulo: Paulus, 1999, vol. III, p. 686; vol. IV, p. 640.
[6] ibid., vol. I, p. 648; vol. II, p. 1015; vol. III, p. 665; vol. IV, p. 619.
[7] ibid., vol. I, p. 975; vol. II, p. 1380; vol. III, p. 1133; vol. IV, p. 1087.
[8] ibid., vol. IV, pp. 1819-1820. No Brasil esta solenidade é transferida para o domingo seguinte, exceto quando o dia 02 de novembro cai no domingo.
[9] ibid., vol. I, p.1432; vol. II, p. 2004; vol. III, p. 1814; vol. IV, p. 1822. Os outros dois cânticos aqui são: Is 2,2-3 e Jr 7,2-7.
[10] LECIONÁRIO II, op. cit.
[11] ibid.
[12] LECIONÁRIO III: Para as Missas dos Santos, dos Comuns, para Diversas Necessidades e Votivas. Tradução portuguesa da 2ª edição típica para o Brasil. São Paulo: Paulus, 1997.
[13] PONTIFICAL ROMANO: Dedicação de igreja e de altar. São Paulo: Paulus, 2000, p. 455. O cântico de Tobias, porém, pode ser substituído por “outro canto apropriado, especialmente em honra de Cristo, luz do mundo”.
[14] OFÍCIO DIVINO, vol. I, p. 511.

Imagens: Wikimedia Commons.

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