quinta-feira, 13 de julho de 2023

Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio: Jesus Cristo 5

Na segunda meditação sobre o tríplice múnus do Messias em suas Catequeses sobre Jesus Cristo, o Papa São João Paulo II refletiu sobre Cristo como Sacerdote.

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Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio
CREIO EM JESUS CRISTO

6. Jesus Cristo, Messias “Sacerdote”
João Paulo II - 18 de fevereiro de 1987

1. O nome “Cristo” que, como sabemos, é o equivalente grego da palavra hebraica “Messias” - isto é, “Ungido” -, além do caráter real”, que tratamos na Catequese anterior, inclui, segundo a tradição do Antigo Testamento, também o carátersacerdotal”. Como elementos pertencentes à mesma missão messiânica, os dois aspectos, embora diversos entre si, são complementares. A figura do Messias, delineada no Antigo Testamento, compreende a ambos, manifestando a profunda unidade da missão real e sacerdotal.

2. Esta unidade tem sua primeira expressão, como um protótipo e uma antecipação, em Melquisedec, rei de Salém, misterioso contemporâneo de Abraão. Dele lemos no Livro do Gênesis que, saindo ao encontro de Abraão, “trouxe pão e vinho e, como era sacerdote do Deus Altíssimo, abençoou Abraão, dizendo: ‘Bendito seja Abraão pelo Deus Altíssimo, criador do céu e da terra” (Gn 14,18-19).

Jesus Cristo, Sumo Sacerdote da nova aliança

A figura de Melquisedec, rei-sacerdote, entrou na tradição messiânica, como atesta o Salmo 109, o salmo messiânico por antonomásia. Neste salmo, com efeito, Deus-Yahweh se dirige ao “meu senhor” (isto é, o Messias) com as palavras: “Senta-te à minha direita, até que Eu faça de teus inimigos o estrado dos teus pés. De Sião o Senhor estenderá o cetro do teu poder: domina no meio dos teus inimigos...” (Sl 109,1-2).

A estas expressões, que não deixam dúvidas quanto ao caráter real daquele a quem Yahweh se dirige, segue o anúncio: “O Senhor jurou e não se arrependerá: Tu és sacerdote para sempre segundo a ordem de Melquisedec” (Sl 109,4). Como se vê, aquele a quem Deus-Yahweh se dirige, convidando-o a sentar-se “à sua direita”, será ao mesmo tempo rei e sacerdote “segundo a ordem de Melquisedec”.

3. Na história de Israel, a instituição do sacerdócio da antiga aliança tem início na pessoa de Aarão, irmão de Moisés, e será hereditariamente ligada a uma das doze tribos de Israel, a de Levi.

A este respeito é significativo o que lemos no Livro do Eclesiástico [Sirácida]: “(Deus) exaltou também a Aarão... seu irmão (de Moisés), da tribo de Levi. Confirmou para ele uma aliança eterna, deu-lhe o sacerdócio do seu povo (Eclo 45,7-8). “Escolheu-o dentre todos os viventes para oferecer sacrifício a Deus, incenso e gorduras como perfume agradável e memorial, intercedendo em favor do seu povo. Deu-lhe autoridade sobre seus preceitos e sobre o teor dos mandamentos, para ensinar a Jacó seus testemunhos e iluminar Israel mediante a Lei” (vv. 20-21). Destes textos deduzimos que a eleição sacerdotal está em função do culto, para a oferta dos sacrifícios de adoração e de expiação, e que, por sua vez, o culto está ligado ao ensino sobre Deus e sobre sua Lei.

4. Sempre no mesmo contexto são significativas também estas palavras do Livro do Eclesiástico: “Na aliança com Davi... a herança passou a um só de seus filhos, mas a herança de Aarão se estende a todos os seus descendentes” (Eclo 45,31).

Segundo esta tradição, o sacerdócio se situa “ao lado” da dignidade real. Ora, Jesus não procede da estirpe sacerdotal, da tribo de Levi, mas da tribo de Judá; portanto, parece que o caráter sacerdotal do Messias não lhe corresponde. Seus contemporâneos descobrem n’Ele sobretudo o mestre, o profeta, alguns também seu “rei”, herdeiro de Davi. Portanto, poderíamos dizer que em Jesus a tradição de Melquisedec, o rei-sacerdote, está ausente.

5. No entanto, é uma ausência aparente. Os acontecimentos pascais revelaram o verdadeiro sentido do “Messias-rei” e do “rei-sacerdote segundo a ordem de Melquisedec” que, presente no Antigo Testamento, encontrou seu cumprimento na missão de Jesus de Nazaré. É significativo que durante o processo diante do Sinédrio, ao sumo sacerdote que lhe pede: “Nos digas se tu és o Cristo, o Filho de Deus”, Jesus responde: “Tu o disseste. Além disso, Eu vos digo: a partir de agora vereis o Filho do Homem sentado à direita do Poderoso...” (Mt 26,63-64). É uma clara referência ao salmo messiânico (Sl 109), no qual encontra expressão a tradição do rei-sacerdote.

6. É preciso dizer, porém, que a plena manifestação desta verdade se encontra apenas na Carta aos Hebreus, que trata a relação entre o sacerdócio levítico e o de Cristo.
O autor da Carta aos Hebreus aborda o tema do sacerdócio de Melquisedec para dizer que em Jesus Cristo se cumpriu o anúncio messiânico ligado a esta figura, que por predestinação superior já desde os tempos de Abraão havia sido inscrita na missão do povo de Deus.

Com efeito, lemos que Cristo “quando levou a termo a sua vida, tornou-se causa de salvação eterna para todos os que lhe obedecem. De fato, Ele foi por Deus proclamado sumo sacerdote segundo a ordem de Melquisedec” (Hb 5,9-10). Portanto, depois de recordar o que está escrito sobre Melquisedec no Livro do Gênesis (Gn 14,18), a Carta aos Hebreus continua: “Primeiro, seu nome significa ‘Rei de Justiça’, e ele é também ‘Rei de Salém’, isto é, Rei de Paz’. Sem pai, sem mãe, sem genealogia, sem início de dias nem fim da vida, ele se assemelha ao Filho de Deus e permanece sacerdote para sempre” (Hb 7,2-3).

7. Fazendo em seguida analogias com o ritual do culto, com a arca e com os sacrifícios da antiga aliança, o autor da Carta aos Hebreus apresenta Jesus Cristo como o cumprimento de todas as figuras e promessas do Antigo Testamento, ordenado a serviço “daquilo que é representação e sombra das realidades celestes” (Hb 8,5). Cristo, ao contrário, sumo sacerdote misericordioso e fiel (cf. Hb 2,17; 3,2.5), porta em Si um “sacerdócio imutável (Hb 7,24), tendo oferecidoa Si mesmo a Deus como vítima sem mancha” (Hb 9,14).

8. Vale a pena citar por inteiro alguns trechos particularmente eloquentes desta Carta. Entrando no mundo, Jesus Cristo diz a Deus, seu Pai:
“Não quiseste vítima nem oferenda, mas formaste um corpo para mim. Não foram do teu agrado holocaustos nem sacrifícios pelo pecado. Então Eu disse: ‘Eis que venho, ó Deus, para fazer a tua vontade, como no livro está escrito a meu respeito” (Hb 10,5-7; cf. Sl 39,7-9).

“Tal é precisamente o sumo sacerdote que nos convinha...” (Hb 7,26). “Por isso devia fazer-se em tudo semelhante aos irmãos, para se tornar um sumo sacerdote misericordioso e digno de confiança nas coisas que concernem a Deus, a fim de expiar os pecados do povo” (Hb 2,17). Temos, pois, “um sumo sacerdote... tentado em tudo, à nossa semelhança, sem todavia pecar”, um sumo sacerdote que sabe “compadecer-se de nossas fraquezas” (Hb 4,15).

9. Lemos mais adiante que esse sumo sacerdote “não precisa, como os outros sumos sacerdotes, oferecer sacrifícios a cada dia, primeiro por seus próprios pecados e depois pelos do povo. Ele já o fez uma vez por todas, oferecendo-se a Si mesmo” (Hb 7,27). E ainda: “Cristo veio como sumo sacerdote dos bens futuros. Ele entrou no Santuário... com seu próprio sangue... uma vez por todas, obtendo uma redenção eterna” (Hb 9,11-12). Daqui nossa certeza de que “o sangue de Cristo purificará a nossa consciência das obras mortas, para servirmos ao Deus vivo! Com efeito, em virtude do Espírito eterno, Cristo se ofereceu a Si mesmo a Deus como vítima sem mancha” (Hb 9,14).

Explica-se assim a atribuição ao sacerdócio de Cristo de uma perene força salvífica, pela qual “Ele tem poder ilimitado para salvar aqueles que, por seu intermédio, se aproximam de Deus, pois vive sempre para interceder por eles” (Hb 7,25).

10. Por fim, podemos observar que na Carta aos Hebreus é afirmado de modo claro e convincente que Jesus Cristo cumpriu com toda a sua vida e sobretudo com o sacrifício da cruz, aquilo que estava inscrito na tradição messiânica da Revelação divina. Seu sacerdócio é posto em referência ao serviço ritual dos sacerdotes da antiga aliança, que, porém, é por Ele ultrapassado, como sacerdote e como vítima. Em Cristo, portanto, é cumprido o eterno desígnio de Deus, que dispôs a instituição do sacerdócio na história da aliança.

11. Segundo a Carta aos Hebreus, o cumprimento messiânico é simbolizado pela figura de Melquisedec. Nela se lê, com efeito, que pela vontade de Deus: “segundo a semelhança de Melquisedec, surge outro sacerdote, não segundo a regra de um mandato humano (ou seja, por instituição legal), mas segundo o poder de uma vida indestrutível” (Hb 7,15-16). Trata-se, pois, de um sacerdócio eterno (cfHb 7,3.24).

A Igreja, guardiã e intérprete fiel destes e dos outros textos contidos no Novo Testamento, reafirmado repetidas vezes a verdade do Messias-Sacerdote, como atestam, por exemplo, o Concílio Ecumênico de Éfeso (431), o de Trento (1562) e, em nossos dias, o Concílio Vaticano II (1962-65).

Um evidente testemunho desta verdade o encontramos no sacrifício eucarístico que, por instituição de Cristo, a Igreja oferece cada dia sob as espécies do pão e do vinho, isto é, “ao modo de Melquisedec”.

Salvador Eucarístico (Juan de Juanes)

Tradução nossa a partir do texto italiano divulgado no site da Santa Sé (18 de fevereiro de 1987).

Confira também nossa postagem sobre a Festa de Jesus Cristo, Sumo e Eterno Sacerdote.

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