No dia 04 de dezembro de 2023 celebraremos os 60 anos da
Constituição Sacrosanctum Concilium sobre a sagrada Liturgia, o primeiro
documento promulgado pelo Concílio Vaticano II.
Em vista dessa comemoração, a Revista Encontros Teológicos,
publicação quadrimestral da Faculdade Católica de Santa Catarina
(FACASC), dedicou o seu primeiro volume deste ano à Liturgia (vol. 38, n. 1,
janeiro-abril de 2023).
Confira a seguir os resumos dos seis artigos sobre Liturgia
publicados nesse volume, dedicados sobretudo à formação e à música litúrgicas,
os quais podem ser acessados na íntegra no site da Revista:
Relançar a tarefa da formação litúrgica hoje: Lendo “Desiderio desideravi” a partir da “Formação litúrgica” de Romano Guardini
Felipe Koller
Com a Carta Apostólica Desiderio desideravi (2022), o Papa
Francisco avança a recepção do magistério do Concílio Vaticano II sobre a Liturgia
e repropõe a tarefa da formação litúrgica, apresentada no início do século XX
pelo Movimento Litúrgico e assumida pela Constituição Sacrosanctum Concilium.
Em grandes linhas, Francisco se baseia no livro Formação litúrgica
(1923), de Romano Guardini (1885-1968), citado diretamente algumas vezes.
Contudo, os pontos de contato entre Desiderio desideravi e Formação
litúrgica vão além das citações diretas. Este artigo busca traçar
correlações entre as contribuições de Guardini e as questões trabalhadas pela Carta
Apostólica, buscando uma compreensão mais rica da tarefa da formação litúrgica
hoje. O encadeamento se permite guiar pela estrutura do texto de Guardini, que,
depois de identificar a tarefa que se delineia a partir da relação do ser
humano moderno com a Liturgia, explora, ponto a ponto, as diferentes oposições
polares que estão em jogo no ato litúrgico: a alma e o corpo, o ser humano e a
coisa, o indivíduo e a comunidade, o objetivo e o subjetivo, a religião e a
cultura. Com isso, a tarefa da formação litúrgica se mostra de alcance muito
maior do que como uma resposta aos movimentos tradicionalistas - contexto
imediato da publicação da Carta Apostólica e sobretudo do documento que a
precede, Traditionis custodes -, revelando-se uma dimensão fundamental
da recepção do Concílio e emergindo como uma questão de primeira grandeza para
a cultura contemporânea.
A formação ao silêncio na Liturgia: Uma reflexão sobre o n. 52 de Desiderio desideravi
Wellington José de Castro
O tema abordado pelo Papa Francisco em sua Carta Apostólica Desiderio
desideravi foi a necessidade de sermos formados para a Liturgia e pela Liturgia,
considerada a fonte e o ápice da vida cristã. De modo particular, trata em um
parágrafo sobre a formação ao silêncio orante e litúrgico, que não é uma pausa
ou ausência de palavras, mas parte necessária da ação litúrgica, porque move o
fiel ao arrependimento e ao desejo de conversão, suscita a escuta da Palavra de
Deus e nos prepara à oração, dispondo-nos também à adoração do Corpo e do
Sangue de Cristo. Deste modo, o Pontífice leva-nos a refletir sobre a urgência
da redescoberta do silêncio como símbolo da presença e da ação do Espírito
Santo na celebração litúrgica, em particular daquela eucarística. Este artigo
tem o objetivo de refletir justamente sobre esta temática, tendo como base o
referido parágrafo (n. 52), as indicações do Missal Romano acerca dos momentos
em que o silêncio litúrgico é previsto (não tanto como gesto, mas como símbolo)
e alguns textos de Romano Guardini, teólogo citado pelo Papa em seu texto,
considerado o “filósofo do silêncio”, bem como outros documentos magisteriais e
de outros tipos, que apresentam de modo claro a necessidade (às vezes
obrigatoriedade) do silêncio sagrado na Liturgia.
O coração na boca: A música litúrgica como ação ritual e expressão sensível do mistério celebrado
Márcio Antonio Almeida
Este artigo discute a música litúrgica no contexto do Concílio Ecumênico
Vaticano II. Por meio de (re-)leituras sobre a gestualidade presente na canção
popular “Coração na boca” de Zélia Duncan, adentra-se o universo da expressão
vocal e sonora da Liturgia. Na “cena” litúrgica, a música atinge os sujeitos e sua
sensibilidade, e lhes imprime comportamentos rituais conscientes ou não,
relacionados ao modo de apreensão da palavra litúrgica modulada pelo canto e a
música. Durante as ações rituais, a sacramentalidade, a ritualidade, a
funcionalidade e a ministerialidade da música litúrgica não são categorias
naturalmente intuídas. Deste modo, são necessárias chaves que abram
perspectivas de interpretação do dado objetivo da fé, com implicações
vivenciais. Importa no jogo ritual explicitar a dimensão mistagógica da música
litúrgica que, ao assumir seu protagonismo na celebração, transporta-nos para o
mistério ou oferece aberturas para esse acontecimento. A vivência da palavra
cantada na Liturgia torna possível ressoar o mistério celebrado que tem
consequências na vida concreta dos fiéis. É preciso descortinar o mistério,
silenciar e “gritar”, gastar-se para ser, conectar-se responsavelmente para ter
o coração na boca. A música litúrgica é percebida, então, como epifania da
Palavra de Deus que confronta nossa incapacidade de perceber-nos como um corpo
na Igreja.
“Em comunhão com toda a Igreja aqui estamos”: Importâncias e cuidados do coral na Liturgia da Missa
Mariana Silva Mancilha
O canto está presente na religião católica em diferentes momentos, como
em celebrações litúrgicas, grupos de oração, encontros de formação, retiros,
entre outros. No entanto, o presente texto objetiva trazer reflexões sobre a
atuação dos grupos de canto coral nas missas, porque é o momento em que
diferentes grupos se unem para a ceia eucarística. Através da pesquisa
bibliográfica-documental, serão destacadas as importâncias do canto para a Missa,
os cuidados para que ele não tenha distorcida a sua função, e que ao longo do
texto os coralistas possam reconhecer que fazem parte da comunidade junto com
todas as pessoas participantes. Para isso, o respeito à Liturgia da Missa é
fundamental. Nos momentos devocionais, como a realização de novenas e tríduos
em honra ao padroeiro da paróquia ou comunidade, o canto faz parte especial das
preces populares que aproximam a comunidade entre si e com o mistério de Cristo
que celebram com fé, através da intercessão dos santos e santas ou de Nossa Senhora.
A importância do canto na Missa, tendo em vista o respeito à Liturgia e o
conhecimento do mistério celebrado serão partes fundamentais no decorrer das
reflexões do texto, além da linguagem poética que busca interpretar o canto
além de uma perspectiva vocal.
Do “tomar e comer” ao “ver”: A perda do real sentido eucarístico e seus desdobramentos pastorais.
Tiago Cosmo da Silva Dias
A Igreja Católica Apostólica Romana crê e prega que no pão e no vinho,
frutos da terra e do trabalho humano, acontece o milagre da transubstanciação,
ou seja, a partir do momento da consagração, na qual quem preside atualiza o
sacrifício de Cristo, a essência da matéria - pão e vinho - muda: já não se tem
mais pão e vinho, e sim Cristo, presente real e verdadeiramente tal qual está
no céu. Quando o fiel o recebe, esgota-se o princípio de alteridade, uma vez
que aquele que comunga passa a ser um só com Cristo. Esta é, em linhas gerais,
a essência do dogma eucarístico. Todavia, como resquício de uma sociedade
puramente imagética, este, que é o coração da Igreja, tem perdido o seu caráter
primordial de refeição [tomar e comer] para se transformar em mera contemplação
[ver]. De fato, para alguns, parece ser mais importante ver a hóstia consagrada
(e o que ela contém!), do que propriamente tomar e comer. Esta tendência, por
sua vez, tende a criar dificuldades ainda maiores, porque, por exemplo, já não
importa a celebração em si, mas sim quem a presidirá e com que finalidade
(bênçãos, curas, libertações). Além do mais, cria uma fé totalmente
descompromissada com a vida, visto que o “tomar e comer” traz sérias
implicações para a ética cristã, ao passo que o “ver” pode trazer, tão somente,
uma espécie de “alívio instantâneo”, a ponto de, dali não muito tempo, o fiel
necessitar outra vez “olhar”. Esse tipo de prática, além de não favorecer
formação religiosa adequada, incentiva o comércio religioso: volta-se à época
dos ostensórios, das pompas e do culto à personalidade dos presbíteros. O
objetivo, portanto, é demonstrar o quanto esta perda de sentido, por mais que
consiga reunir as massas, prejudica diretamente a ação pastoral da Igreja,
porque induz a uma fé infantil.
Bonhoeffer e a Liturgia das Horas: Aproximações entre o mártir luterano e a Igreja Romana em relação ao Saltério
Filipe Costa Machado
Dietrich Bonhoeffer é conhecido no meio cristão principalmente como o
teólogo e pastor que desafiou Hitler no auge do regime nazista alemão e, por
isso, foi preso e martirizado. Suas pregações e livros são famosos, entre os
quais Discipulado, Ética e Resistência e Submissão
são os mais lidos e estudados. Porém, ainda não foi dada atenção suficiente à
vida devocional de Bonhoeffer, à prática de fé que alimentou suas difíceis
decisões, da qual é parte fundamental a experiência de oração com o Saltério.
Nesse sentido, o presente artigo tem por objetivo apresentar a obra Orando
com os Salmos do mártir luterano e propor uma leitura em comparação com a Instrução
Geral sobre a Liturgia das Horas, um importante documento de oração da
Igreja romana igualmente baseado no Saltério. Dessa forma, é possível pontuar
semelhanças entre ambas as profissões de fé cristãs em um esforço teológico e
ecumênico - preciosos para Bonhoeffer -, além de rememorar a importância da Liturgia
junto ao protestantismo, já que o estudo parte principalmente de um autor
luterano. Inicia-se, portanto, com o texto católico romano para então se
discorrer sobre o Saltério a partir do ponto de vista de Bonhoeffer a partir da
obra supracitada. Finaliza-se o artigo com algumas aproximações e conclusões,
das quais a principal é de que os salmos são a oração da Igreja.
Fonte: Revista Encontros Teológicos.
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