quinta-feira, 6 de julho de 2023

Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio: Jesus Cristo 4

Em suas Catequeses nn. 5-7 sobre Jesus Cristo, o Papa São João Paulo II refletiu sobre o tríplice múnus do Messias: Rei, Sacerdote e Profeta. Confira a seguir a primeira dessas três meditações.

Para acessar a postagem que serve de introdução e índice das Catequeses sobre o Creio, clique aqui.

Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio
CREIO EM JESUS CRISTO


5. Jesus Cristo, Messias “Rei”
João Paulo II - 11 de fevereiro de 1987

1. Como vimos nas Catequeses anteriores, o evangelista Mateus conclui a genealogia de Jesus, Filho de Maria, colocada no início do seu Evangelho, com as palavras “Jesus, que é chamado Cristo” (Mt 1,16). O termo “Cristo” é o equivalente grego da palavra hebraica “Messias”, que quer dizer “Ungido”. Israel, o povo eleito por Deus, viveu por gerações na expectativa do cumprimento da promessa do Messias, a cuja vinda foi preparado através da história da aliança. O Messias, isto é, o “Ungido” enviado por Deus, devia dar cumprimento à vocação do povo da aliança, ao qual, por meio da Revelação, fora concedido o privilégio de conhecer a verdade sobre o próprio Deus e sobre seu projeto de salvação.

Cristo Rei (Hans Memling)

2. A atribuição do nome “Cristo” a Jesus de Nazaré é o testemunho de que os Apóstolos e a Igreja primitiva reconheceram que n’Ele se realizaram os desígnios do Deus da aliança e as expectativas de Israel. É o que proclamou Pedro no dia de Pentecostes, quando, inspirado pelo Espírito Santo, falou pela primeira vez aos habitantes de Jerusalém e aos peregrinos vindos para a festa: “Que toda a casa de Israel reconheça com plena certeza: a esse Jesus, a quem vós crucificastes, Deus o constituiu Senhor e Cristo” (At 2,36).

3. O discurso de Pedro e a genealogia de Mateus nos repropõem o rico conteúdo da palavra “Messias-Cristo” que se encontra no Antigo Testamento e que trataremos nas próximas Catequeses.

A palavra “Messias”, incluindo a ideia de unção, só pode ser compreendida em conexão com a instituição religiosa da unção com óleo em uso em Israel e que - como bem sabemos - passou da antiga à nova aliança. Na história da antiga aliança receberam esta unção pessoas chamadas por Deus ao ofício e à dignidade de rei, de sacerdote ou de profeta.

A verdade sobre o Cristo-Messias, portanto, deve ser relida no contexto bíblico deste tríplice “múnus”, que na antiga aliança era conferido àqueles que estavam destinados a guiar ou a representar o povo de Deus. Nesta Catequese pretendemos deter-nos no ofício e na dignidade de Cristo enquanto Rei.

4. Quando o anjo Gabriel anuncia à Virgem Maria que havia sido escolhida para ser a Mãe do Salvador, lhe fala da realeza do seu filho: “O Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi. Ele reinará para sempre sobre a casa de Jacó, e o seu reino não terá fim” (Lc 1,32-33).

Estas palavras parecem corresponder à promessa feita ao rei Davi: “Quando teus dias se completarem... suscitarei um descendente teu para te suceder... e Eu firmarei o seu reino. Ele construirá uma casa para o meu Nome e Eu firmarei o trono de seu reino para sempre. Eu serei para ele pai e ele será para mim filho” (2Sm 7,12-14). Pode-se dizer que esta promessa se cumpriu em certa medida com Salomão, filho e sucessor direto de Davi. Mas o sentido pleno da promessa ia muito além dos confins de um reino terreno e dizia respeito não só a um futuro distante, mas a uma realidade além da história, do tempo e do espaço: “Eu firmarei o trono de seu reino para sempre” (v. 13).

5. Na anunciação Jesus é apresentado como Aquele no qual se cumpre a antiga promessa. Desse modo a verdade sobre Cristo-Rei é situada na tradição bíblica do Rei messiânico” (do Messias-Rei); nesta forma se encontra muitas vezes nos Evangelhos que nos falam da missão de Jesus de Nazaré e nos transmitem o seu ensinamento.

É significativa a este respeito a atitude do próprio Jesus, por exemplo, quando Bartimeu, o mendigo cego, para pedir-lhe ajuda grita: “Jesus, Filho de Davi, tem compaixão de mim!” (Mc 10,47). Jesus, que nunca se havia atribuído esse título, aceita como dirigidas a Si as palavras pronunciadas por Bartimeu. Além disso, preocupa-se de precisar o seu alcance. Com efeito, dirigindo-se aos fariseus, pergunta: “Que pensais sobre o Cristo? De quem ele é filho?”. Eles responderam: “De Davi”. E Ele disse-lhes: “Como então, movido pelo Espírito, Davi o chama de ‘senhor’ quando diz: ‘Disse o Senhor ao meu senhor: Senta-te à minha direita, até que Eu ponha teus inimigos debaixo dos teus pés’? (Sl 109,1). Se, pois, Davi o chama ‘senhor, como pode ser seu filho?” (Mt 22,42-45).

6. Como se vê, Jesus chama a atenção sobre o modo “limitado” e insuficiente de compreender o Messias com base apenas a tradição de Israel, ligada à herança real de Davi. No entanto, Ele não rejeita esta tradição, mas a cumpre no sentido pleno que ela continha, que aparece já nas palavras pronunciadas durante a anunciação e que se manifestará na sua Páscoa.

7. Outro fato significativo é que, entrando em Jerusalém nas vésperas da sua Paixão, Jesus cumpre, como destacam os evangelistas Mateus e João (Mt 21,5; Jo 12,15), a profecia de Zacarias, na qual encontra expressão a tradição do “Rei messiânico”: “Enche-te de grande júbilo, filha de Sião, prorrompe em gritos, filha de Jerusalém! Eis que teu rei vem a ti; ele é justo e salvador, humilde e montado num jumento, sobre um jumentinho, filho de uma jumenta” (Zc 9,9). “Dizei à filha de Sião: Eis que teu rei vem a ti, manso e montado num jumento, num jumentinho, num potro de jumenta” (Mt 21,5). Precisamente sobre um jumento cavalga Jesus na sua entrada solene em Jerusalém, acompanhado por gritos entusiasmados: “Hosana ao Filho de Davi!” (cf. Mt 21,1-10). Apesar da indignação dos fariseus, Jesus aceita a aclamação messiânica dos “pequeninos” (Mt 21,16; Lc 19,40), bem sabendo que todo equívoco sobre o título de Messias seria dissipado pela sua glorificação através da Paixão.

8. A compreensão da realeza como um poder terreno entrará em crise; a tradição não sairá anulada, mas esclarecida. Nos dias seguintes à entrada de Jesus em Jerusalém se verá como devem ser entendidas as palavras do anjo na anunciação: “O Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi. Ele reinará para sempre sobre a casa de Jacó, e o seu reino não terá fim” (Lc 1,32-33). Jesus mesmo explicará em que consiste sua própria realeza, e, portanto, a verdade messiânica, e como se deve compreendê-la.

9. O momento decisivo desta clarificação se dá no diálogo de Jesus com Pilatos, relatado no Evangelho de João. Uma vez que Jesus fora acusado diante do governador romano de fazer-se rei dos judeus, Pilatos lhe faz uma pergunta sobre esta acusação, que interessa particularmente à autoridade romana porque, se Jesus realmente pretendesse ser “rei dos judeus” e fosse reconhecido como tal por seus seguidores, poderia constituir uma ameaça para o Império.

Pilatos, portanto, pergunta a Jesus: “Tu és o rei dos judeus?”. Jesus respondeu: “Dizes isso por ti mesmo ou outros te disseram isso de mim?”; e depois explica: “Meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, meus guardas lutariam para que eu não fosse entregue aos judeus; mas o meu reino não é daqui”. Diante da insistência de Pilatos - “Então, tu és rei?” -, Jesus declara: “Tu dizes: eu sou rei. Eu nasci e vim ao mundo para isto: para dar testemunho da verdade. Todo o que é da verdade escuta a minha voz” (Jo 18,33-37). Estas palavras inequívocas de Jesus contêm a afirmação clara de que o caráter ou “múnus real” ligado à missão do Cristo-Messias enviado por Deus não pode ser entendido no sentido político, como se fosse um poder terreno, nem mesmo em relação ao “povo eleito”, Israel.

10. A continuação do processo de Jesus confirma a existência do conflito entre a concepção que Cristo tem de Si mesmo como “Messias-Rei” e aquela terrestre e política, comum entre o povo. Jesus é condenado à morte sob a acusação de “fazer-se rei”. A inscrição colocada na cruz - “Jesus, o Nazareno, o rei dos judeus” - provará que para a autoridade romana este é o seu delito. Precisamente os judeus que, paradoxalmente, aspiravam ao restabelecimento do “reino de Davi” em sentido terreno, à vista de Jesus flagelado e coroado de espinhos, apresentado a eles por Pilatos com as palavras: “Eis o vosso rei!”, gritaram: “Crucifica-o! (...) Não temos rei senão César” (Jo 19,15).

Neste contexto podemos compreender melhor o significado da inscrição posta na cruz de Cristo, não sem referência à definição que Jesus havia dado de Si mesmo durante o interrogatório diante do procurador romano. Somente nesse sentido o Cristo-Messias é “o Rei”; somente nesse sentido Ele realiza a tradição do “Rei messiânico”, presente no Antigo Testamento e inscrita na história do povo da antiga aliança.

11. No Calvário, por fim, um último episódio ilumina a messianidade real de Jesus. Um dos dois malfeitores crucificados junto com Jesus manifesta esta verdade de forma penetrante, quando diz: “Jesus, lembra-te de mim quando entrares no teu reino”. Jesus lhe responde: “Em verdade te digo: hoje estarás comigo no paraíso” (Lc 23,42-43). Neste diálogo encontramos como que uma última confirmação das palavras que o anjo havia dirigido a Maria na anunciação: Jesus “reinará... e o seu reino não terá fim” (Lc 1,33).

Cristo Rei com a Cruz (Paris, França)

Tradução nossa a partir do texto italiano divulgado no site da Santa Sé (11 de fevereiro de 1987).

Confira também nossa postagem sobre a história da Solenidade de Cristo Rei.

Nenhum comentário:

Postar um comentário