Em suas Catequeses nn. 5-7 sobre Jesus Cristo, o Papa São João Paulo II refletiu sobre o tríplice múnus do Messias: Rei, Sacerdote e Profeta. Confira a seguir a primeira dessas três meditações.
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Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio
CREIO EM JESUS CRISTO
5. Jesus Cristo, Messias “Rei”
João Paulo II - 11 de fevereiro de 1987
1. Como vimos nas Catequeses anteriores, o evangelista Mateus conclui a genealogia de Jesus, Filho de Maria,
colocada no início do seu Evangelho, com as palavras “Jesus, que é chamado
Cristo” (Mt 1,16). O termo “Cristo” é o
equivalente grego da palavra hebraica “Messias”, que quer dizer “Ungido”. Israel,
o povo eleito por Deus, viveu por gerações na expectativa do cumprimento da
promessa do Messias, a cuja vinda foi preparado através da história da aliança.
O Messias, isto é, o “Ungido” enviado por Deus, devia dar cumprimento à vocação do
povo da aliança, ao qual, por meio da Revelação, fora concedido o privilégio de
conhecer a verdade sobre o próprio Deus e sobre seu projeto de salvação.
Cristo Rei (Hans Memling) |
2. A atribuição do nome “Cristo” a
Jesus de Nazaré é o testemunho de que os Apóstolos e a Igreja primitiva reconheceram
que n’Ele se realizaram os desígnios do Deus da aliança e as
expectativas de Israel. É o que proclamou Pedro no dia de Pentecostes, quando,
inspirado pelo Espírito Santo, falou pela primeira vez aos habitantes de
Jerusalém e aos peregrinos vindos para a festa: “Que toda a casa de Israel reconheça
com plena certeza: a esse Jesus, a quem vós crucificastes, Deus o constituiu
Senhor e Cristo” (At 2,36).
3. O discurso de Pedro e a genealogia
de Mateus nos repropõem o rico conteúdo da palavra “Messias-Cristo” que se encontra
no Antigo Testamento e que trataremos nas próximas Catequeses.
A palavra “Messias”, incluindo a ideia de unção,
só pode ser compreendida em conexão com a instituição religiosa da unção com óleo
em uso em Israel e que - como bem sabemos - passou da antiga à nova aliança. Na
história da antiga aliança receberam esta unção pessoas chamadas por Deus ao
ofício e à dignidade de rei, de sacerdote ou
de profeta.
A verdade sobre o Cristo-Messias,
portanto, deve ser relida no contexto bíblico deste tríplice “múnus”, que na antiga
aliança era conferido àqueles que estavam destinados a guiar ou a representar o
povo de Deus. Nesta Catequese pretendemos deter-nos no ofício e na dignidade de
Cristo enquanto Rei.
4. Quando o anjo Gabriel anuncia à
Virgem Maria que havia sido escolhida para ser a Mãe do Salvador, lhe fala da realeza
do seu filho: “O Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi. Ele reinará para
sempre sobre a casa de Jacó, e o seu reino não terá fim” (Lc 1,32-33).
Estas palavras parecem corresponder à
promessa feita ao rei Davi: “Quando teus dias se completarem... suscitarei um
descendente teu para te suceder... e Eu firmarei o seu reino. Ele construirá uma
casa para o meu Nome e Eu firmarei o trono de seu reino para
sempre. Eu serei para ele pai e ele será para mim filho” (2Sm 7,12-14).
Pode-se dizer que esta promessa se cumpriu em certa medida com
Salomão, filho e sucessor direto de Davi. Mas o sentido pleno da promessa ia muito
além dos confins de um reino terreno e dizia respeito não só a um futuro
distante, mas a uma realidade além da história, do tempo e do espaço:
“Eu firmarei o trono de seu reino para sempre” (v. 13).
5. Na anunciação Jesus é
apresentado como Aquele no qual se cumpre a antiga promessa. Desse
modo a verdade sobre Cristo-Rei é situada na tradição bíblica do
“Rei messiânico” (do Messias-Rei); nesta forma se encontra muitas
vezes nos Evangelhos que nos falam da missão de Jesus de Nazaré e nos transmitem
o seu ensinamento.
É significativa a este respeito a
atitude do próprio Jesus, por exemplo, quando Bartimeu, o mendigo cego, para
pedir-lhe ajuda grita: “Jesus, Filho de Davi, tem compaixão de mim!” (Mc 10,47).
Jesus, que nunca se havia atribuído esse título, aceita como dirigidas a Si as
palavras pronunciadas por Bartimeu. Além disso, preocupa-se de precisar o seu
alcance. Com efeito, dirigindo-se aos fariseus, pergunta: “Que pensais sobre o Cristo?
De quem ele é filho?”. Eles responderam: “De Davi”. E Ele disse-lhes: “Como
então, movido pelo Espírito, Davi o chama de ‘senhor’ quando diz: ‘Disse o Senhor
ao meu senhor: Senta-te à minha direita, até que Eu ponha teus inimigos debaixo
dos teus pés’? (Sl 109,1). Se, pois, Davi o chama ‘senhor, como pode
ser seu filho?” (Mt 22,42-45).
6. Como se vê, Jesus chama a atenção
sobre o modo “limitado” e insuficiente de compreender o Messias com
base apenas a tradição de Israel, ligada à herança real de Davi. No entanto,
Ele não rejeita esta tradição, mas a cumpre no sentido pleno que ela continha, que
aparece já nas palavras pronunciadas durante a anunciação e que se manifestará na
sua Páscoa.
7. Outro fato significativo é que,
entrando em Jerusalém nas vésperas da sua Paixão, Jesus cumpre, como
destacam os evangelistas Mateus e João (Mt 21,5; Jo 12,15), a
profecia de Zacarias, na qual encontra expressão a tradição do “Rei messiânico”:
“Enche-te de grande júbilo, filha de Sião, prorrompe em gritos, filha de
Jerusalém! Eis que teu rei vem a ti; ele é justo e salvador, humilde e montado num
jumento, sobre um jumentinho, filho de uma jumenta” (Zc 9,9). “Dizei
à filha de Sião: Eis que teu rei vem a ti, manso e montado num jumento, num
jumentinho, num potro de jumenta” (Mt 21,5). Precisamente sobre
um jumento cavalga Jesus na sua entrada solene em Jerusalém,
acompanhado por gritos entusiasmados: “Hosana ao Filho de Davi!” (cf. Mt 21,1-10).
Apesar da indignação dos fariseus, Jesus aceita a aclamação messiânica dos
“pequeninos” (Mt 21,16; Lc 19,40), bem sabendo que
todo equívoco sobre o título de Messias seria dissipado pela sua glorificação através
da Paixão.
8. A compreensão da realeza como um
poder terreno entrará em crise; a tradição não sairá anulada, mas esclarecida. Nos
dias seguintes à entrada de Jesus em Jerusalém se verá como devem ser
entendidas as palavras do anjo na anunciação: “O Senhor Deus lhe dará
o trono de seu pai Davi. Ele reinará para sempre sobre a casa de Jacó, e o seu
reino não terá fim” (Lc 1,32-33). Jesus mesmo explicará em que
consiste sua própria realeza, e, portanto, a verdade messiânica, e
como se deve compreendê-la.
9. O momento decisivo desta
clarificação se dá no diálogo de Jesus com Pilatos, relatado no Evangelho
de João. Uma vez que Jesus fora acusado diante do governador
romano de “fazer-se rei” dos judeus, Pilatos lhe faz
uma pergunta sobre esta acusação, que interessa particularmente à autoridade romana
porque, se Jesus realmente pretendesse ser “rei dos judeus” e fosse reconhecido
como tal por seus seguidores, poderia constituir uma ameaça para o Império.
Pilatos, portanto, pergunta a Jesus:
“Tu és o rei dos judeus?”. Jesus respondeu: “Dizes isso por ti mesmo ou outros
te disseram isso de mim?”; e depois explica: “Meu reino não é deste
mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, meus guardas lutariam para que eu não
fosse entregue aos judeus; mas o meu reino não é daqui”. Diante da insistência
de Pilatos - “Então, tu és rei?” -, Jesus declara: “Tu dizes: eu sou rei. Eu
nasci e vim ao mundo para isto: para dar testemunho da verdade. Todo o
que é da verdade escuta a minha voz” (Jo 18,33-37). Estas palavras
inequívocas de Jesus contêm a afirmação clara de que o caráter ou “múnus real”
ligado à missão do Cristo-Messias enviado por Deus não pode ser entendido
no sentido político, como se fosse um poder terreno, nem mesmo
em relação ao “povo eleito”, Israel.
10. A continuação do processo de Jesus
confirma a existência do conflito entre a concepção que Cristo tem de Si
mesmo como “Messias-Rei” e aquela terrestre e política, comum entre o povo.
Jesus é condenado à morte sob a acusação de “fazer-se rei”. A inscrição
colocada na cruz - “Jesus, o Nazareno, o rei dos judeus” - provará
que para a autoridade romana este é o seu delito. Precisamente os judeus que,
paradoxalmente, aspiravam ao restabelecimento do “reino de Davi” em sentido
terreno, à vista de Jesus flagelado e coroado de espinhos, apresentado a eles
por Pilatos com as palavras: “Eis o vosso rei!”, gritaram: “Crucifica-o! (...) Não
temos rei senão César” (Jo 19,15).
Neste contexto podemos compreender
melhor o significado da inscrição posta na cruz de Cristo, não sem referência à
definição que Jesus havia dado de Si mesmo durante o interrogatório diante do
procurador romano. Somente nesse sentido o Cristo-Messias é “o Rei”; somente nesse
sentido Ele realiza a tradição do “Rei messiânico”, presente no Antigo
Testamento e inscrita na história do povo da antiga aliança.
11. No Calvário, por fim, um
último episódio ilumina a messianidade real de Jesus. Um dos dois malfeitores
crucificados junto com Jesus manifesta esta verdade de forma penetrante, quando
diz: “Jesus, lembra-te de mim quando entrares no teu reino”. Jesus
lhe responde: “Em verdade te digo: hoje estarás comigo no paraíso” (Lc 23,42-43).
Neste diálogo encontramos como que uma última confirmação das palavras que o anjo
havia dirigido a Maria na anunciação: Jesus “reinará... e o seu reino não terá
fim” (Lc 1,33).
Cristo Rei com a Cruz (Paris, França) |
Tradução nossa a partir do texto
italiano divulgado no site da Santa Sé (11 de fevereiro de 1987).
Confira também nossa postagem sobre a história da Solenidade de Cristo Rei.
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