sábado, 31 de dezembro de 2022

Catequese do Papa: O Natal com São Francisco de Sales

Papa Francisco
Audiência Geral
Quarta-feira, 28 de dezembro de 2022
O Natal com São Francisco de Sales

Estimados irmãos e irmãs, bom dia e, mais uma vez, Feliz Natal!
Este tempo litúrgico convida-nos a fazer uma pausa e a refletir sobre o mistério do Natal. E dado que precisamente hoje se celebra o IV Centenário da morte de São Francisco de Sales, Bispo e Doutor da Igreja, podemos tirar sugestões de alguns dos seus pensamentos. Ele escreveu muito sobre o Natal. A este propósito, tenho o prazer de anunciar que hoje está a ser publicada a Carta Apostólica que comemora este aniversário. O título é “Tudo pertence ao amor” (“Totum amoris est”), retomando uma expressão caraterística de Francisco de Sales. De fato, assim escreveu no seu Tratado do Amor de Deus: «Na santa Igreja tudo pertence ao amor, vive no amor, é feito por amor e vem do amor». E oxalá pudéssemos todos nós percorrer este caminho do amor, tão bonito.
Procuremos agora aprofundar um pouco mais o mistério do nascimento de Jesus, “na companhia” de São Francisco de Sales, assim unimos as duas comemorações.

O Papa reza diante do presépio na Sala Paulo VI

São Francisco de Sales, numa das suas muitas cartas dirigidas a Santa Joana Francisca de Chantal, escreve assim: «Parece-me ver Salomão no grande trono de marfim, dourado e esculpido, que não tinha igual em reino algum, como diz a Escritura (1Rs 10,18-20); ver, em suma, aquele rei que não tinha igual em glória e magnificência (cf. 1Rs 10,23). Mas prefiro cem vezes ver o querido pequeno Menino na manjedoura do que todos os reis nos seus tronos» [1]. É bonito o que dizia: Jesus, o Rei do Universo, nunca se sentou num trono, nunca: nasceu num estábulo - vemo-lo representado assim -, envolto em faixas e deitado numa manjedoura; e no final morreu numa cruz e, envolto num lençol, foi deposto no sepulcro. Com efeito, o evangelista Lucas, ao narrar o nascimento de Jesus, insiste muito no detalhe da manjedoura. Isto significa que é muito importante, não apenas como detalhe logístico, mas como elemento simbólico, para compreender o quê? Para compreender que tipo de Messias é Aquele que nasceu em Belém, que tipo de Rei é: quem é Jesus. Olhando para a manjedoura, olhando para a cruz, olhando para a sua vida de simplicidade, podemos compreender quem é Jesus. Jesus é o Filho de Deus que nos salva, fazendo-se homem, como nós, despojando-se da sua glória e humilhando-se (cf. Fl 2,7-8). Vemos este mistério concretamente no ponto focal do presépio, isto é, no Menino deitado numa manjedoura. Este é “o sinal” que Deus nos dá no Natal: foi assim para os pastores em Belém (cf. Lc 2,12), é assim hoje e o será sempre. Quando os anjos anunciam o nascimento de Jesus: “Ide vê-lo”; e o sinal é: encontrareis um menino numa manjedoura. Aquele é o sinal. O trono de Jesus é a manjedoura ou a estrada, durante a sua vida quando pregava, ou a cruz no final da vida: este é o trono do nosso Rei.

Este sinal mostra-nos o “estilo” de Deus. E qual é o estilo de Deus? Nunca vos esqueçais: o estilo de Deus é proximidade, compaixão e ternura. O nosso Deus está próximo, é compassivo e terno. Em Jesus vemos este estilo de Deus. Com este seu estilo, Deus atrai-nos a si. Ele não nos toma com a força, não nos impõe a sua verdade e justiça, não faz proselitismo conosco, não: quer atrair-nos com amor, com ternura, com a compaixão. Em outra carta, São Francisco de Sales escreveu: «O ímã atrai o ferro e o âmbar atrai a palha e o feno. Pois bem, quer sejamos ferro devido à nossa dureza, quer sejamos palha devido à nossa fraqueza, devemos deixar-nos atrair por este pequeno Menino celestial» [2]. As nossas forças, as nossas fragilidades, são resolvidas apenas diante do presépio, diante de Jesus, ou diante da cruz: Jesus despojado, Jesus pobre; mas sempre com o seu estilo de proximidade, compaixão e ternura. Deus encontrou o meio para nos atrair como somos: com o amor. Não um amor possessivo e egoísta, como infelizmente é muitas vezes o amor humano. O seu amor é puro dom, pura graça, é tudo e apenas para nós, para o nosso bem. E assim atrai-nos, com este amor desarmado e também desarmante. Pois quando vemos esta simplicidade de Jesus, também nós deitamos fora as armas da soberba e vamos ali, humildes, pedir salvação, pedir perdão, pedir luz para a nossa vida, para poder ir em frente. Não vos esqueçais do trono de Jesus: a manjedoura e a cruz, eis o trono de Jesus.

Audiência Geral, 28 de dezembro de 2022

Outro aspecto que se destaca no presépio é a pobreza - deveras há pobreza, ali -, entendida como a renúncia a toda a vaidade mundana. Quando vemos o dinheiro que se gasta por vaidade: muito dinheiro para a vaidade mundana; tantos esforços, tantas pesquisas para a vaidade; mas Jesus mostra-nos a humildade. São Francisco de Sales escreve: «Meu Deus! Quantos afetos santos este nascimento suscita nos nossos corações! Acima de tudo, porém, ensina-nos a perfeita renúncia a todos os bens, a todas as pompas (...) deste mundo. Não sei, mas não encontro outro mistério no qual a ternura e a austeridade, o amor e a tristeza, a doçura e a dureza se misturam tão docemente» [3]: vemos tudo isto no presépio. Sim, tomemos cuidado para não cair na caricatura mundana do Natal. E isto é um problema, pois o Natal é assim. Mas hoje vemos que, embora seja “outro Natal”, entre aspas, é a caricatura mundana do Natal, que reduz o Natal a uma festa consumista e adocicada. É necessário fazer festa, é preciso, mas que isto não seja Natal, o Natal é outra coisa. O amor de Deus não é “meloso”, a manjedoura de Jesus mostra-nos isto. O amor de Deus não é uma bondade hipócrita, que esconde a busca de prazeres e confortos. Os nossos idosos que conheceram a guerra e também a fome o sabiam bem: o Natal é alegria e festa, certamente, mas na simplicidade e na austeridade.

E concluamos com um pensamento de São Francisco de Sales que também retomei na Carta Apostólica. Ele ditou-o às Irmãs Visitandinas - pensai! - dois dias antes de morrer. Dizia: «Vedes o Menino Jesus na manjedoura? Ele recebe todas as devastações do tempo, o frio e tudo o que o Pai permite que lhe aconteça. Não recusa as pequenas consolações que a sua Mãe lhe dá, e não está escrito que alguma vez estenda as mãos para ter o seio da sua Mãe, mas deixa tudo aos cuidados e à presciência dela; por isso nada devemos desejar nem recusar, suportando tudo o que Deus nos envia, o frio e as injustiças do tempo» [4]. E aqui, prezados irmãos e irmãs, está um grande ensinamento, que nos chega do Menino Jesus através da sabedoria de São Francisco de Sales: nada desejar nem rejeitar, aceitar tudo o que Deus nos envia. Mas atenção! Sempre e só por amor, pois Deus ama-nos e deseja sempre e apenas o nosso bem.

Olhemos para a manjedoura, que é o trono de Jesus, olhemos para Jesus nas estradas da Judeia, da Galileia, pregando a mensagem do Pai e olhemos para Jesus no outro trono, na cruz. É isto que Jesus nos oferece: a estrada, mas esta é a via da felicidade.
A todos vós e às vossas famílias, feliz tempo de Natal e bom início do ano novo!

Mosaico de São Francisco de Sales
(Basílica de São Lourenço fora dos muros, Roma)

Notas:
[1] À Madre de Chantal, Annecy, 25 de dezembro de 1613; in: Tutte le lettere, vol. II (1619-1622), por L. Rolfo, Paoline, Roma, 1967, 402-403 (Œuvres de Saint François de Sales, édition complète, Annecy, Tomo XVI, 120-121).
[2] A uma religiosa, Paris, 06 de janeiro de 1619; in: Tutte le lettere, vol. III (1619-1622), 10 (Œuvres de Saint François de Sales, Tomo XVIII, 334-335).
[3] A uma religiosa da Abadia de Santa Catarina, Annecy, 25 ou 26 de dezembro de 1621; in: Tutte le lettere, vol. III (1619-1622), 615 (Œuvres de Saint François de Sales, 212).
[4] Conversações espirituais, Paoline, Milano, 2000, 463 (Entretiens spirituels; Œuvres. Textes présentés et annotés par A. Ravier avec la collaboration de R. Devos, Bibliothèque de la Pléiade, Gallimard, Paris, 1969, 1319).

Fonte: Santa Sé.

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