Confira a segunda das meditações de Advento do Cardeal Raniero Cantalamessa, Pregador da Casa Pontifícia, que neste ano de 2022 são dedicadas às Virtudes Teologais: Fé, Esperança e Caridade.
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Cardeal Raniero Cantalamessa, OFMCap
II Pregação de Advento
09 de dezembro de 2022
A porta da esperança
Vivendo
a esperança
“Ó portas, levantai vossos frontões! Elevai-vos bem mais alto, antigas portas, a fim de que o Rei da glória possa entrar” (Sl 23,7). Tomamos este versículo do Salmo como fio condutor das meditações do Advento, entendendo por portas a serem abertas as das virtudes teologais: fé, esperança e caridade. O templo
de Jerusalém - lemos nos Atos dos Apóstolos - tinha uma porta chamada
“Porta Formosa” (At 3,2). O templo de Deus, que é o nosso coração,
também tem uma porta “formosa”, e é a porta da esperança. É esta a porta que
hoje queremos buscar abrir a Cristo que vem.
Qual é o
objeto próprio da “bendita esperança”, que em cada Missa proclamamos estar “vivendo”?
Para nos dar conta da novidade absoluta trazida por Cristo neste campo, é
preciso situar a revelação evangélica no pano de fundo das crenças antigas
sobre o além.
A virtude da esperança |
Sobre
este ponto, também o Antigo Testamento não tinha uma resposta para dar. Sabe-se
que, apenas por volta do seu fim, tem-se alguma afirmação explícita sobre uma
vida após a morte. Antes, a crença de Israel não diferia daquela dos povos
vizinhos, especialmente daqueles da Mesopotâmia. A morte põe fim à vida para
sempre; todos terminam, bons e maus, em uma espécie de lúgubre “fossa comum”
que, em outros lugares, chama-se Arallu e, na Bíblia, o Sheol. Não
diversa é a crença dominante no mondo greco-romano contemporâneo do Novo
Testamento. Ele chama aquele triste lugar de sombras Infernos
ou Hades.
A grande
coisa que distingue Israel de todos os demais povos é que ele continuou, apesar
de tudo, a crer na bondade e no amor do seu Deus. Não atribuiu a morte, como
faziam os babilônios, à inveja da divindade que reserva somente para si a imortalidade,
mas sim ao pecado do homem (Gn 3), ou simplesmente à própria natureza
mortal. Em certos momentos, o homem bíblico não calou, é verdade, o próprio
desconcerto diante de uma sorte que parecia não fazer qualquer distinção entre
justos e pecadores. Jamais, contudo, Israel chegou à rebelião. Em alguns
orantes bíblicos, ele parece ser propenso a desejar e entrever a possibilidade
de uma relação com Deus além da morte: um ser “resgatado da mão da morte” (Sl
48,16), que “está com Deus sempre” (cf. Sl 72,23), “cheio de alegrias
em sua presença” (Sl 15,11).
Quando,
pelo final do Antigo Testamento, esta espera, amadurecida no subsolo da alma
bíblica, finalmente virá à luz, não se exprime, à maneira dos filósofos gregos,
como sobrevivência da alma imortal que, liberada do corpo, volta ao mundo
celeste da qual provém. Em harmonia com a concepção bíblica do homem, como
unidade inseparável de alma e corpo, a sobrevivência consiste na ressurreição -
corpo e alma - da morte (Dn 12,2-3; 2Mc 7,9).
Jesus
trouxe à sua luz, de imediato, esta certeza e - o que mais conta -, após tê-la
anunciada em parábolas e sentenças (como aquela em resposta aos Saduceus sobre
a mulher de sete maridos; cf. Mt 22,30) -, deu a prova
irrefutável disso, ele próprio ressurgindo da morte. Depois dele, para o
crente, a morte não é mais uma aterrissagem, mas uma decolagem!
O mais
belo dom e a mais preciosa herança que a Rainha da Inglaterra, Elisabeth II, deixou
à sua nação e ao mundo, após 70 anos de reinado, foi a sua esperança cristã na
ressurreição dos mortos. No rito fúnebre, assistido ao vivo por quase todos os
poderosos da Terra e, pela televisão, por centenas de milhões de pessoas, foram
proclamadas, por sua vontade expressa, na primeira leitura, as seguintes
palavras de Paulo:
A morte foi tragada pela vitória; onde está, ó morte, a tua vitória? Onde está, ó morte, o teu aguilhão? Ora, o aguilhão da morte é o pecado e a força do pecado é a Lei. Graças sejam dadas a Deus que nos dá a vitória por Nosso Senhor, Jesus Cristo (1Cor 15,54-57).
E, no Evangelho,
sempre por sua vontade, as palavras de Jesus:
Na casa de meu Pai há muitas moradas... E depois que eu tiver ido preparar-vos um lugar, voltarei e vos levarei comigo, a fim de que, onde eu estiver, estejais vós também (Jo 14,2-3).
A esperança, virtude ativa
Justamente
porque estamos ainda imersos no tempo e no espaço, faltam-nos as categorias
necessárias para representarmos em que consistiria esta “vida eterna” com Deus.
É como tentar explicar o que é a luz a alguém que nasceu cego. São Paulo se limita
a dizer
Semeado na desonra, ressuscita na glória,
semeado na fraqueza, ressuscita no poder;
semeia-se um corpo animal, ressuscita um corpo espiritual (1Cor 15,43-44).
A alguns
místicos, foi dado experimentar, já nesta vida, algumas gotas do oceano infinito
de alegria que Deus preparou para os seus; mas todos, unanimemente, afirmam que
não se pode dizer nada sobre isso com palavras humanas. O primeiro deles é ele
mesmo, o Apóstolo Paulo. Ele confia aos coríntios ter sido arrebatado, quatorze
anos antes, ao “terceiro céu”, no paraíso, e ter ouvido “palavras inefáveis,
que homem nenhum é capaz de falar” (2Cor 12,2-4). A recordação que essa
experiência deixou nele é perceptível no que escreve em outra ocasião:
O que os olhos não viram, nem os ouvidos ouviram, nem entrou no coração do ser humano, é o que Deus preparou para os que o amam (1Cor 2,9).
Mas
deixemos de lado o que será no além (sobre o qual podemos dizer tão pouco) e
voltemos ao hoje da nossa vida. Refletir sobre a esperança cristã significa
refletir sobre o sentido último da nossa existência. Uma coisa é comum a todos:
o desejo de viver e viver “bem”. Porém, assim que se busca entender o que se
compreende por “bem”, logo se visualizam duas classes de pessoas: aquelas que
pensam apenas no bem material e pessoal e aquelas que pensam também no bem
moral e de todos, o chamado “bem comum”.
Em
relação aos primeiros, o mundo não mudou muito desde o tempo de Isaías e de São
Paulo. Ambos referem o ditado que corria ao seu tempo: “Comamos e bebamos, pois
amanhã morreremos” (Is 22,13; 1Cor 15,32). Mais interessante é
buscar entender aqueles que se propõem - ao menos como ideal - a “viver bem”
não apenas material e individualmente, mas também moralmente e junto com os
outros. Existem sites na internet em que se entrevistam pessoas idosas sobre
como, chegando ao crepúsculo, avaliam a vida que viveram. São, em geral, homens
e mulheres que viveram uma vida rica e digna, a serviço da família, da cultura
e da sociedade, mas sem qualquer referência religiosa. É patética a tentativa
de fazer acreditar que são felizes por terem vivido assim. A tristeza de terem
vivido - e em breve não viver mais! -, escondida pelas palavras, gritava pelos
olhos.
Santo
Agostinho expressou o cerne do problema: “Para que serve viver bem, se não se
pode viver sempre?” [1]. Antes dele, Jesus dissera: “Que
adianta a alguém ganhar o mundo inteiro, se vier a perder-se ou a arruinar-se a
si mesmo?” (Lc 9,25). Eis onde se insere - e em que difere - a
resposta da esperança teologal. Ela nos assegura que Deus nos criou para a
vida, não para a morte; que Jesus veio para nos revelar a vida eterna e nos dar
a garantia dela com a sua Ressurreição.
Uma coisa
deve ser enfatizada, para não cair em um perigoso equívoco. Viver “sempre” não
se opõe ao viver “bem”. A esperança da vida eterna é o que a torna bela, ou ao
menos aceitável, também a vida presente. Todos, nesta vida, temos a nossa parte
de cruz, crentes ou não. Mas uma coisa é sofrer sem saber para que fim, e
outra, sofrer sabendo que “os sofrimentos do tempo presente não têm proporção
com a glória que há de ser revelada em nós” (Rm 8,18).
Dar a razão da esperança
A
esperança teologal tem um papel importante a desempenhar em relação à evangelização.
Um dos fatores determinantes da rápida difusão da fé, nos primórdios do
cristianismo, foi o anúncio cristão de uma vida após a morte infinitamente mais
plena e mais alegre daquela terrena.
O
imperador romano Adriano construíra para si, em várias partes do mundo, mansões
espetaculares e preparara para si como mausoléu aquele que agora é o Castelo de
Santo Ângelo, perto daqui. Próximo da morte, escreveu uma espécie de epitáfio
para a sua tumba. Falando à sua alma, a exortava a dar um último olhar às
belezas e aos deleites deste mundo, pois - dizia - “estás prestes a descer a
lugares incolores, árduos e despojados” [2]. O Hades!
Pode-se imaginar o choque espiritual que devia provocar, em uma atmosfera como
esta, o anúncio de uma vida infinitamente mais plena e mais luminosa daquela
que se deixava com a morte. Explica-se assim porque a ideia e os símbolos da
vida eterna são tão frequentes nas sepulturas cristãs das catacumbas.
Na Primeira
Carta de São Pedro a atividade da Igreja ao exterior, isto é, a propagação
da mensagem, é apresentada como um “dar a razão da esperança”: “Santificai o
Senhor Jesus Cristo em vossos corações e estai sempre prontos a dar a razão da
vossa esperança a todo aquele que a pedir” (1Pd 3,15-16). Lendo
as narrativas sucessivas à Páscoa, tem-se a sensação de que a Igreja nasce de
uma palavra de ordem de “esperança viva” (1Pd 1,3) e, com esta
esperança, moveram-se à conquista do mundo.
Também
hoje temos necessidade de uma regeneração da esperança, se quisermos empreender
uma nova evangelização. Não se faz nada sem esperança. Os homens vão aonde se
respira ar de esperança e fogem de onde não percebem a presença dela. A
esperança é aquela que dá a coragem aos jovens para formar uma família ou
seguir uma vocação religiosa e sacerdotal, é aquela que os mantém longe da
droga e de semelhantes rendições ao desespero.
A Carta
aos Hebreus compara a esperança a uma âncora: “É para nós como uma âncora da
alma, segura e firme” (Hb 6,18-19). Segura e firme, porque lançada à
eternidade. Mas temos também uma outra imagem da esperança, em certo sentido,
oposta: a vela. Se a âncora é o que dá ao barco a segurança e a mantém firme em
meio às ondulações do mar, a vela é, ao invés, o que a faz caminhar e avançar
no mar. Ambas estas coisas faz a esperança com o barco da Igreja.
Quanto ao
passado, hoje estamos em uma situação de vantagem em relação à esperança. Não
devemos mais passar o nosso tempo em defender a esperança cristã dos ataques
externos; podemos, então, fazer a coisa mais útil e frutuosa, que é aquela de
proclamá-la, oferecê-la e irradiá-la no mundo. Fazer da esperança um discurso
não tanto apologético, porém mais querigmático.
Vejamos
ao que aconteceu a propósito da esperança cristã há mais de um século nesta
parte. Antes, houve o ataque frontal contra ela da parte de homens como
Feuerbach, Marx, Nietzsche. A esperança cristã foi, em muitos casos, o objetivo
direto da crítica deles. Vida eterna, além, paraíso: todas estas coisas eram
vistas como a projeção ilusória dos desejos e necessidades insatisfeitos do
homem neste mundo, como um “desperdiçar no céu os tesouros destinados à terra”.
Os cristãos buscavam defender o conteúdo da esperança cristã, frequentemente,
com um mal disfarçado desconforto. A esperança cristã estava “em minoria”. Raramente
se falava e se pregava sobre a vida eterna.
Após ter
demolido a esperança cristã, a cultura ateia marxista não demorou a se dar
conta de que não podiam deixar as pessoas humanas sem esperança. E eis que
inventou o “princípio esperança” [3]. Com ele, a cultura
marxista não pretendia ter demolido a esperança cristã, mas, pior, ter ido além
dela e ser a sua legítima herdeira. Para o autor do “princípio esperança” (princípio,
note-se bem, não virtude), é certo que a esperança é vital para o
homem. Ela é real e tem uma saída, que é “a revelação do homem oculto”, ou seja,
de possibilidades ainda latentes da humanidade. A manifestação do Filho do
homem, Cristo, é substituída pela manifestação do homem oculto, a parusia é
substituída pela utopia.
Por cerca
de duas décadas, lembro-me, não se falava de outra coisa nas universidades e, a
muitos cristãos, não parecia real que houve alguém do outro lado que aceitasse
assumir seriamente a esperança e instaurar um diálogo. Ainda mais porque a
inversão era tão sutil e a linguagem, frequentemente semelhante. A pátria celeste
se tornava a “pátria da identidade”; não o lugar onde o homem finalmente vê
Deus face a face, mas onde vê o verdadeiro homem, no qual se tem então a
identidade perfeita entre o que pode ser e o que é. A chamada “teologia da
esperança” nasceu em resposta a este desafio, por vezes aceitando, infelizmente,
a sua configuração. O que menos se percebe em todos estes escritos é justamente
o que Pedro chama de “esperança viva” (1Pd 1,3), o tremor da esperança.
Não vida, mas ideologia.
Agora,
dizia eu, a situação mudou em parte. A tarefa que temos à frente, em relação à
esperança, não é mais a de defendê-la e de justificá-la filosófica e
teologicamente, mas de anunciá-la, de mostrá-la e de doá-la a um mundo que
perdeu o sentido da esperança e afunda sempre mais em um pessimismo e niilismo,
que é o verdadeiro “buraco negro” do universo.
Gaudium et spes
Um modo
de tornar ativa e contagiante a esperança é aquele formulado por São Paulo
quando diz que “a caridade tudo espera” (1Cor 13,7). Isto vale não
apenas para a pessoa individualmente, mas também para o conjunto da Igreja. A
Igreja tudo espera, tudo crê, tudo suporta. Ela não pode se limitar em
denunciar as possibilidades de mal que há no mundo e na sociedade. Não se deve
certamente negligenciar o temor do castigo e do inferno e deixar de alertar as
pessoas sobre as possibilidades de mal que uma ação ou uma situação comporta,
como as feridas provocadas ao ambiente. A experiência, porém, demonstra que se
consegue mais por via positiva, insistindo sobre as possibilidades de bem; em
termos evangélicos, pregando a misericórdia. Talvez jamais o mundo moderno tenha
se mostrado tão bem disposto para com a Igreja e tão interessado em sua
mensagem, como nos anos do Concílio. E o motivo principal é que o Concílio dava
esperança.
Mas, deste
modo, não nos expomos - pergunta-se - a sermos desiludidos e parecermos ingênuos?
Esta é a grande tentação contra a esperança, sugerida pela prudência humana, ou
pelo medo de sermos desmentidos pelos fatos, e é o que está acontecendo, em parte,
também em relação ao Concílio. Como se o ter ousado falar de “alegria e
esperança” (gaudium et spes) tivesse sido uma ingenuidade, da qual
devamos até mesmo nos envergonhar um pouco. É o que muitos pensaram do Papa
João quando do seu anúncio do Concílio.
Devemos
retomar a palavra de ordem de esperança iniciada pelo Concílio. A eternidade é
uma medida muito ampla; ela nos permite esperar de todos, não abandonar ninguém
sem esperança. O Apóstolo dava aos cristãos de Roma o mandato para abundar na
esperança. “Que o Deus da esperança - escrevia - vos encha
de toda alegria e paz em vossa fé. Assim, vossa esperança abundará, pelo poder
do Espírito Santo (Rm 15,13).
A Igreja
não pode oferecer ao mundo melhor dom do que lhe dar esperança; não esperanças
humanas, efêmeras, econômicas ou políticas, sobre as quais ela não tem uma
competência específica, mas esperança pura e simples, aquela que, mesmo sem
saber, tem por horizonte a eternidade e por fiador Jesus Cristo e a sua
ressurreição. Será então esta esperança teologal a servir de estímulo a todas
as demais esperanças humanas legítimas. Quem viu um médico visitar um doente
grave, sabe que o maior alívio que pode lhe proporcionar, melhor do que todos
os remédios, é dizer-lhe: “O médico espera; tem boas esperanças para você!”.
A
esperança, assim entendida, transforma tudo o que toca. O seu efeito é maravilhosamente
descrito na seguinte passagem de Isaías:
Até os adolescentes se afadigam e cansam, e mesmo os jovens às vezes tropeçam! Aqueles, porém, que esperam no Senhor, renovam suas forças, criam asas como de águia, correm e não se afadigam, caminham e não se cansam (Is 40,30-31).
Deus não
promete tirar os motivos do cansaço e da exaustão, mas dá esperança. A situação
em si permanece a que era, mas a esperança dá a força para se elevar acima
dela. No Apocalipse lê-se que “quando viu que tinha sido lançado à
terra, o dragão começou a perseguir a mulher que tinha dado à luz o menino. Mas
a mulher recebeu as duas asas da grande águia e voou para o deserto, para o
lugar onde é alimentada” (Ap 12,13-14). A imagem das asas da águia
se inspira claramente no texto de Isaías. Por isso, ocorre-nos dizer que
à Igreja inteira foram dadas as grandes asas da esperança, para que com elas possa,
toda vez, escapar dos ataques do mal, superar de imediato as dificuldades.
“Levanta-te e anda!”
A porta
do templo, chamada “Porta Formosa”, é conhecida pelo milagre que ocorreu junto
dela. Um coxo era colocado diante dela para pedir esmola. Um dia, passaram aí
Pedro e João e sabemos o que aconteceu. O coxo, curado, pôs-se em pé e,
finalmente, quem sabe depois de quantos anos que lá permanecia abandonado,
atravessou também ele aquela porta e entrou no templo - lê-se - “saltando e
louvando a Deus” (At 3,1-9).
Algo do
tipo poderia ocorrer também a nós em relação à esperança. Também nós nos
encontramos, frequentemente, espiritualmente, na posição do coxo no limiar do
templo: inertes, apáticos, como se paralisados diante das dificuldades. Mas eis
que a divina esperança nos passa ao lado, levada pela palavra de Deus, e diz
também a nós, como Pedro ao coxo: “Levanta-te e anda!”. E nós nos colocamos em
pé e finalmente entramos, no vivo da Igreja, prontos para assumir, de novo e
alegremente, tarefas e responsabilidades. São os milagres cotidianos da esperança.
Ela é realmente uma grande taumaturga, uma grande operadora de milagres;
reergue milhares de coxos, milhares de vezes.
Além do
que para a evangelização, a esperança é de auxílio em nosso caminho pessoal
de santificação. Ela se torna, em quem a exerce, o princípio do
progresso espiritual. Permite descobrir sempre novas “possibilidades de bem”,
sempre algo que pode ser feito. Não deixa que nos acomodemos na apatia e na
melancolia. Quando você se sente tentado a dizer a si mesmo: “Não há mais nada
a fazer”, eis que a esperança aparece e lhe diz: “Reze!”. Você responde: “Mas
eu rezei!”, e ela: “Reze ainda!”. E também caso a situação se tornasse dura ao
extremo e tal que pareça não haver mais nada mesmo a fazer, eis que a esperança
lhe indica ainda uma tarefa: suportar até o fim e não perder a paciência,
unindo-se a Cristo na cruz. O Apóstolo, ouvimos, recomenda “abundar na
esperança”, mas logo acrescenta como isso se torna possível: “pelo poder do
Espírito Santo”. Não pelos nossos esforços.
O Natal
pode ser a ocasião para uma mexida de esperança. O grande poeta moderno das
virtudes teologais, Charles Péguy, escreveu que Fé, Esperança e Caridade são
três irmãs, duas maiores e uma menor. Caminham pela estrada de mãos dadas: as
duas maiores, Fé e Caridade, aos lados e a menina Esperança ao centro. Todos,
ao vê-las, pensam que são as duas maiores que levam a pequenina no centro.
Errado! É ela quem leva tudo. Pois se vem a faltar a esperança, tudo para [4].
Se
quisermos dar um nome próprio a esta criança, não podemos chamá-la senão de
Maria, aquela que aqui, “entre os mortais” - diz outro grande poeta das
virtudes teologais, Dante Alighieri -, é “fonte viva de esperança” [5].
Notas:
[1] cf. Agostinho, Comentário ao Evangelho de João, 45, 2 (Quid prodest bene vivere si non datur semper vivere?).
[2] Citado em M. Yourcenar, Memórias de Adriano, trad. ital. L. Storoni Mazzolani, Einaudi, Torino, 1988.
[3] cf. Ernst Bloch, Il principio speranza, 3 vol., Berlim, 1954-1959.
[4] cf. Charles Péguy, Le porche de la deuxième vertu, Œuvres poétiques complètes, Gallimard, Paris, 1975, pp. 534-539.
[5] cf. Dante Alighieri, Paraíso XXXIII, 12.
Fonte: Vatican News.
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