quinta-feira, 25 de agosto de 2022

Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio: Deus Pai 7

Deus é amor! A afirmação da Primeira Carta de João é o tema da 12ª Catequese do Papa São João Paulo II sobre Deus Pai.

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Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio
CREIO EM DEUS PAI

12. Deus é amor
João Paulo II - 02 de outubro de 1985

1. “Deus é amor...”: estas palavras, contidas em um dos últimos livros do Novo Testamento, a Primeira Carta de São João (1Jo 4,8.16), constituem como que a definitiva pedra angular da verdade sobre Deus, a qual abriu caminho mediante numerosas palavras e muitos acontecimentos, até tornar-se plena certeza da fé com a vinda de Cristo, e sobretudo com a sua Cruz e a sua Ressurreição. São palavras nas quais se encontra um eco fiel da afirmação do próprio Cristo: “De tal modo Deus amou o mundo, que deu o seu Filho Unigênito, para que todo o que n’Ele crer não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3,16).
A fé da Igreja culmina nesta verdade suprema: Deus é amor! Revelou a Si mesmo de modo definitivo como amor na Cruz e Ressurreição de Cristo. “Nós conhecemos e cremos no amor que Deus tem para conosco”, continua o Apóstolo João em sua Primeira Carta: “Deus é amor; quem permanece no amor permanece em Deus, e Deus permanece nele” (1Jo 4,16).

2. A verdade sobre Deus que é amor constitui como que o ápice de tudo aquilo que foi revelado “por meio do Filho”, como diz a Carta aos Hebreus (Hb 1,1-2). Esta verdade ilumina todo o conteúdo da Revelação divina, e em particular a realidade revelada da criação e da aliança. Se a criação manifesta a onipotência do Deus-Criador, o exercício da onipotência se explica definitivamente mediante o amor. Deus criou porque pode, porque é onipotente; mas sua onipotência é guiada pela sabedoria e movida pelo amor. Esta é a obra da criação. E a obra da redenção possui uma eloquência ainda mais potente e nos oferece uma demonstração todavia mais radical: diante do mal, diante do pecado das criaturas, permanece o amor como expressão da onipotência. Só o amor onipotente sabe tirar o bem do mal e a vida nova do pecado e da morte.

Detalhe da expressão "Deus é amor" em grego

3. O amor como potência, que dá a vida e que anima, está presente em toda a Revelação. O Deus vivo, o Deus que dá a vida a todos os seres viventes é Aquele de quem falam os Salmos: “Todos esperam de ti que lhes dês o alimento a seu tempo. Tu lhes dás, e eles recolhem; abres tuas mãos e eles se fartam de bens. Se escondes, porém, tua face, perturbam-se; se lhes tiras o espírito [o alento], perecem, e voltam para seu  pó” (Sl 103/104,27-29). A imagem é tomada do próprio seio da criação. E se este quadro possui traços antropomórficos (como muitos textos da Sagrada Escritura), este antropomorfismo possui uma motivação bíblica: dado que o homem é criado à imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1,26), há uma razão para falar de Deus “à imagem e semelhança” do homem. Por outro lado, este antropomorfismo não ofusca a transcendência de Deus: Deus não é reduzido a dimensões de homem. Conservam-se todas as regras da analogia e da linguagem analógica, assim como as da analogia da fé.

4. Na aliança, Deus se dá a conhecer aos homens, antes de tudo ao povo por Ele escolhido. Seguindo uma progressividade pedagógica, o Deus da aliança manifesta as propriedades do seu ser, o que costumamos chamar de seus atributos. Estes são antes de tudo atributos de ordem moral, nos quais se revela gradualmente o Deus-Amor. Efetivamente, se Deus se revela - sobretudo na aliança do Sinai - como legislador, fonte suprema da lei, esta autoridade legislativa encontra sua plena expressão e confirmação nos atributos do agir divino que a Sagrada Escritura nos dá a conhecer.
Manifestam-no os livros inspirados do Antigo Testamento. Assim, por exemplo, lemos no Livro da Sabedoria: “Tua força é o princípio da tua justiça, e o teu domínio sobre todos te faz para com todos indulgente... Dominando tua própria força, julgas com clemência e nos governas com grande moderação; pois, se quisesses, estaria a teu alcance fazer uso do teu poder” (Sb 12,16.18).
E também: “Quem poderá explicar o poder da sua grandeza? Ou quem se porá a descrever a sua misericórdia?” (Eclo 18,4).
Os escritos do Antigo Testamento destacam a justiça de Deus, mas também sua clemência e misericórdia.
Sublinham especialmente a fidelidade de Deus na aliança, que é um aspecto da sua “imutabilidade” (cf. Sl 110/111,7-9; Is 65,1-2.16-19).
Se falam da ira de Deus, esta é sempre a justa ira de um Deus que, ademais, é “lento para a ira e rico em misericórdia” (cf. Sl 144/145,8). Se, por fim, sempre na referida concepção antropomórfica, se põem em relevo os “ciúmes” do Deus da aliança em relação a seu povo, o apresentam sempre como um atributo do amor: “O zelo do Senhor dos exércitos” (Is 9,7).
Já dissemos anteriormente que os atributos de Deus não se distinguem da sua essência; portanto, seria mais exato falar não tanto do Deus justo, fiel, clemente, mas do Deus que é justiça, fidelidade, clemência, misericórdia, assim como São João escreveu que “Deus é amor” (1Jo 4,8.16).

5. O Antigo Testamento prepara a revelação definitiva de Deus como Amor com abundância de textos inspirados. Em um deles lemos: “De todos tens compaixão, porque tudo podes... Sim, amas tudo o que existe e não desprezas nada do que fizeste; porque, se odiasses alguma coisa, não a terias criado. Da mesma forma, como poderia alguma coisa subsistir, se não a tivesses querido? (...) A todos, porém, tratas com bondade, porque tudo é teu, Senhor, amigo da vida!” (Sb 11,23-26).
Acaso não se pode dizer que nestas palavras do Livro da Sabedoria, através do “ser” criador de Deus, transparece já com toda a claridade o Deus-Amor (Amor-Caritas)?
Mas vejamos outros textos, como aquele do Livro de Jonas: “Sabia que tu és um Deus compassivo e clemente, lento para a ira e rico em bondade, e que te arrependes do mal ameaçado” (Jn 4,2).
Ou também o Salmo 144: “O Senhor é compassivo e clemente, paciente e de grande misericórdia. O Senhor é bom para com todos, e sua compaixão se estende a todas as suas criaturas” (Sl 144/145,8-9).
Quanto mais nos adentramos na leitura dos escritos dos Profetas Maiores, mais se nos desvela a face do Deus-Amor. Eis como fala o Senhor pela boca de Jeremias a Israel: “Com amor eterno Eu te amei, por isso te atraí com misericórdia” - em hebraico, “hesed” (Jr 31,3).
E eis aqui as palavras de Isaías: “Sião vinha dizendo: ‘O Senhor me abandonou, o Senhor esqueceu-se de mim!’. Pode uma mulher esquecer-se de seu filhinho, a ponto de não compadecer-se do filho de suas entranhas? Mesmo que ela se esquecesse, Eu, contudo, não me esquecerei de ti!” (Is 49,14-15).
Como é significativa nas palavras de Deus esta referência ao amor materno: a misericórdia de Deus, assim como através da paternidade, se faz conhecer também por meio da ternura inigualável da maternidade. Diz ainda Isaías: “Mesmo que as montanhas se retirem e as colinas se movam, o meu amor não se afastará de ti, e a minha aliança de paz não será abalada, diz o Senhor, que se compadece de ti” (Is 54,10).

6. Esta maravilhosa preparação realizada por Deus na história da antiga aliança, especialmente por meio dos profetas, esperava o cumprimento definitivo. E a palavra definitiva do Deus-Amor veio com Cristo. Esta palavra foi não só pronunciada, mas vivida no Mistério Pascal da Cruz e da Ressurreição. O Apóstolo o anuncia: “Deus, rico em misericórdia, pelo imenso amor com que nos amou, quando ainda estávamos mortos por causa dos nossos pecados, deu-nos a vida com Cristo. É por graça que fostes salvos!” (Ef 2,4-5).
Verdadeiramente podemos dar plenitude à nossa profissão de fé em “Deus, Pai todo-poderoso, criador do céu e da terra” com a estupenda definição de São João: “Deus é amor” (1Jo 4,8.16).

"Deus caritas est" - "Deus é amor"

Tradução nossa a partir do texto italiano divulgado no site da Santa Sé (02 de outubro de 1985). 

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