No dia 24 de agosto de 2022 foi divulgada a mensagem do Papa Francisco por ocasião dos 50 anos do Motu proprio Ministeria quaedam, com o qual o Papa Paulo VI (†1978) reformou os ministérios instituídos de leitor e acólito:
Mensagem do Papa Francisco
Aos Bispos, presbíteros e diáconos, pessoas consagradas e fiéis leigos
No 50º aniversário do Motu proprio Ministeria quaedam de São Paulo VI
1. A ocorrência do 50º
aniversário da Carta Apostólica em forma de Motu
proprio Ministeria quaedam de
São Paulo VI (AAS 64, 1972, pp. 529-534) oferece-nos a oportunidade de voltar a
refletir sobre o tema dos ministérios. No contexto fecundo, mas não destituído
de tensões, que se seguiu ao Concílio Vaticano II, este documento ofereceu à
Igreja uma significativa reflexão que não teve como único resultado a renovação
da disciplina respeitante à primeira tonsura, às ordens menores e ao
subdiaconado na Igreja latina - como se declarava no título - mas ofereceu à
Igreja uma importante perspectiva que teve a força de inspirar ulteriores
desenvolvimentos.
Instituição de leitores e catequistas no Vaticano (2022) |
2. À luz dessa
opção e dos motivos que a sustentaram devem compreender-se as duas recentes
Cartas Apostólicas em forma de Motu
Proprio com que intervi sobre o tema dos ministérios instituídos. A
primeira, Spiritus Domini, de 10 de janeiro
de 2021, modificou o cân. 230 § 1 do Código
de Direito Canônico acerca do acesso das pessoas de sexo feminino aos
ministérios instituídos do Leitorado e do Acolitado. A segunda, Antiquum ministerium, de 10 de maio de 2021, instituiu
o ministério de Catequista. Estas duas intervenções não devem ser interpretadas
como uma superação da doutrina anterior, mas sim como um ulterior
desenvolvimento tornado possível porque baseado nos mesmos princípios -
coerentes com a reflexão do Concílio Vaticano II - que inspiraram Ministeria quaedam. O melhor modo para celebrar o
significativo aniversário deste dia é precisamente o de continuar a aprofundar
a reflexão sobre os ministérios que São Paulo VI começou.
3. O tema é de
importância fundamental para a vida da Igreja: efetivamente, não existe
comunidade cristã que não exprima ministérios. As Cartas Paulinas, e não só,
testemunham-no largamente. Quando - para dar um exemplo entre os muitos
possíveis - o apóstolo Paulo se dirige à Igreja que está em Corinto, a imagem
que as suas palavras esboçam é a de uma comunidade rica em carismas (1Cor 12,4), em ministérios (v. 5), em atividades (v.
6), em manifestações (v. 7) e em dons do Espírito (1Cor 14,1.12.37).
A variedade dos termos usados descreve uma ministerialidade difusa, que vai se
organizando na base de dois fundamentos certos: na origem de todos os
ministérios está sempre Deus que com o seu Santo Espírito opera tudo em todos (cf. 1Cor 12,4-6); a
finalidade de todos os ministérios é sempre o bem comum (cf. v. 7), a edificação da comunidade (cf. v. 12). Cada ministério é um chamamento de Deus para o
bem da comunidade.
4. Estes dois
fundamentos permitem à comunidade cristã organizar a variedade dos ministérios
que o Espírito suscita em relação à situação concreta que ela vive. Essa
organização não é um fato meramente funcional mas é, antes, um atento
discernimento comunitário, na escuta do que o Espírito sugere à Igreja, num
lugar concreto e no momento presente da sua vida. Deste discernimento temos
exemplos esclarecedores nos Atos dos
Apóstolos, precisamente a propósito de estruturas ministeriais, como o
grupo dos Doze, devendo providenciar à substituição de Judas (At 1,15-26), e o dos Sete, devendo resolver uma
tensão comunitária que se tinha vindo a criar (At 6,1-6). Cada
estrutura ministerial que nasce deste discernimento é dinâmica, vivaz, flexível
como a ação do Espírito: nela se deve enraizar cada vez mais profundamente para
que não haja o risco de a dinamicidade se tornar confusão, a vivacidade se
reduzir a improvisação extemporânea, a flexibilidade se transformar em
adaptações arbitrárias e ideológicas.
5. São Paulo VI,
aplicando os ensinamentos conciliares, operou em Ministeria quaedam um verdadeiro discernimento e
indicou a direção para poder prosseguir o caminho. Efetivamente, acolhendo os
pedidos de não poucos Padres conciliares, reviu a prática em vigor adaptando-a
às exigências daquele momento, e reconheceu às Conferências Episcopais a
possibilidade de requerer à Sé Apostólica a instituição daqueles ministérios
considerados necessários ou muito úteis nas suas regiões. Também a oração de
ordenação do Bispo, na parte das intercessões, indica entre as suas atribuições
principais a de organizar os ministérios: «distribua os ministérios conforme o
vosso desígnio...» (Pontificale Romanum, De Ordinatione Episcopi, Presbyterorum et Diaconorum, editio typica altera, n. 47, p. 25: «ut distribuat munera secundum praeceptum
tuum...»).
Papa São Paulo VI |
6. Os princípios
acima recordados, bem enraizados no Evangelho e inseridos no contexto mais
amplo da eclesiologia do Concílio Vaticano II, são o fundamento comum que
permite individuar, estimulados pela escuta do concreto da vida das comunidades
eclesiais, quais sejam os ministérios que aqui e agora edificam a Igreja. A
eclesiologia de comunhão, a sacramentalidade da Igreja, a complementaridade do
sacerdócio comum e do sacerdócio ministerial, a visibilidade litúrgica de todo
o ministério são os princípios doutrinais que, animados pela ação do Espírito,
tornam harmónica a variedade dos ministérios.
7. Se a Igreja é o
corpo de Cristo, todo o servir (ministrare) do Verbo
encarnado deve penetrar os seus membros, cada um dos quais - em virtude da sua
unicidade que responde a um chamamento pessoal de Deus - manifesta uma feição
do rosto de Cristo servo: a harmonia do seu agir mostra ao mundo a beleza
d'Aquele que «não veio para ser servido mas para servir e dar a própria vida em
resgate por muitos» (Mc 10,45). A oração de
ordenação dos diáconos tem uma expressão significativa para descrever a
variedade na unidade: «Vós fazeis crescer e dilatar-se o Corpo de Cristo, a
vossa Igreja, na variedade dos dons celestes e na diversidade dos seus membros,
unida pelo Espírito Santo em um Corpo admirável» (Pontificale Romanum, De Ordinatione Episcopi, Presbyterorum et Diaconorum, editio
typica altera, n. 207, p. 121: «Cuius
corpus, Ecclesiam tuam, caelestium gratiarum varietate distinctam suorumque
conexam distinctione membrorum, compage mirabili per Spiritum Sanctum unitam...»).
8. A questão dos
ministérios batismais toca diversos aspectos que devem certamente ser
considerados: a terminologia usada para indicar os ministérios, a sua
fundamentação doutrinal, os aspectos jurídicos, as distinções e as relações
entre os diversos ministérios, a sua valência vocacional, os percursos
formativos, o acontecimento institutivo que habilita para o exercício de um
ministério, a dimensão litúrgica de cada ministério. Mesmo só por este elenco
sumário nos damos conta da complexidade do tema: é preciso, certamente,
continuar a aprofundar a reflexão sobre todos estes núcleos temáticos; contudo,
se devêssemos pretender defini-los e resolvê-los para poder depois viver a
ministerialidade, muito provavelmente não conseguiremos ir muito longe. Como
recordei em Evangelii gaudium (nn.
231-233) a realidade é superior à ideia e «entre ambas se
deve instaurar um diálogo constante, evitando que a ideia acabe por se separar
da realidade» (n. 231).
Também o outro
princípio que recordei, embora noutro contexto, em Evangelii gaudium (n. 222) nos pode ajudar:
o tempo é superior ao espaço. Mais do que a obsessão
pelos resultados imediatos em resolver todas as tensões e esclarecer cada
aspecto, correndo assim o risco de cristalizar os processos e, por vezes, de
pretender detê-los (cf. Evangelii gaudium, n. 223), devemos secundar a ação do
Espírito do Senhor, Ressuscitado e subido ao céu, o qual «a uns constituiu
apóstolos, a outros profetas, a outros evangelistas, e a outros pastores e
mestres, com o objetivo de preparar os santos para o trabalho do ministério,
para a edificação do corpo de Cristo, para que todos cheguemos à unidade da fé
e do conhecimento do Filho de Deus, ao homem perfeito, à medida da estatura da
plenitude de Cristo» (Ef 4,11-13).
9. É o Espírito que
tornando-nos participantes, de modos distintos e complementares, no sacerdócio
de Cristo, torna toda a comunidade ministerial, para construir o seu corpo
eclesial. O Espírito opera nos espaços que a nossa escuta obediente torna
disponíveis à sua ação. Ministeria quaedam abriu
a porta ao renovamento da experiência da ministerialidade dos fiéis, renascidos
pela água do Batismo, confirmados pelo selo do Espírito, alimentados pelo Pão
vivo descido do céu.
10. Para poder
escutar a voz do Espírito e não deter o processo - tendo o cuidado de não o
querer forçar impondo escolhas que são fruto de visões ideológicas - considero
que é útil a partilha, mais ainda no clima do caminho sinodal, das experiências
destes anos. Elas podem oferecer indicações preciosas para chegar a uma visão
harmônica da questão dos ministérios batismais e prosseguir assim no nosso
caminho. Por este motivo desejo nos próximos meses, nas modalidades que serão
definidas, desenvolver um diálogo sobre este assunto com as Conferências
Episcopais para poder partilhar a riqueza das experiências ministeriais que
nestes cinquenta anos a Igreja viveu quer como ministérios instituídos
(leitores, acólitos e, só recentemente, catequistas) quer como ministérios
extraordinários e de fato.
11. Entrego à
proteção da Virgem Maria, Mãe da Igreja, o nosso caminho. Guardando em seu seio
o Verbo feito carne, Maria leva em si o ministério do Filho, no qual foi feita
participante no modo que lhe é próprio. Também nisto é imagem perfeita da
Igreja que, na variedade dos ministérios, conserva o ministério de Jesus
Cristo, participando no seu sacerdócio, cada membro no modo que lhe é próprio.
Dado em Roma, junto
a São João de Latrão, 15 de agosto de 2022, Solenidade da Assunção da Bem-aventurada
Virgem Maria, décimo ano do meu Pontificado.
Francisco
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