quinta-feira, 21 de março de 2024

Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio: Jesus Cristo 38

Concluindo a breve seção sobre a Igreja dentro das suas Catequeses sobre Jesus Cristo (nn. 55-58), o Papa São João Paulo II refletiu sobre Cristo como fonte da santidade da Igreja.

Para acessar a postagem que serve de Introdução a esta série, com os links para todas as Catequeses, clique aqui.

Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio
CREIO EM JESUS CRISTO

58. Jesus transmite à Igreja o patrimônio da santidade
João Paulo II - 23 de julho de 1988

1. “Permanecei em mim, e Eu permanecerei em vós...” (Jo 15,4). Estas palavras da parábola da videira e os ramos configuram o que, por vontade de Cristo, deve ser a Igreja na sua estrutura interior. O “permanecer” em Cristo significa um vínculo vital com Ele, fonte de vida divina. Dado que Cristo chama a Igreja à existência e lhe concede uma estrutura ministerial “externa”, “edificada” sobre os Apóstolos, não há dúvida de que o “ministerium” dos Apóstolos e dos seus sucessores, como o de toda a Igreja, deve permanecer a serviço do mysterium”: e este é o “mysterium da vida, da participação na vida divina, que faz da Igreja a comunidade dos homens vivos Para isso a Igreja recebe de Cristo a “estrutura sacramental”, da qual falamos na Catequese anterior. Os sacramentos são “sinais” da ação salvífica de Cristo, que derrota os poderes do pecado e da morte, enxertando e fortalecendo nos homens os poderes da graça e da vida, cuja plenitude está em Cristo.

Jesus Cristo ao centro do ícone de Todos os Santos

2. Esta plenitude de graça (cf. Jo 1,14) e esta superabundância de vida (cf. Jo 10,10) se identificam com a santidade. A santidade está em Deus e só de Deus pode passar à criatura, em particular ao homem. É uma verdade que percorre toda a antiga aliança: Deus é Santo e chama à santidade. São memoráveis as exortações da Lei mosaica: “Sede santos, porque Eu, o Senhor, vosso Deus, sou santo” (Lv 19,2). “Guardai meus preceitos e ponde-os em prática. Eu sou o Senhor que vos santifico” (Lv 20,8). Embora estas citações procedam do Levítico, que era como um código do culto em Israel, a santidade ordenada e recomendada por Deus não deve ser entendida apenas em sentido ritual, mas também em sentido moral: trata-se daquilo que, da forma mais essencial, torna o homem semelhante a Deus e digno de aproximar-se d’Ele no culto: a justiça e a pureza interior.

3. Jesus Cristo é a viva encarnação dessa santidade. Ele mesmo se apresenta como “Aquele que o Pai consagrou (santificou) e enviou ao mundo” (Jo 10,36). D’Ele o mensageiro do seu nascimento terreno diz a Maria: “Aquele que vai nascer é santo e será chamado Filho de Deus” (Lc 1,35). Os Apóstolos são testemunhas dessa santidade, como proclama Pedro em nome de todos: “Nós cremos e sabemos firmemente que Tu és o Santo de Deus” (Jo 6,69).

É uma santidade que foi se manifestando sempre mais na sua vida, começando pelos anos da infância (cf. Lc 2,40.52), até atingir seu ápice no sacrifício oferecido “pelos irmãos”, segundo as próprias palavras de Jesus: “Eu me santifico por eles, a fim de que também eles sejam santificados na verdade” (Jo 17,19), em conformidade com outra declaração sua: “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a própria vida por seus amigos” (Jo 15,13).

4. A santidade de Cristo deve se tornar a herança viva da Igreja. Esta é a finalidade da obra salvífica de Jesus, anunciada por Ele mesmo: “A fim de que também eles sejam santificados na verdade” (Jo 17,19). Assim o compreendeu São Paulo, que na Carta aos Efésios escreve que Cristo “amou a Igreja e se entregou por ela, a fim de santificá-la” (Ef 5,25-26), para que fosse “santa e sem defeito” (v. 27).

Jesus fez seu o chamado à santidade que Deus já havia dirigido ao seu povo na antiga aliança: “Sede santos, porque Eu, o Senhor, vosso Deus, sou santo” (Lv 19,2). Ele repetiu esse chamado ininterruptamente com toda a força através da sua palavra e do exemplo da sua vida. Ele deixou à sua Igreja, especialmente no Sermão da Montanha, o código da santidade cristã. Precisamente nesse Sermão lemos que, depois de ter dito que “não veio abolir a Lei e os Profetas, mas dar-lhes cumprimento” (cf. Mt 5,17), Jesus exorta seus seguidores a uma perfeição que tem Deus mesmo como modelo: “Sede perfeitos como vosso Pai celeste é perfeito” (v. 48). E dado que o Filho reflete de modo mais pleno esta perfeição do Pai, Jesus pode dizer em outra ocasião: “Quem me viu, viu o Pai” (Jo 14,9).

5. À luz de esta exortação de Jesus, podemos compreender melhor como o Concílio Vaticano II quis enfatizar a vocação universal à santidade. É uma questão à qual retornaremos a seu tempo, no ciclo de Catequeses sobre a Igreja. Mas aqui é preciso chamar a atenção sobre seus pontos essenciais, nos quais se percebe melhor o vínculo da vocação à santidade com a missão de Cristo, sobretudo com seu exemplo vivo.

Diz o Concílio: “Na Igreja, todos... são chamados à santidade, segundo a palavra do Apóstolo: ‘A vontade de Deus é que sejais santos’ (1Ts 4,3; Ef 1,4)” (Lumen Gentium, n. 39). As palavras do Apóstolo são um eco fiel do ensinamento de Cristo Mestre que, segundo o Concílio, “sobre todos enviou o Espírito Santo para movê-los interiormente a amar a Deus de todo o coração, com toda a alma, toda a mente e todas as forças (cf. Mc 12,30) e para se amarem uns aos outros como Cristo os amou (Jo 13,34; 15,12)” (n. 40).

6. A vocação à santidade, pois, diz respeito a todos, “quer pertençam à hierarquia quer sejam apascentados por ela” (n. 39): “Todos os fiéis cristãos, de qualquer estado ou ordem, são chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade” (n. 40).

O Concílio faz notar, pois, que a santidade dos cristãos brota da santidade da Igreja e a manifesta. Diz, com efeito, que a santidade “expressa-se de muitos modos nos indivíduos, que em seu grau de vida tendem à perfeição da caridade, edificando os demais” (n. 39).

Nessa diversidade se realiza uma única santidade por parte de quantos são movidos pelo Espírito de Deus e “seguem a Cristo pobre, humilde e carregado com a cruz, para merecerem participar de sua glória” (n. 41).

7. Aqueles que Jesus exortava “a segui-lo”, começando pelos Apóstolos, estavam dispostos a deixar tudo por Ele, como testemunha Pedro: “Nós deixamos tudo e te seguimos” (Mt 19,27). “Tudo” significa neste caso não só “os bens temporais” - “casas, campos” -, mas também as pessoas queridas - “irmãos, irmãs, pai, mãe, filhos” (v. 29) -, portanto, a família. O próprio Jesus era o mais perfeito modelo dessa renúncia. Por isso podia exortar seus discípulos a semelhantes renúncias, incluída a do celibato “por causa do Reino dos céus” (cf. Mt 19,12).

O programa de santidade de Cristo, dirigido tanto aos homens quanto às mulheres que o seguiam (cf., por exemplo, Lc 8,1-3), se expressa de modo particular nos conselhos evangélicos. Como recorda o Concílio, “os conselhos evangélicos da castidade consagrada a Deus, da pobreza e da obediência, fundamentados nas palavras e exemplos do Senhor... são um dom divino que a Igreja recebeu de seu Senhor e por sua graça sempre conserva” (Lumen Gentium, n. 43).

8. No entanto, devemos acrescentar imediatamente que a vocação à santidade, na sua universalidade, compreende também as pessoas que vivem no Matrimônio (assim como os viúvos e viúvas), e aqueles que conservam a posse e a administração dos seus bens, se ocupam dos assuntos terrenos, desempenham suas profissões, tarefas e ofícios com livre disposição de si, segundo sua consciência e sua liberdade.

Jesus indicou o caminho de santidade que lhes é próprio já pelo fato de ter dado início à sua atividade messiânica com a participação nas bodas de Caná (cf. Jo 2,1-11) e, em seguida, recordando os princípios eternos da lei divina, que valem para os homens e mulheres de toda condição, em particular os princípios do amor, da unidade e da indissolubilidade do Matrimônio (cf. Mc 10,1-12; 19,19) e da castidade (Mt 5,28-30). Portanto, também o Concílio, ao falar da vocação universal à santidade, dedica um lugar especial às pessoas unidas pelo sacramento do Matrimônio: “Os esposos e pais cristãos, seguindo seu próprio caminho, ajudem-se mutuamente em amor fiel e na graça no decurso de toda a sua vida e impregnem a prole amorosamente recebida de Deus com doutrinas cristãs e virtudes evangélicas. Assim, apresentam a todos um incansável e generoso exemplo de amor...” (Lumen Gentium, n. 41).

9. Em todos os mandamentos e exortações de Jesus e da Igreja emerge o primado da caridade. Com efeito, a caridade, segundo São Paulo, é “o vínculo da perfeição” (Cl 3,14). A vontade de Jesus é que “amemo-nos uns aos outros como Ele nos amou” (cf. Jo 15,12): portanto, com um amor que, como o seu, vai “até o fim” (Jo 13,1). Este é o patrimônio de santidade deixado por Jesus à sua Igreja. Todos somos chamados a participar dele e a atingir, desse modo, a plenitude de graça e de vida que há em Cristo. A história da santidade cristã é a prova de que, vivendo no espírito das bem-aventuranças evangélicas, proclamadas no Sermão da Montanha (cf. Mt 5,3-12), se cumpre a exortação de Cristo no centro da parábola da videira e os ramos: “Permanecei em mim, e Eu permanecerei em vós... Aquele que permanece em mim, como Eu nele, esse dá muito fruto” (Jo 15,4-5). Estas palavras se realizam, revestindo-se de múltiplas formas, na vida de cada cristão, mostrando assim, ao longo dos séculos, a multiforme riqueza e beleza da santidade da Igreja, a “filha do Rei”, ornada de esplêndidas vestes (cf. Sl 44,14).

As bem-aventuranças, itinerário de santidade

Tradução nossa a partir do texto italiano divulgado no site da Santa Sé (23 de julho de 1988).

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