Concluindo a breve seção sobre a Igreja dentro das suas Catequeses sobre Jesus Cristo (nn. 55-58), o Papa São João Paulo II refletiu sobre Cristo como fonte da santidade da Igreja.
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Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio
CREIO EM JESUS CRISTO
58. Jesus transmite à Igreja o patrimônio da santidade
João Paulo II - 23 de julho de 1988
1. “Permanecei em mim, e
Eu permanecerei em vós...” (Jo 15,4). Estas palavras
da parábola da videira e os ramos configuram o que, por vontade de Cristo, deve
ser a Igreja na sua estrutura interior. O “permanecer” em Cristo significa um
vínculo vital com Ele, fonte de vida divina. Dado que Cristo chama a Igreja à
existência e lhe concede uma estrutura ministerial “externa”, “edificada” sobre
os Apóstolos, não há dúvida de que o “ministerium” dos Apóstolos
e dos seus sucessores, como o de toda a Igreja, deve permanecer a serviço
do “mysterium”: e este é o “mysterium” da vida, da
participação na vida divina, que faz da Igreja a comunidade dos homens
vivos Para isso a Igreja recebe de Cristo a “estrutura sacramental”, da qual falamos
na Catequese anterior. Os sacramentos são “sinais” da ação salvífica de Cristo,
que derrota os poderes do pecado e da morte, enxertando e fortalecendo nos homens
os poderes da graça e da vida, cuja plenitude está em Cristo.
Jesus Cristo ao centro do ícone de Todos os Santos |
2. Esta plenitude de graça (cf. Jo 1,14)
e esta superabundância de vida (cf. Jo 10,10) se
identificam com a santidade. A santidade está em Deus e
só de Deus pode passar à criatura, em particular ao homem. É uma verdade que percorre
toda a antiga aliança: Deus é Santo e chama à santidade. São memoráveis as exortações
da Lei mosaica: “Sede santos, porque Eu, o Senhor, vosso Deus, sou santo” (Lv 19,2).
“Guardai meus preceitos e ponde-os em prática. Eu sou o Senhor que vos
santifico” (Lv 20,8). Embora estas citações procedam do Levítico,
que era como um código do culto em Israel, a santidade ordenada e
recomendada por Deus não deve ser entendida apenas em sentido ritual,
mas também em sentido moral: trata-se daquilo que, da forma mais essencial,
torna o homem semelhante a Deus e digno de aproximar-se d’Ele no culto: a justiça
e a pureza interior.
3. Jesus Cristo é
a viva encarnação dessa santidade. Ele mesmo se apresenta como “Aquele que o Pai
consagrou (santificou) e enviou ao mundo” (Jo 10,36). D’Ele o mensageiro
do seu nascimento terreno diz a Maria: “Aquele que vai nascer é santo e será chamado
Filho de Deus” (Lc 1,35). Os Apóstolos são testemunhas dessa santidade,
como proclama Pedro em nome de todos: “Nós cremos e sabemos firmemente que Tu és
o Santo de Deus” (Jo 6,69).
É uma santidade que foi se
manifestando sempre mais na sua vida, começando pelos anos da infância (cf. Lc 2,40.52),
até atingir seu ápice no sacrifício oferecido “pelos irmãos”, segundo as próprias
palavras de Jesus: “Eu me santifico por eles, a fim de que também
eles sejam santificados na verdade” (Jo 17,19), em conformidade com
outra declaração sua: “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a própria
vida por seus amigos” (Jo 15,13).
4. A santidade de Cristo
deve se tornar a herança viva da Igreja. Esta é a finalidade da
obra salvífica de Jesus, anunciada por Ele mesmo: “A fim de que também eles sejam
santificados na verdade” (Jo 17,19). Assim o compreendeu São Paulo,
que na Carta aos Efésios escreve que Cristo “amou a Igreja e se entregou
por ela, a fim de santificá-la” (Ef 5,25-26), para que fosse “santa
e sem defeito” (v. 27).
Jesus fez seu o chamado à santidade
que Deus já havia dirigido ao seu povo na antiga aliança: “Sede santos, porque Eu,
o Senhor, vosso Deus, sou santo” (Lv 19,2). Ele repetiu esse chamado
ininterruptamente com toda a força através da sua palavra e do exemplo da
sua vida. Ele deixou à sua Igreja, especialmente no Sermão da Montanha, o
código da santidade cristã. Precisamente nesse Sermão lemos que, depois de ter
dito que “não veio abolir a Lei e os Profetas, mas dar-lhes cumprimento” (cf. Mt 5,17),
Jesus exorta seus seguidores a uma perfeição que tem Deus mesmo como modelo: “Sede
perfeitos como vosso Pai celeste é perfeito” (v. 48). E dado que o Filho reflete
de modo mais pleno esta perfeição do Pai, Jesus pode dizer em outra ocasião: “Quem
me viu, viu o Pai” (Jo 14,9).
5. À luz de esta exortação de Jesus,
podemos compreender melhor como o Concílio Vaticano II quis enfatizar
a vocação universal à santidade. É uma questão à qual retornaremos
a seu tempo, no ciclo de Catequeses sobre a Igreja. Mas aqui é preciso chamar a
atenção sobre seus pontos essenciais, nos quais se percebe melhor o vínculo da vocação
à santidade com a missão de Cristo, sobretudo com seu exemplo vivo.
Diz o Concílio: “Na Igreja, todos...
são chamados à santidade, segundo a palavra do Apóstolo: ‘A vontade de Deus
é que sejais santos’ (1Ts 4,3; Ef 1,4)” (Lumen
Gentium, n. 39). As palavras do Apóstolo são um eco fiel do ensinamento de
Cristo Mestre que, segundo o Concílio, “sobre todos enviou o Espírito Santo para
movê-los interiormente a amar a Deus de todo o coração, com toda a alma, toda a
mente e todas as forças (cf. Mc 12,30) e para se amarem
uns aos outros como Cristo os amou (Jo 13,34; 15,12)” (n. 40).
6. A vocação à santidade, pois, diz
respeito a todos, “quer pertençam à hierarquia quer sejam
apascentados por ela” (n. 39): “Todos os fiéis cristãos, de qualquer estado ou ordem,
são chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade” (n. 40).
O Concílio faz notar, pois, que a santidade
dos cristãos brota da santidade da Igreja e a manifesta. Diz, com efeito, que a
santidade “expressa-se de muitos modos nos indivíduos, que em seu grau de vida tendem
à perfeição da caridade, edificando os demais” (n. 39).
Nessa diversidade se realiza uma
única santidade por parte de quantos são
movidos pelo Espírito de Deus e “seguem a Cristo pobre, humilde e carregado com
a cruz, para merecerem participar de sua glória” (n. 41).
7. Aqueles que Jesus exortava “a
segui-lo”, começando pelos Apóstolos, estavam dispostos a deixar tudo por Ele, como
testemunha Pedro: “Nós deixamos tudo e te seguimos” (Mt 19,27). “Tudo”
significa neste caso não só “os bens temporais” - “casas, campos” -, mas também
as pessoas queridas - “irmãos, irmãs, pai, mãe, filhos” (v. 29) -, portanto, a família.
O próprio Jesus era o mais perfeito modelo dessa renúncia. Por isso
podia exortar seus discípulos a semelhantes renúncias, incluída a do celibato “por
causa do Reino dos céus” (cf. Mt 19,12).
O programa de santidade de Cristo,
dirigido tanto aos homens quanto às mulheres que o seguiam (cf.,
por exemplo, Lc 8,1-3), se expressa de modo particular nos
conselhos evangélicos. Como recorda o Concílio, “os conselhos evangélicos
da castidade consagrada a Deus, da pobreza e da obediência, fundamentados nas palavras
e exemplos do Senhor... são um dom divino que a Igreja recebeu de seu Senhor e por
sua graça sempre conserva” (Lumen Gentium, n. 43).
8. No entanto, devemos acrescentar
imediatamente que a vocação à santidade, na sua universalidade, compreende
também as pessoas que vivem no Matrimônio (assim como os viúvos e viúvas), e
aqueles que conservam a posse e a administração dos seus bens, se ocupam dos assuntos
terrenos, desempenham suas profissões, tarefas e ofícios com livre disposição de
si, segundo sua consciência e sua liberdade.
Jesus indicou o caminho de santidade
que lhes é próprio já pelo fato de ter dado início à sua atividade messiânica
com a participação nas bodas de Caná (cf. Jo 2,1-11) e,
em seguida, recordando os princípios eternos da lei divina, que valem para os homens
e mulheres de toda condição, em particular os princípios do amor, da
unidade e da indissolubilidade do Matrimônio (cf. Mc 10,1-12; 19,19)
e da castidade (Mt 5,28-30). Portanto, também o Concílio,
ao falar da vocação universal à santidade, dedica um lugar especial às pessoas
unidas pelo sacramento do Matrimônio: “Os esposos e pais cristãos, seguindo seu
próprio caminho, ajudem-se mutuamente em amor fiel e na graça no decurso de
toda a sua vida e impregnem a prole amorosamente recebida de Deus com doutrinas
cristãs e virtudes evangélicas. Assim, apresentam a todos um incansável e
generoso exemplo de amor...” (Lumen Gentium, n. 41).
9. Em todos os mandamentos e exortações
de Jesus e da Igreja emerge o primado da caridade. Com efeito, a caridade, segundo
São Paulo, é “o vínculo da perfeição” (Cl 3,14). A vontade de Jesus
é que “amemo-nos uns aos outros como Ele nos amou” (cf. Jo 15,12):
portanto, com um amor que, como o seu, vai “até o fim” (Jo 13,1).
Este é o patrimônio de santidade deixado por Jesus à sua Igreja.
Todos somos chamados a participar dele e a atingir, desse modo, a plenitude de
graça e de vida que há em Cristo. A história da santidade cristã é a prova de
que, vivendo no espírito das bem-aventuranças evangélicas, proclamadas no Sermão
da Montanha (cf. Mt 5,3-12), se cumpre a exortação de
Cristo no centro da parábola da videira e os ramos: “Permanecei em mim,
e Eu permanecerei em vós... Aquele que permanece em mim, como Eu nele, esse
dá muito fruto” (Jo 15,4-5). Estas palavras se realizam, revestindo-se
de múltiplas formas, na vida de cada cristão, mostrando assim, ao longo dos séculos,
a multiforme riqueza e beleza da santidade da Igreja, a “filha do Rei”, ornada
de esplêndidas vestes (cf. Sl 44,14).
As bem-aventuranças, itinerário de santidade |
Tradução nossa a partir do texto italiano
divulgado no site da Santa Sé (23 de julho de 1988).
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