quinta-feira, 7 de março de 2024

Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio: Jesus Cristo 36

Dando continuidade às suas Catequeses sobre Jesus Cristo, o Papa São João Paulo II refletiu nas meditações nn. 55-58 sobre a relação entre Cristo e a Igreja.

Para acessar a postagem introdutória, com os links para as demais Catequeses, clique aqui.

Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio
CREIO EM JESUS CRISTO

II. Jesus Cristo e a Igreja

55. Jesus, fundador da Igreja: “Edificarei a minha Igreja”
João Paulo II - 15 de junho de 1988

1. “Cumpriu-se o tempo, e está próximo o Reino de Deus. Convertei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1,15). Estas palavras são relatadas no início do Evangelho de Marcos quase que para resumir brevemente a missão de Jesus de Nazaré, Aquele que “veio para anunciar a boa-nova”. No centro do seu anúncio se encontra a revelação do Reino de Deus, que está próximo, mais ainda, já entrou na história do homem (“Cumpriu-se o tempo”).

2. Proclamando a verdade sobre o Reino de Deus, Jesus anuncia ao mesmo tempo o cumprimento das promessas contidas no Antigo Testamento. Do Reino de Deus, com efeito, falam com frequência os versículos dos Salmos (cf. Sl 102,19; Sl 92,1). O Salmo 144 canta a glória e a majestade desse reino e indica ao mesmo tempo sua duração eterna: “Teu reino é um reino de todos os séculos e o teu domínio perdura de geração em geração” (Sl 144,13). Os sucessivos livros do Antigo Testamento retomam esse tema. Podemos recordar em particular o anúncio profético, especialmente eloquente, do Livro de Daniel: “...o Deus do céu fará surgir um reino que nunca há de ser destruído, nem entregue a outro povo. Ao contrário, humilhará e arrasará todos os outros reinos, enquanto ele mesmo permanecerá para sempre” (Dn 2,44).

Jesus com os Doze Apóstolos

3. Referindo-se a esse anúncios e promessas do Antigo Testamento, o Concílio Vaticano II constata e afirma: “Este Reino manifesta-se claramente aos homens nas palavras, nas obras e na presença de Cristo” (Lumen Gentium, n. 5); “Para cumprir a vontade do Pai, Cristo inaugurou na terra o Reino dos céus” (n. 3). Ao mesmo tempo, o Concílio destaca que “o Senhor Jesus deu início à sua Igreja pregando a boa-nova, isto é, o advento do Reino de Deus, prometido há séculos nas Escrituras...” (n. 5). O início da Igreja, sua fundação por Cristo, se inscreve no Evangelho do Reino de Deus, no anúncio da sua vinda e da sua presença entre os homens. Se o Reino de Deus se fez presente entre os homens graças à vinda de Cristo, às suas palavras e obras, também é verdade que, por sua expressa vontade, na Igreja o Reino já está presente em mistério “e pelo poder de Deus cresce visivelmente no mundo” (n. 3).

4. Jesus deu a conhecer de várias formas a seus ouvintes a vinda do Reino de Deus. São sintomáticas as palavras que Ele pronunciou a respeito da “expulsão do demônio” dos homens e do mundo: “Se é pelo dedo de Deus que Eu expulso os demônios, é porque já chegou até vós o Reino de Deus” (Lc 11,20). O Reino de Deus significa, com efeito, a vitória sobre o poder do mal que há no mundo e sobre aquele que é seu principal agente escondido. Trata-se do espírito das trevas, “príncipe deste mundo”; trata-se de todo pecado que nasce no homem por efeito da sua vontade má e sob a influência daquela arcana e maléfica presença. Jesus, que veio para perdoar os pecados, inclusive quando cura das diversas doenças, adverte que a libertação do mal físico é sinal da libertação do mal mais grave que pesa sobre a alma do homem. Já explicamos isso amplamente nas Catequeses anteriores.

5. Os diversos sinais do poder salvífico de Deus oferecidos por Jesus com seus milagres, conectados à sua palavra, abrem o caminho para a compreensão da verdade do Reino de Deus no meio dos homens. Ele explica esta verdade servindo-se especialmente das parábolas, entre as quais se encontra a do semeador e a semente. A semente é a Palavra de Deus, que pode ser acolhida de modo que cresça no terreno da alma humana ou, por diversos motivos, não ser acolhida ou sê-lo de um modo que não possa amadurecer e dar fruto no tempo oportuno (cf. Mc 4,14-20). Mas há outra parábola que nos coloca diante do mistério do desenvolvimento da semente por obra de Deus: “O Reino de Deus é como um homem que lança a semente na terra. Quer esteja dormindo ou acordado, de dia ou de noite, a semente germina e cresce, sem que ele saiba como. Por si mesma, a terra produz o fruto: primeiro a planta, depois a espiga, e por último o grão que enche a espiga” (Mc 4,26-28). É o poder de Deus que “faz crescer”, dirá São Paulo (1Cor 3,6-7) e, como escreve o Apóstolo, é Ele quem dá “tanto o querer como o fazer” (Fl 2,13).

6. O Reino de Deus, o “Reino dos céus”, como diz Mateus (cf. Mt 3,2; etc.), entrou na história do homem sobre a terra por meio de Cristo, que mesmo durante a sua Paixão e na iminência da sua Morte na cruz, fala de si como um rei e, ao mesmo tempo, explica o caráter do Reino que Ele veio inaugurar sobre a terra. Suas respostas a Pilatos, relatadas pelo Quarto Evangelho (Jo 18,33ss), servem como texto chave para a compreensão desse ponto. Jesus se encontra diante do governador romano, ao qual fora entregue pelo Sinédrio sob a acusação de querer fazer-se “rei dos judeus”. Quando Pilatos lhe questiona sobre esse fato, Jesus responde: “O meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, meu guardas lutariam para que Eu não fosse entregue aos judeus” (Jo 18,36). No entanto, o fato de que Cristo não é um rei no sentido terreno da palavra não cancela o outro sentido do seu Reino, que Ele explica ao responder uma nova pergunta do seu juiz: “Então, tu és rei?”, pergunta Pilatos. Jesus responde com firmeza: “Tu dizes: eu sou rei. Eu nasci e vim ao mundo para isto: para dar testemunho da verdade. Todo o que é da verdade, escuta a minha voz” (v. 37). É a mais clara e inequívoca proclamação da própria realeza, mas também do seu caráter transcendente, que confirma o valor mais profundo do espírito humano e a base principal das relações humanas: “a verdade”.

7. O Reino que Jesus, como Filho de Deus encarnado, inaugurou na história do homem, sendo de Deus, se estabelece e cresce no espírito humano com a força da verdade e da graça, que procedem de Deus, como nos fizeram compreender as parábolas do semeador e da semente. Cristo é o semeador desta verdade. Mas, definitivamente, será por meio da cruz que Ele realizará sua realeza e cumprirá sua obra de salvação na história da humanidade: “Quando Eu for elevado da terra, atrairei todos a mim” (Jo 12,32).

8. Tudo isso transparece também no ensinamento de Jesus sobre o Bom Pastor, que “dá sua vida pelas ovelhas” (Jo 10,11). Esta imagem do pastor está estreitamente ligada à do rebanho e das ovelhas que escutam a voz do pastor. Jesus diz que é o Bom Pastor que “conhece as suas ovelhas e elas o conhecem” (cf. v. 14). Como Bom Pastor, Ele busca a ovelha perdida (cf. Mt 18,12; Lc 15,4) e pensa inclusive nas “outras ovelhas, que não são deste redil”; também a essas Ele “deve conduzir”, para que “escutem sua voz e haja um só rebanho e um só pastor” (cf. Jo 10,16). Trata-se, portanto, de uma realeza universal, exercida com ânimo e estilo de pastor, para levar todos a viver na verdade de Deus.

9. Como podemos ver, toda a pregação de Cristo, toda a sua missão messiânica está orientada a “reunir” o rebanho. Não se trata apenas de cada um dos seus ouvintes, seguidores, imitadores: trata-se de uma “assembleia”, que em aramaico se diz “kehala” e em hebraico “qahal”, correspondente ao grego “ekklesia” (ἐκκλησία). A palavra grega deriva de um verbo que significa “chamar” (“chamado” em grego, com efeito, se diz “klesis”) e esta derivação etimológica serve para fazer-nos compreender que, como na antiga aliança Deus havia “chamado” seu povo Israel, assim Cristo chama o novo Povo de Deus, escolhendo e buscando seus membros entre todos os homens. Ele os atrai a si e os reúne em torno à sua própria pessoa por meio da palavra do Evangelho e com a força redentora do Mistério Pascal. Esta força divina, manifestada definitivamente na Ressurreição de Cristo, confirmará o sentido das palavras ditas uma vez a Pedro: “Sobre esta pedra edificarei a minha Igreja” (Mt 16,18), ou seja, a nova assembleia do Reino de Deus.

10. A Igreja-ecclesia-assembleia recebe de Cristo o mandamento novo: “Eu vos dou um novo mandamento: que vos ameis uns aos outros. Como Eu vos amei, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros. Nisso conhecerão todos que sois meus discípulos” (Jo 13,34-35; cf. Jo 15,12). É certo que a “assembleia-Igreja” recebe de Cristo também a sua estrutura externa (da qual trataremos proximamente), mas seu valor essencial é a comunhão com o próprio Cristo: é Ele quem “reúne” a Igreja, é Ele quem a “edifica” constantemente como seu Corpo (cf. Ef 4,12), como Reino de Deus com alcance universal. “Muitos virão do Oriente e do Ocidente, do Norte e do Sul, e tomarão lugar à mesa (com Abraão, Isaac e Jacó) no Reino de Deus” (cf. Lc 13,28-29).

Jesus confia a missão a Pedro e aos demais Apóstolos
(Nicolas Poussin)

Tradução nossa a partir do texto italiano divulgado no site da Santa Sé (15 de junho de 1988).

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