Concluindo a seção dedicada à Santíssima Trindade (nn. 13-23) em suas Catequeses sobre Deus Pai, nas meditações nn. 22-23 o Papa São João Paulo II reflete sobre o Deus Três Vezes Santo.
Para acessar o índice de todas as Catequeses do Papa polonês sobre o Creio, clique aqui.
Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio
CREIO EM DEUS PAI
22.
Deus três vezes santo
João Paulo II - 11 de dezembro
de 1985
1. “Santo, Santo, Santo, Senhor, Deus do universo! O
céu e a terra proclamam a vossa glória” [1].
A cada dia a Igreja confessa a
santidade de Deus, especialmente na Liturgia da Missa, após o Prefácio, quando inicia
a Oração Eucarística. Repetindo três vezes a palavra “Santo”, o Povo de Deus dirige o seu louvor ao Deus Uno e Trino,
do qual confessa a suprema transcendência e inatingível perfeição.
As palavras da Liturgia Eucarística
provêm do Livro de Isaías, no qual é descrita
a teofania na qual o profeta é admitido a contemplar, para anunciá-la ao povo, a
majestade da glória de Deus:
“Vi o Senhor, sentado num trono
alto e sublime... Junto d’Ele, de pé, estavam serafins... E clamavam, uns para os
outros, dizendo: Santo, Santo, Santo é o Senhor dos exércitos, a terra toda está cheia de sua glória” (Is 6,1-3).
A santidade de Deus conota também
a sua glória (“kabod Yahweh”), a qual habita o mistério íntimo da sua divindade e, ao mesmo
tempo, se irradia sobre toda a criação.
2. O Apocalipse, o último livro do Novo Testamento, que
retoma muitos elementos do Antigo, repropõe também o “Triságion” de
Isaías, completado com os elementos de outra teofania, tomados do profeta
Ezequiel (Ez 1,26). Nesse contexto, pois, ouvimos novamente a
proclamação:
“Santo! Santo! Santo! Senhor Deus
todo-poderoso, Aquele que era, que é e que vem!” (Ap 4,8).
Deus Sabaoth (Viktor Vasnetsov) |
3. No Antigo Testamento à
expressão “santo” corresponde a palavra hebraica “qadosh”, cuja etimologia
contém, por um lado, a ideia de “separação” e, por outro, a ideia de “luz”: “estar
aceso, ser luminoso”. Por isso as teofanias do Antigo Testamento contêm em si o
elemento do fogo, como a teofania de Moisés (Ex 3,2) e a do
Sinai (Dt 4,12), e também do resplendor, como a visão
de Ezequiel (Ez 1,27-28), a citada visão de Isaías (Is 6,1-3)
e a de Habacuc (Hab 3,4). Nos livros gregos do Novo Testamento à
expressão “santo” corresponde a palavra “hagios”.
À luz da etimologia
veterotestamentária fica clara também a seguinte frase da Carta aos Hebreus: “O nosso Deus é um fogo devorador” (Hb 12,29;
cf. Dt 4,24), assim
como a palavra de São João Batista no Jordão, a respeito do Messias: “Ele vos
batizará com o Espírito Santo e com fogo” (Mt 3,11). Sabe-se também
que na vinda do Espírito Santo sobre os Apóstolos, ocorrida no Cenáculo de
Jerusalém, apareceram “línguas como de fogo” (At 2,3).
4. Se os modernos cultores da
filosofia da religião (por exemplo, Rudolph Otto) veem na experiência que o homem
faz da santidade de Deus os componentes do “fascinosum” e do “tremendum”,
isto se reflete tanto na etimologia, que recordamos, do termo veterotestamentário,
como nas teofanias bíblicas, nas quais aparece o elemento do fogo. O fogo
simboliza, por um lado, o esplendor, a irradiação da glória de
Deus (“fascinosum”), e, por
outro, o calor que abrasa e que afasta: em certo sentido, o terror
que suscita sua santidade (“tremendum”). O “qadosh” do Antigo Testamento inclui tanto o “fascinosum” que atrai quanto o “tremendum” que afasta, indicando “a
separação” e, portanto, a inacessibilidade.
5. Já outras vezes, nas Catequeses
anteriores deste ciclo, referimo-nos à teofania do Livro do Êxodo.
Moisés, no deserto, aos pés do Monte Horeb, viu uma “sarça que ardia no fogo,
mas não se consumia” (cf. Ex 3,2)
e, quando se aproxima dessa sarça, ouve a voz: “Não te aproximes! Tira as sandálias
dos teus pés, porque o lugar onde estás é solo sagrado” (Ex 3,5).
Estas palavras ressaltam a santidade de Deus, que da sarça ardente
revela a Moisés seu Nome (“Eu sou Aquele que sou”) e com este Nome o envia a
libertar Israel da terra egípcia. Há nesta manifestação o elemento do “tremendum”:
a santidade de Deus permanece inacessível ao homem (“Não te aproximes!”).
Características semelhantes possui também toda a descrição da aliança feita sobre
o monte Sinai (Ex 19–20).
6. Mais tarde, particularmente no
ensinamento dos Profetas, este traço da santidade de Deus, inacessível ao homem,
cede em favor da sua proximidade, da sua acessibilidade,
da sua condescendência.
Lemos em Isaías: “Pois isto diz o
Excelso, o Sublime, aquele que mora na eternidade e cujo nome é Santo: ‘Em
lugar elevado e santo Eu moro, mas também com
o contrito e o abatido no espírito, para animar o espírito dos abatidos
e vivificar o coração dos contritos” (Is 57,15).
De modo semelhante em Oseias: “Eu
sou Deus e não homem, sou o Santo no meio de ti. Não virei com furor” (Os 11,9).
7. O testemunho máximo de sua proximidade
Deus o deu enviando à terra o seu Verbo, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade,
que assumiu um corpo como o nosso e veio habitar entre nós (cf. Jo 1,14).
Gratos por esta condescendência de
Deus, que quis aproximar-se de nós, não se limitando a falar-nos por meio dos profetas,
mas dirigindo-se a nós na própria pessoa do seu Filho Unigênito, repitamos com
fé humilde e alegre: “Tu solus Sanctus...”.
“Só vós sois o Santo, só vós, o Senhor, só vós, o Altíssimo, Jesus Cristo, com
o Espírito Santo, na glória de Deus Pai. Amém” [2].
23.
A santidade de Deus
João Paulo II - 18 de dezembro
de 1985
1. Na Catequese passada refletimos
sobre a santidade de Deus e sobre as duas características que a distinguem: a inacessibilidade
e a condescendência. Agora queremos ouvir a exortação que Deus dirige a toda a
comunidade dos filhos de Israel através das várias fases da antiga aliança:
“Sede santos, porque Eu, o Senhor, vosso Deus, sou santo”
(Lv 19,2); “Eu sou o Senhor que vos santifico” (20,8).
O Novo Testamento, no qual Deus desvela
até o fundo o significado da sua santidade, acolhe plenamente esta exortação,
conferindo-lhe características próprias, em sintonia com o “acontecimento novo”
da cruz de Cristo. Com efeito, Deus, que “é Amor” (1Jo 4,8.16), revelou-se plenamente na doação sem reservas do Calvário.
No entanto, também no novo contexto o ensinamento apostólico repropõe
com força a exortação herdada da antiga aliança. Escreve, por exemplo, São
Pedro: “Como é Santo Aquele que vos chamou, tornai-vos santos, também vós, em
todo o vosso proceder. Pois está escrito: ‘Serei santos porque Eu sou santo’” (1Pd 1,15-16).
2. O que é a santidade de Deus? É absoluta “separação” de
todo mal moral, exclusão e radical rejeição do pecado e, ao mesmo tempo, bondade
absoluta. Em virtude dessa santidade, Deus, infinitamente bom em Si mesmo,
o é também em relação às criaturas (“bonum diffusivum sui”), naturalmente segundo a medida de
sua “capacidade” ontológica. Neste sentido se entende a resposta dada por
Cristo ao jovem do Evangelho: “Por que me chamas bom? Ninguém é bom senão só
Deus” (Mc 10,18).
Já recordamos nas Catequeses anteriores
a palavra do Evangelho: “Sede, portanto, perfeitos como vosso Pai celeste é perfeito” (Mt 5,48).
A exortação, que se refere à perfeição de Deus em sentido moral, isto
é, à sua santidade, expressa, pois, o mesmo conceito contido nas palavras do
Antigo Testamento antes citadas e retomadas na Primeira Carta de São Pedro. A perfeição moral consiste
na exclusão do pecado e na absoluta afirmação do bem moral. Para os homens,
para as criaturas racionais, tal afirmação se traduz na conformidade da vontade
com a lei moral. Deus é Santo em Si mesmo, é a santidade substancial,
porque a sua vontade se
identifica com a lei moral. Esta lei existe em Deus mesmo como em sua
eterna fonte e, por isso, se chama Lei Eterna (“Lex Aeterna”) (cf. Tomás de Aquino, Summa Theologiae I-II
q. 93, a. 1).
3. Deus se dá a conhecer ao homem
como fonte da lei moral e, neste sentido, como a própria
santidade, antes do pecado original aos nossos primeiros pais (Gn 2,16),
e mais tarde ao povo escolhido, sobretudo na aliança do Sinai (cf. Ex 20,1-20). A lei
moral revelada por Deus na antiga aliança e, sobretudo, no ensinamento
evangélico por Cristo, tende a demonstrar gradual mas claramente a
substancial superioridade e importância do amor. O mandamento:
“amarás” (Dt 6,5; Lv 19,18; Mc 12,30-31)
faz descobrir que também a santidade de Deus consiste no amor. Tudo o que
dissemos na Catequese intitulada “Deus é amor” (n. 12) se refere à santidade do
Deus da Revelação.
4. Deus é a santidade porque é
amor (1Jo 4,8.16). Mediante o amor está absolutamente separado do
mal moral, do pecado, e está essencial, absoluta e transcendentalmente
identificado com o bem moral em sua fonte, que é Ele mesmo. Com efeito, “amor”
significa precisamente isto: querer o bem, aderir ao bem. Desta eterna vontade de
Bem brota a infinita bondade de Deus em relação às criaturas e, em
particular, em relação ao homem. Do amor origina-se a sua clemência, a sua disponibilidade
a doar-se e a perdoar, a qual encontrou, entre outras, uma expressão
magnífica na parábola de Jesus sobre o filho pródigo, referida por Lucas (cf. Lc 15,11-32). O
amor se exprime na Providência, com a qual Deus continua e sustenta a
obra da criação.
De modo particular o amor se manifesta
na obra da redenção e da justificação do homem, ao qual Deus
oferece a própria justiça no mistério da cruz de Cristo,
como diz com clareza São Paulo (cf. as
Cartas aos Romanos e aos Gálatas). Assim, pois, o amor, que é
o elemento essencial e decisivo da santidade de Deus, através da redenção e da
justificação, guia o homem à sua santificação com a força do
Espírito Santo.
Deste modo, na economia da
salvação Deus mesmo, como trinitária Santidade (três
vezes Santo), toma, em certo sentido, a iniciativa de realizar por nós e em nós
aquilo que expressou com as palavras: “Sede santos, porque Eu, o Senhor, vosso
Deus, sou santo” (Lv 19,2).
5. A este Deus, que é Santidade porque é amor, o
homem se dirige com a mais profunda confiança. A Ele confia todo o mistério
íntimo da sua humanidade, todo o mistério do seu “coração” humano:
“Eu te amo, Senhor, minha força,
Senhor, minha rocha firme, minha cidadela e meu libertador; meu Deus, meu
rochedo, no qual me refugio; meu protetor, minha força salvadora e meu defensor...”
(Sl 17/18,2-3).
A salvação do homem está estritissimamente vinculada à
santidade de Deus, porque depende do seu eterno, infinito Amor.
Anjo com o início do Triságion bíblico: "Sanctus, Sanctus, Sanctus, Dominus Deus Sabaoth..." |
Notas:
[1] MISSAL ROMANO. Tradução
portuguesa da 2ª edição típica para o Brasil. São Paulo: Paulus, 1991, p. 405.
A tradução mais correta da segunda frase seria: “O céu e a terra estão cheios
da vossa glória” (“Pleni sunt caeli et
terra gloria tua”).
[2] Doxologia final do Glória (Missal Romano, pp. 398-399).
Tradução nossa a partir do texto italiano divulgado no site da Santa Sé (11 de dezembro e 18 de dezembro de 1985).
Nenhum comentário:
Postar um comentário