“A criação do mundo é obra do amor”: portanto, é obra da Trindade. Sobre esse tema São João Paulo II reflete em sua 27ª Catequese sobre Deus Pai.
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Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio
CREIO EM DEUS PAI
27. A criação é obra da Trindade
João Paulo II - 05 de março de
1986
1. A reflexão sobre a verdade da
criação, com a qual Deus chama o mundo do nada à existência, impulsiona o olhar
da nossa fé à contemplação de Deus
Criador, o qual revela na criação a sua onipotência, a sua sabedoria e o
seu amor. A onipotência do Criador se
mostra tanto no chamar as criaturas do nada à existência como no mantê-las na
existência. “Como poderia alguma coisa subsistir,
se não a tivesses querido? Ou como poderia ser mantida na existência, se
por ti não tivesse sido chamada?”, questiona o autor do Livro da Sabedoria (Sb
11,25).
2. A onipotência revela também o amor de Deus que, criando, dá a existência a seres diversos
d’Ele e, ao mesmo tempo, diferentes entre si. A realidade do seu dom permeia
todo o ser e o existir da criação. Criar significa doar (doar sobretudo a
existência), e aquele que doa,
ama. O autor do Livro da Sabedoria
afirma-o quando exclama: “Amas tudo o que existe e não desprezas nada do que
fizeste; porque, se odiasses alguma coisa, não a terias criado” (Sb 11,24), e acrescenta: “A todos tratas
com bondade, porque tudo é teu, Senhor, amigo da vida!” (v. 26).
Deus Criador (Mosaico da Catedral de Monreale, Itália) Note-se que este tem a face de Cristo (cf. Cl 1,15; Hb 1,3) |
3. O amor de Deus é desinteressado:
busca apenas que o bem venha à existência, perdure e se desenvolva segundo a
dinâmica que lhe é própria. Deus Criador é Aquele “que opera tudo conforme a
decisão de sua vontade” (Ef 1,11). E toda a obra da criação
pertence ao plano da salvação, ao misterioso projeto “escondido desde toda a
eternidade em Deus, que tudo criou” (Ef 3,9). Mediante o ato da criação do
mundo, e em particular do homem, o plano
da salvação começa a realizar-se. A criação é obra da Sabedoria que ama, como a
Sagrada Escritura recorda várias vezes (cf.,
por exemplo, Pr 8,22-36).
Está claro, pois, que a verdade de
fé sobre a criação se contrapõe de
modo radical às teorias da filosofia
materialista, que consideram o cosmos como resultado de uma evolução da
matéria que se pode atribuir ao puro acaso e à necessidade.
4. Santo Agostinho disse: “É necessário
que nós, contemplando o Criador através das obras que Ele realizou, elevemo-nos
à contemplação da Trindade, da qual a criação em certa e justa proporção porta
vestígios” (De Trinitate VI, 10, 12). É verdade de fé que o mundo tem seu início no Criador, que
é Deus Uno e Trino. Ainda
que a obra da criação seja atribuída sobretudo ao Pai - assim professamos, com
efeito, nos Símbolos da fé (“Creio em Deus, Pai todo poderoso, Criador do céu e
da terra”) - é também verdade de fé que o Pai, o Filho e o Espírito Santo são o único e indivisível “princípio” da criação.
5. A Sagrada Escritura confirma de
diversos modos esta verdade: antes de tudo no que se refere ao Filho, o Verbo, a Palavra consubstancial ao
Pai. Já no Antigo Testamento estão presentes algumas alusões significativas,
como por exemplo este eloquente versículo do salmo: “Pela palavra do Senhor foram feitos
os céus” (Sl 32/33,6). É uma afirmação que encontra sua plena
explicitação no Novo Testamento, como por exemplo no Prólogo de João: “No princípio era a Palavra e a
Palavra estava com Deus e a Palavra era Deus... Tudo foi feito por meio d’Ela, e sem Ela nada foi feito de tudo
o que foi feito... e o mundo foi feito por meio d’Ela” (Jo 1,1-2.10).
As Cartas de Paulo proclamam que
todas as coisas foram feitas “em Jesus Cristo”: nelas se fala, com efeito, de “um
só Senhor, Jesus Cristo, pelo qual tudo existe e nós igualmente existimos por
Ele” (1Cor 8,6). Na Carta aos
Colossenses lemos: “Ele [Cristo] é a imagem do Deus invisível, o primogênito
de toda criação, pois é n’Ele que
foram criadas todas as coisas, no céu e na terra, os seres visíveis
e os invisíveis... tudo foi criado por Ele e para Ele. Ele existe antes de todas as coisas e n’Ele todas as
coisas têm consistência” (Cl 1,15-17).
O Apóstolo destaca a presença
operante de Cristo, seja como causa da criação (“por Ele”), seja como seu fim
(“para Ele”). É um tema ao qual será preciso retornar. Por ora, notemos que
também a Carta aos Hebreus afirma
que Deus, por meio do Filho, “criou o universo” (Hb 1,2), e que o Filho “sustenta todas as coisas com a sua palavra
poderosa” (v. 3).
6. Assim o Novo Testamento, em
particular os escritos de São Paulo e de São João, aprofunda e enriquece a referência à Sabedoria e à Palavra
criadora já presente no Antigo Testamento. “Pela palavra do Senhor foram feitos os céus” (Sl 32/33,6).
Precisam que a Palavra criadora
não só “estava com Deus”, mas “era
Deus”, e também que precisamente enquanto Filho consubstancial ao Pai, a Palavra [Verbo] criou o mundo em união com
o Pai: “o mundo foi feito por meio d’Ela” (Jo 1,10).
Não só: o mundo foi criado também em
referencia à pessoa (hipóstase) do Verbo. “Imagem do Deus invisível” (Cl 1,15),
o Verbo, que é o Filho Eterno, “resplendor da glória do Pai e expressão do seu
ser” (Hb 1,3) é
também “o Primogênito de toda criação” (Cl 1,15), no sentido
de que todas as coisas foram criadas
no Verbo-Filho, para chegar a ser, no tempo, o mundo das criaturas,
chamado do nada à existência “fora de Deus”. Neste sentido “tudo foi feito por meio d’Ele, e sem
Ele nada foi feito de tudo o que foi feito” (Jo 1,3).
7. Podemos afirmar, pois, que a
Revelação apresenta uma estrutura “lógica” (de “Logos”: Verbo, Palavra) e
uma estrutura “icônica” (de “eikon”:
imagem, imagem do Pai) do universo. Desde os tempos dos Padres da Igreja, com
efeito, consolidou-se o ensinamento de que a criação leva em si “os
vestígios da Trindade” (“vestigia Trinitatis”). É obra do Pai por
meio do Filho no Espírito Santo. Na criação se revela a Sabedoria de Deus: nela
a dupla estrutura “lógico-icônica” das criaturas, que mencionamos
anteriormente, está intimamente ligada
à estrutura do dom, como afirmam alguns teólogos modernos.
Todas e cada uma das criaturas não
só são “palavras” do Verbo, com as quais o Criador se
manifesta à nossa inteligência, mas são também “dons” do Dom: trazem em si a marca do Espírito
Santo, Espírito criador.
Acaso não se diz já nos primeiros
versículos do Gênesis: “No princípio Deus
criou o céu e a terra (o universo)... e o espírito de Deus pairava
sobre as águas" (Gn 1,1-2)? A alusão, sugestiva ainda que
vaga, à ação do Espírito nesse primeiro “princípio” do universo, resulta
significativa para nós que a lemos à luz da plena revelação neotestamentária.
8. A criação é obra de Deus Uno e
Trino. O mundo “criado” no Verbo-Filho é “restituído” juntamente com o Filho ao
Pai por meio daquele Dom Incriado,
consubstancial a ambos, que é o
Espírito Santo. Deste modo o mundo é “criado” naquele Amor que
é o Espírito do Pai e do Filho. Este universo abraçado pelo eterno Amor começa
a existir no instante escolhido pela Trindade como início do tempo.
Deste modo, a criação do mundo é obra do Amor: o universo, dom criado, brota do Dom
Incriado, do Amor recíproco do Pai e do Filho, da Santíssima Trindade.
Afresco da criação com o símbolo da Trindade ao centro (Rosary Cathedral - Toledo, Ohio) |
Tradução nossa a partir do texto italiano divulgado no site da Santa Sé (05 de março de 1986).
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