terça-feira, 11 de outubro de 2022

Leitura litúrgica da Carta aos Hebreus (2)

“O sumo-sacerdote é instituído em favor dos homens nas coisas que se referem a Deus” (cf. Hb 5,1).

Na postagem anterior da nossa série sobre a leitura dos livros da Sagrada Escritura nas celebrações litúrgicas iniciamos o estudo da Carta aos Hebreus (Hb).

Após uma breve introdução a este importante escrito sobre o sacerdócio de Cristo, analisamos sua leitura sob o critério da composição harmônica - sintonia com o tempo ou a festa litúrgica [1] - nos diversos ciclos do Ano Litúrgico (Próprio do Tempo). Para acessar a 1ª parte, clique aqui.

Agora prosseguiremos com a análise das Missas dos santos, para diversas necessidades e votivas, além dos demais sacramentos e alguns sacramentais.

Jesus, Sacerdote e Vítima (Hb 10,5-7; Sl 39,7-9)
(Romain Cazes - Bagnères-de-Luchon, França)
Os anjos portam instrumentos da Paixão e da Eucaristia

2. Leitura litúrgica da Carta aos Hebreus: Composição harmônica

a) Celebração Eucarística

Iniciamos esta segunda parte da nossa pesquisa com o Próprio dos Santos, com os textos específicos para as principais celebrações da Virgem Maria e dos santos.

No Próprio constam também algumas festas do Senhor com datas fixas no calendário, duas das quais possuem leituras da nossa Carta, ambas “ecos” do Ciclo do Natal:

- Festa da Apresentação do Senhor (02 de fevereiro): Hb 2,14-18 [2]. Esta é a 2ª leitura quando a Festa cai em um domingo ou a leitura à escolha quando ocorre em um dia de semana. Maria e José levam o Menino ao Templo em obediência à Lei mosaica, pois Ele “devia fazer-se em tudo semelhante aos irmãos” (v. 17).

- Solenidade da Anunciação do Senhor (25 de março): Hb 10,4-10 [3]. A 2ª leitura desta Solenidade proclama a obediência de Cristo à vontade do Pai: “Eu vim, ó Deus, para fazer a tua vontade” (v. 7), citação do Salmo 39, o qual também é entoado na celebração. O “tema” da obediência retorna no Evangelho (Lc 1,26-38) com a Virgem Maria: “Eis aqui a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra” (v. 38).

Ainda no Próprio dos Santos, destacamos a Memória de Nossa Senhora das Dores (15 de setembro), com a leitura de Hb 5,7-9 [4]. Como vimos em nossa postagem anterior, a perícope proclama a obediência de Cristo “por aquilo que Ele sofreu” (v. 8); também Maria participa deste mistério, associando-se ao Filho em sua Paixão, como canta poeticamente a sequência “Stabat Mater dolorosa” (Estava a Mãe dolorosa).

O mesmo texto de Hb 5,7-9 é indicado entre as leituras à escolha da Coletânea de Missas de Nossa Senhora [5].

Do Próprio passamos ao Comum dos Santos, com várias opções de leituras ad libitum (à escolha) para cada “categoria” de santo. Aqui identificamos duas ocorrências da nossa Carta dentre os textos à escolha:

- no Comum da dedicação de igreja: Hb 12,18-19.22-24 [6]. O templo cristão é a imagem “da cidade do Deus vivo, a Jerusalém celeste” (v. 22). Com efeito, “pela Liturgia terrena participamos, saboreando-a já, na Liturgia celeste” (Sacrosanctum Concilium, n. 8).

- no Comum dos Mártires: Hb 10,32-36 [7]. Aqui o autor convida seus destinatários a recordar as provações que suportaram, e exorta à coragem e à perseverança.

Vale destacar que uma versão ligeiramente mais longa dessa perícope - Hb 10,32-36 - é proposta como opção de leitura para a Missa votiva dos Santos Inocentes, própria da Basílica da Natividade em Belém, particularmente no altar em sua honra nas grutas sob a Basílica [8]. Na Festa dos Santos Inocentes (28 de dezembro), por sua vez, como parte da Oitava do Natal, lê-se a Primeira Carta de João (leitura semicontínua).

"A oferta de Abel, o sacrifício de Abraão e os dons de Melquisedec..."
(Igreja de Santo Apolinário in Classe, Ravenna)
Em Hebreus, Melquisedec é prefiguração de Cristo sacerdote

Uma vez mencionadas as Missas votivas da Terra Santa, cabe recordar a Missa votiva de São Moisés, própria dos Santuários do Monte Tabor e do Monte Nebo. Dentre as opções de leituras para essa Missa consta Hb 3,1-6 [9], um elogio à fidelidade de Moisés: “Moisés foi fiel em tudo o que se refere à casa de Deus” (v. 5).

“Os patriarcas, os profetas e outros personagens do Antigo Testamento foram, e serão sempre, venerados como santos em todas as tradições litúrgicas da Igreja” (Catecismo da Igreja Católica, n. 61). O profeta Moisés, com efeito, é comemorado pelo Martirológio Romano a 04 de setembro.

patriarca Abraão, por sua vez, é comemorado no dia 09 de outubro. No Calendário Próprio do Patriarcado de Jerusalém a leitura indicada para esse dia é Hb 11,8-12.17-19 [10], um trecho do “elogio dos antepassados” sobre a fé de Abraão e Sara.

Para saber mais, confira nossa série de postagens sobre o culto aos santos do Antigo Testamento.

Das Missas dos santos seguimos nosso percurso com as Missas para diversas necessidades, formulários com várias opções de leituras à escolha, nos quais Igreja nos propõe quatro perícopes de Hebreus:

Para a Missa pela eleição do Papa ou Bispo há três opções de leitura, dentre as quais Hb 5,1-10 [11], trecho que descreve as características do sumo sacerdote: “instituído em favor dos homens nas coisas que se referem a Deus... sabe ter compaixão...”. A mesma perícope consta entre as opções de leituras para as Missas pelas vocações sacerdotais e pelas vocações religiosas [12].

Na Missa pelos cristãos perseguidos a leitura sugerida da Carta é Hb 12,2-13 [13], uma exortação à perseverança nas provações, “com os olhos fixos em Jesus, que em nós começa e completa a obra da fé” (v. 2). Ao mesmo tempo, se destaca a “dimensão pedagógica” da provação, “pois o Senhor corrige a quem Ele ama” (v. 6).

Para a Missa pelos refugiados e exilados, por fim, há duas opções de textos da Carta:
- Hb 11,13-16: o elogio à fé dos Patriarcas, “estrangeiros e migrantes nesta terra” (v. 13), pois desejavam “uma pátria melhor: a pátria celeste” (v. 16);
- Hb 13,1-3.14-16: uma exortação à hospitalidade - “Perseverai no amor fraterno. Não esqueçais a hospitalidade” (vv.1-2) - unida à recordação: “Não temos aqui cidade permanente, mas vamos em busca da cidade futura” (v. 14) [14].

As últimas leituras em composição harmônica da Carta aos Hebreus na Celebração Eucarística a serem contempladas em nossa pesquisa encontram-se nas Missas votivas em honra dos mistérios do Senhor, igualmente ad libitum (à escolha):

- Missa votiva da Santa Cruz: Hb 5,7-9 [15]. Como vimos anteriormente, esta perícope proclama a obediência de Cristo e o sentido salvífico da sua Morte.

Missa votiva da Santíssima Eucaristia: para essa Missa são sugeridos dois textos: Hb 9,11-15 (2ª leitura do Corpus Christi no ano B, como vimos na postagem anterior) e Hb 12,18-19.22-24, ambos sobre a nova aliança inaugurada pelo Sangue de Cristo [16].

Ícone bizantino de Cristo Sumo Sacerdote com o pão e o vinho

As mesmas leituras são indicadas para a Missa votiva do Preciosíssimo Sangue do Senhor [17] e para o Culto do Mistério Eucarístico fora da Missa [18].

- por fim, como não poderia deixar de ser, a Igreja nos propõe uma leitura de Hb na Missa votiva de Jesus Cristo, sumo e eterno sacerdote. Para esta Missa há apenas duas opções de leituras, uma do Antigo Testamento e uma do Novo, sendo esta Hb 10,12-23 [19], sobre a oferta de si mesmo oferecida uma vez por todas por Cristo no altar da Cruz, pela qual somos salvos.

b) Sacramentos

Além da Celebração Eucarística, há textos da Carta aos Hebreus indicados ad libitum para a celebração de todos os demais sacramentos, exceto a Confirmação.

Primeiramente, para o Batismo de adultos é sugerido o texto de Hb 10,22-25 [20], uma exortação a aproximarmo-nos de Deus “de coração sincero e cheio de fé, com o coração purificado de toda a má consciência e o corpo lavado com água pura” (v. 22).

Na sequência consideremos a “irmã do Batismo”, a Reconciliação. Para a celebração deste sacramento propõe-se um trecho da parênese (exortação moral) da Carta: Hb 12,1-5 [21], no qual somos admoestados à luta contra o pecado: “Deixemos de lado o pecado que nos envolve... com os olhos fixos em Jesus” (v. 1).

Junto com a Reconciliação, a Unção dos Enfermos integra os “sacramentos de cura”. Para este sacramento sugere-se a leitura de Hb 4,14-16; 5,7-9 [22], exortando os enfermos à confiança em Cristo, “capaz de seu compadecer de nossas fraquezas, pois Ele mesmo foi provado em tudo como nós” (v. 15).

Por fim, contemplemos os dois sacramentos “vocacionais”: o Matrimônio e a Ordem. Para o Matrimônio a leitura sugerida do nosso escrito é Hb 13,1-4a.5-6b [23]. Aqui, após o convite à perseverança no amor fraterno, o autor da Carta exorta: “O matrimônio seja honrado por todos e o leito conjugal sem mancha” (v. 4a).

Para o sacramento da Ordem, por sua vez, o texto sugerido é Hb 5,1-10 [24], o mesmo da Missa pelas vocações, como vimos acima, com algumas características do sumo sacerdote.

Imposição das mãos
Gesto característico do sacramento da Ordem

c) Sacramentais

Concluiremos esta segunda parte da nossa pesquisa com alguns sacramentais, começando por aqueles que se referem à consagração de pessoas, nos quais identificamos três leituras da nossa obra:

- para a Instituição de Leitores propõe-se à escolha o breve texto de Hb 4,12-13 [25] sobre a Palavra de Deus, “viva, eficaz e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes...”;

- na Instituição de Acólitos, por sua vez, a leitura sugerida é Hb 9,11-15 [26], sobre a nova aliança no Sangue de Cristo, já indicada para a Solenidade de Corpus Christi e para a Missa votiva da Santíssima Eucaristia, como vimos anteriormente;

- na Bênção de abade ou abadessa a opção é Hb 13,1-2.7-8.17-18 [27], que além do convite ao amor fraterno, evoca o respeito aos “dirigentes”: “Obedecei aos vossos líderes e segui suas orientações, porque eles cuidam de vós” (v. 17).

Passando aos sacramentais que se referem à consagração de lugares e objetos, identificamos outras duas leituras da Carta:

- na Dedicação de igreja temos como opção de 2ª leitura o texto de Hb 12,18-19.22-24 [28], indicando que a nova aliança inaugurada por Cristo nos introduz “na cidade do Deus vivo, a Jerusalém celeste” (v. 22), da qual o templo cristão é imagem.

- na Dedicação do altar pode ser proclamado o texto de Hb 13,8-15 [29], que menciona o “altar” da nova aliança, que é tanto a Cruz quanto o próprio Cristo. Sobre esse altar somos convidados a oferecer a Deus “um perene sacrifício de louvor” (v. 15).

Encerramos aqui a segunda parte do nosso estudo sobre a presença da Carta aos Hebreus nas celebrações litúrgicas. Na próxima postagem concluiremos a análise da sua leitura em composição harmônica com as bênçãos e a Liturgia das Horas.

Jesus, Sumo e Eterno Sacerdote, sobre o altar da nova aliança
(Basílica del Señor de los Milagros, Colômbia)

Notas:

[1] cf. ALDAZÁBAL, José. A Mesa da Palavra I: Elenco das Leituras da Missa - Texto e Comentário. São Paulo: Paulinas, 2007, p. 76.
[2] LECIONÁRIO III: Para as Missas dos Santos, dos Comuns, para Diversas Necessidades e Votivas. Tradução portuguesa da 2ª edição típica para o Brasil. São Paulo: Paulus, 1997, p. x.
[3] ibid., p. x.
[4] ibid., p. x.
[5] LECIONÁRIO para Missas de Nossa Senhora. Brasília: Edições CNBB, 2016, p. 216.
[6] LECIONÁRIO III, p. x. Os textos desse Comum são utilizados no aniversário da dedicação da própria igreja, no aniversário da dedicação da Catedral da Diocese e na Festa da Dedicação da Basílica do Latrão (09 de novembro). Para saber mais, clique aqui.
[7] ibid., p. x.
As Missas votivas em honra do Senhor, da Virgem Maria ou dos santos são celebradas em determinados dias para favorecer a devoção dos fiéis (cf. Instrução Geral sobre o Missal Romano, 3ª edição, n. 375). Cada santuário da Terra Santa, por sua vez, possui uma ou mais “Missas votivas do lugar”, nas quais os peregrinos contemplam os eventos da história da salvação associados a cada lugar. Para saber mais, confira nossa série de postagens sobre as Missas votivas da Terra Santa.
[11] LECIONÁRIO III, p. x.
[12] ibid., p. x.
[13] ibid., p. x.
[14] ibid., p. x.
[15] ibid., p. x.
[16] ibid., p. x.
[17] ibid., p. x.
[18] SAGRADA COMUNHÃO e o culto do Mistério Eucarístico fora da Missa. Edição típica em tradução portuguesa para o Brasil. São Paulo: Paulus, 2000, pp. 72-73.
[19] LECIONÁRIO III, p. x. As demais leituras propostas são: Is 52,13–53,17; Sl 39,6ab.9-11ab (R: 8a.9a); Lc 22,14-20.
[20] RITUAL DA INICIAÇÃO CRISTÃ DE ADULTOS. Tradução portuguesa para o Brasil da edição típica. São Paulo: Paulus, 2001, p. 252.
[21] RITUAL DA PENITÊNCIA. Tradução portuguesa para o Brasil da segunda edição típica. São Paulo: Paulus: 1999, p. 147.
[22] RITUAL DA UNÇÃO DOS ENFERMOS E SUA ASSISTÊNCIA PASTORAL. Tradução portuguesa da edição típica para o Brasil. São Paulo: Paulus, 2000, p. 112.
[23] RITUAL DO MATRIMÔNIO. Tradução portuguesa para o Brasil da 2ª edição típica. São Paulo: Paulus, 2007, p. 92.
[24] LECIONÁRIO IV: Lecionário do Pontifical Romano. Tradução portuguesa da 2ª edição típica para o Brasil. São Paulo: Paulus, 2000, p. 46.
[25] ibid., p. 69.
[26] ibid., p. 85.
[27] ibid., p. 120.
[28] ibid., p. 179.
[29] ibid., p. 194.

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