quinta-feira, 13 de outubro de 2022

Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio: Deus Pai 14

As Catequeses de São João Paulo II sobre Deus Pai estão divididas em duas partes: Quem é Deus? (nn. 1-23) e Deus Criador e Providente (nn. 24-59). Dando início à segunda parte, confira a reflexão do Papa polonês sobre o mistério da criação:

Para acessar a postagem com a introdução e o índice de todas as Catequeses, clique aqui.

Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio
CREIO EM DEUS PAI

1.2 DEUS CRIADOR E PROVIDENTE

I. A criação do mundo e do homem (nn. 24-32)

24. O mistério da criação
João Paulo II - 08 de janeiro de 1986

1. Na inevitável e necessária reflexão que o homem de cada tempo está inclinado a fazer sobre a própria vida, duas perguntas emergem com força, quase como eco da própria voz de Deus: “De onde viemos? Para onde vamos?”. Enquanto a segunda pergunta se refere ao futuro último, à meta definitiva, a primeira se refere à origem do mundo e do homem, e é igualmente fundamental. Por isso nos impressiona com razão o extraordinário interesse pelo problema das origens. Não se trata apenas de saber quando e como surgiu materialmente o cosmos e apareceu o homem, mas sim de descobrir que sentido tem tal origem, se a preside o acaso, o destino cego, ou um Ser transcendente, inteligente e bom, chamado Deus. No mundo, de fato, existe o mal e o homem que o experimenta não pode deixar de se perguntar de onde provém e quem é responsável por ele, e se existe uma esperança de libertação. “Que é o homem para dele te lembrares?”, se pergunta em resumo o salmista, admirado diante do acontecimento da criação (Sl 8,5).

Deus Criador (William Blake)

2. A pergunta sobre a criação surge na alma de todos, do homem simples e do douto. Pode-se dizer que a ciência moderna nasceu em estreita conexão, ainda que nem sempre em boa harmonia, com a verdade bíblica da criação. E hoje, tendo esclarecido melhor as relações mútuas entre verdade científica e verdade religiosa, muitíssimos cientistas, ao mesmo tempo em que se colocam legitimamente problemas não pequenos - como os relativos à evolução das formas viventes, em particular do homem, ou o que trata do finalismo imanente ao próprio cosmos em seu devir -, vão assumindo uma atitude cada vez mais solidária e respeitosa em relação à fé cristã sobre a criação. Eis, pois, um campo que se abre para um diálogo benéfico entre modos de aproximação à realidade do mundo e do homem reconhecidos lealmente como diversos, embora convergentes em um nível mais profundo a favor do único homem, criado - como diz a Bíblia em sua primeira página - “à imagem de Deus” e, portanto, como “dominador” inteligente e sábio do mundo (cfGn 1,27-28).

3. Nós, cristãos, reconhecemos com íntimo espanto, embora com a devida atitude crítica, que em todas as religiões, desde as mais antigas e agora desaparecidas, às hoje presentes em todo o planeta, se busca uma “resposta aos profundos enigmas da condição humana... que é o homem, qual o sentido e o fim de nossa vida, o que é bem e o que é pecado, qual a origem e a finalidade dos sofrimentos... enfim, o que é aquele supremo e inefável mistério que envolve a nossa existência, de onde nos originamos e para o qual tendemos?” (Declaração Nostra aetate, n. 1). Seguindo o Concílio Vaticano II na sua Declaração Nostra aetate sobre as relações da Igreja com as religiões não cristãs, reafirmamos que “a Igreja Católica nada rejeita do que há de verdadeiro e santo nestas religiões”, já que “não raro refletem raios daquela verdade que ilumina todos os homens” (ibid., n. 2). E, por outro lado, a visão bíblico-cristã das origens do cosmos e particularmente da história do homem é tão inegavelmente grande, vivificadora e original - e teve um impacto tão significativo na formação espiritual, moral e cultural de povos inteiros durante mais de vinte séculos - que falar dela explicitamente, ainda que sinteticamente, é um dever que nenhum Pastor e nenhum catequista pode negligenciar.

4. A revelação cristã manifesta verdadeiramente uma extraordinária riqueza a respeito do mistério da criação, sinal não pequeno e mui comovente da ternura de Deus, que precisamente nos momentos mais angustiantes da existência humana, da sua origem ao seu destino futuro, quis se fazer presente com uma palavra contínua e coerente, ainda que na variedade das expressões culturais.
Assim, a Bíblia se abre em absoluto com um primeiro e logo com um segundo relato da criação, onde a origem de tudo está em Deus: as coisas, a vida, o homem (Gn 1–2). Esses dois relatos entrelaçam-se com outro capítulo sobre a origem do pecado e do mal, desta vez a partir do homem, não sem a tentação do maligno (Gn 3). Mas Deus não abandona aqui as suas criaturas: e assim uma pequena chama de esperança se acende para o futuro de uma nova criação liberta do mal (é o chamado protoevangelho: Gn 3,15; 9,13). Estes três fios - a ação criadora e positiva de Deus, a rebelião do homem e, já desde as origens, a promessa por parte de Deus de um mundo novo - formam o tecido da história da salvação, determinando o conteúdo global da fé cristã na criação.

5. Enquanto nas próximas catequeses sobre a criação será dado o devido lugar à Escritura como fonte essencial, será minha tarefa recordar a grande tradição da Igreja, primeiro com as expressões dos Concílios e do Magistério ordinário, e também com as apaixonantes e penetrantes reflexões de tantos teólogos e pensadores cristãos.
Como em um caminho constituído por muitas etapas, a catequese sobre a criação tocará antes de tudo o fato admirável da mesma, como o professamos ao início do Creio, o Símbolo Apostólico: “Creio em Deus... Criador do céu e da terra”. Refletiremos sobre o mistério do chamado de toda a realidade criada do nada, admirando ao mesmo tempo a onipotência de Deus e a alegre surpresa de um mundo contingente que existe em virtude dessa onipotência. Poderemos reconhecer que a criação é obra amorosa da Trindade Santíssima e é revelação da sua glória, o que não anula - ao contrário, afirma - a legítima autonomia das coisas criadas, enquanto ao homem, como centro do cosmos, é reservada uma especial atenção, em sua realidade de “imagem de Deus”, de ser espiritual e corporal, sujeito de conhecimento e de liberdade. Outros temas nos ajudarão mais adiante a explorar este formidável acontecimento criador, particularmente o governo de Deus sobre o mundo, sua onisciência e providência, e como à luz do amor fiel de Deus o enigma do mal e do sofrimento encontra a sua pacificadora solução.

6. Depois que Deus manifestou a Jó seu divino poder criador ( 38–41), este respondeu ao Senhor e disse: “Reconheço que podes tudo e que nada é impossível para ti... Eu te conhecia só por ouvir dizer, mas agora te vejo com meus próprios olhos” ( 42,2.5) [1]. Possa nossa reflexão sobre a criação conduzir- nos à descoberta de que, no ato da fundação do mundo e do homem, Deus semeou o primeiro testemunho universal do seu amor poderoso, a primeira profecia da história da nossa salvação.

João Paulo II em 1986

Nota:
[1] Na tradução da Bíblia publicada pela CNBB, que estamos utilizando nestas postagens, o v. 2 aparece como “Reconheço que podes tudo e que para ti nenhum pensamento é oculto”. A tradução usada pelo Papa João Paulo II na Catequese, porém, foi: “Comprendo che puoi tutto e che nessuna cosa è impossibile a te”.

Tradução nossa a partir do texto italiano divulgado no site da Santa Sé (08 de janeiro de 1986).

aa

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