Santo Ambrósio
Tratado do Evangelho de São Lucas
“Este
médico tem uma infinidade de remédios”
Eis aqui,
portanto, a concisa verdade histórica, que, considerada mais profundamente, nos
revela admiráveis mistérios. Realmente, Jericó é figura deste mundo, para a
qual desceu Adão, precipitado do paraíso, ou seja, daquela Jerusalém celeste,
por sua queda prevaricadora, passando da vida para a morte; desterro este de
sua natureza que lhe ocasionou uma mudança, certamente não de lugar, mas sim de
costumes. E assim permaneceu um Adão bem diferente daquele que gozava de uma
felicidade sem ocaso, mas que assim que se lançou aos pecados deste mundo, caiu
nas mãos dos ladrões, aos quais não teria vindo parar se não tivesse se
afastado do mandamento divino.
Quem são estes
ladrões senão os anjos da noite e das trevas, que se transformam às vezes em anjos
de luz, ainda que seja um fato que não possam permanecer muito tempo nesse
estado? Estes primeiros nos despojam da veste da graça espiritual que
recebemos, e esta é a forma que ordinariamente alcançam seus primeiros
impactos; porém, se guardamos intactas as vestes recebidas, não sentiremos os
golpes dos ladrões. Tem, pois, cuidado, para não ser despojado como o foi Adão,
da proteção do preceito celestial e privado da veste da fé, já que a isso se
deveu que ele fosse ferido mortalmente, ferida mortal que haveria contagiado a
todo o gênero humano se aquele Bom Samaritano, descendo do céu, não houvesse
curado essas perigosas chagas.
E não é um samaritano
qualquer este que não desprezou àquele que tinha sido desprezado pelo sacerdote
e o levita. Não desprezes àquele que leva o nome de uma seita cuja
interpretação te vai encher de admiração. De fato, o vocábulo “samaritano”
significa “guardião”. Demos agora uma interpretação a tudo isto.
Na verdade, quem
é um verdadeiro custódio senão aquele de quem foi escrito: O Senhor guarda os pequenos? Pois da mesma maneira que existe um
judeu que é tal conforme a letra e outro que o é pelo espírito, assim também se
realiza uma maneira de ser samaritano que se vê e outra que está oculta.
Enquanto descia, pois, este samaritano - quem
é este que desceu do céu, senão o que sobe ao céu, o Filho de Deus que está no
céu? -, tendo visto a um homem semimorto, ao qual ninguém quis curar - o mesmo
caso que aquela que padecia do fluxo de sangue e que tinha gastado em médicos
toda a sua renda -, aproximou-se dele,
ou seja, compadecido de nossa miséria, tornou-se nosso íntimo e nosso próximo
para exercitar sua misericórdia conosco.
E enfaixou suas feridas ungindo-as com óleo e
vinho. Este médico tem uma infinidade de remédios, mediante os quais
alcança, ordinariamente, suas curas. Medicamento é a sua palavra; esta, algumas
vezes, enfaixa as feridas; outras serve de óleo, e outras atua com o vinho;
enfaixa as feridas quando expressa uma ordem de dificuldade mais exigente;
suaviza perdoando os pecados, e atua com o vinho anunciando o juízo.
Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp.
675-676. Para adquiri-lo no site da Editora Vozes, clique aqui.
Confira também uma homilia de Orígenes para este domingo clicando aqui.
Nenhum comentário:
Postar um comentário