quinta-feira, 25 de dezembro de 2025

Mensagem do Papa João Paulo II: Natal (2000)

Há 25 anos, no dia 25 de dezembro de 2000, pouco antes da conclusão do Grande Jubileu, o Papa São João Paulo II (†2005) proferiu sua tradicional Mensagem Urbi et Orbi (À cidade e ao mundo) por ocasião da Solenidade do Natal do Senhor, refletindo sobre o paralelismo entre Adão e Cristo, entre Deus e o homem:

Papa João Paulo II
Mensagem Urbi et Orbi de Natal
Praça de São Pedro
Segunda-feira, 25 de dezembro de 2000

1. «O primeiro homem, Adão, tornou-se um ser vivente. O último Adão é um espírito vivificante» (1Cor 15,45)
É o que afirma o Apóstolo Paulo, resumindo o mistério da humanidade redimida por Cristo. Mistério escondido no desígnio eterno de Deus, mistério que, de certo modo, se fez história com a Encarnação do Verbo eterno do Pai; mistério que a Igreja revive com intensa emoção, neste Natal do ano 2000, ano do Grande Jubileu.

Adão, o primeiro «homem vivo», Cristo, «espírito que dá vida»: as palavras do Apóstolo nos ajudam a ver profundamente, a reconhecer no Menino nascido em Belém o Cordeiro imolado que revela o sentido da história (cf. Ap 5,7-9). No seu Natal encontram-se o tempo e a eternidade: Deus no homem e o homem em Deus.


2. «O primeiro homem, Adão, tornou-se um ser vivente».
O gênio imortal de Michelangelo representou no teto da Capela Sistina o instante em que Deus Pai comunica a energia vital ao primeiro homem, fazendo dele um «ser vivente». Entre o dedo de Deus e o dedo do homem - cada um estendido em direção ao outro até quase se tocarem - parece surgir uma faísca invisível: Deus infunde no homem o pulsar da sua própria vida, criando-o à sua imagem e semelhança. Nesse sopro divino está a origem da singular dignidade do ser humano, do seu inesgotável desejo de infinito.

Hoje o pensamento retorna àquele instante de insondável mistério, no qual tem início a vida humana sobre a terra, contemplando o Filho de Deus que se faz filho do homem, o rosto eterno de Deus que brilha no rosto de um Menino.

3. «O primeiro homem, Adão, tornou-se um ser vivente».
Pela chama divina infundida nele, o homem é um ser inteligente e livre e, portanto, capaz de decidir responsavelmente sobre si mesmo e sobre o próprio destino.

O grande afresco da Capela Sistina continua com a cena do pecado original: a serpente, enrolada em volta da árvore, induz os primeiros pais a comer o fruto proibido. O gênio da arte e a intensidade do símbolo bíblico se unem perfeitamente para evocar o momento dramático que inaugura para a humanidade uma história de rebelião, de pecado e de dor.

Mas Deus poderia esquecer a obra das suas mãos, a obra prima da criação? Conhecemos a resposta da fé: «Chegada a plenitude do tempo, Deus enviou o seu Filho, nascido de uma mulher, nascido sujeito à Lei, para resgatar aqueles que estavam sujeitos à Lei e para que todos recebêssemos a filiação adotiva» (Gl 4,4-5).

Ressoam com singular eloquência essas palavras do Apóstolo Paulo enquanto contemplamos o maravilhoso acontecimento do Natal no ano do Grande Jubileu. No Recém-nascido reclinado na manjedoura nós saudamos o «novo Adão» que se tornou para nós «espírito vivificante». Toda a história do mundo está dirigida para Ele, nascido em Belém para devolver a esperança a cada homem sobre a face da terra.

4. Desde o presépio o olhar se estende hoje a toda a humanidade, destinatária da graça do «segundo Adão», mas sempre herdeira do pecado do «primeiro Adão». Aquele primeiro «não» a Deus não é, por acaso, reiterado no pecado de cada homem, que continua desfigurando o rosto da humanidade? Crianças agredidas, humilhadas e abandonadas; mulheres violentadas e exploradas; jovens, adultos, idosos marginalizados; intermináveis filas de exilados e de prófugos; violência e guerrilha em tantas partes do planeta.

Penso com apreensão na Terra Santa, onde a violência continua ensanguentando o atribulado caminho da paz.

E o que dizer de vários países - penso particularmente na Indonésia - onde nossos irmãos na fé, inclusive neste dia de Natal, vivem horas dramáticas de dor e de sofrimento? Não podemos esquecer hoje que as sombras de morte ameaçam a vida do homem em cada uma das suas fases, especialmente o primeiro início e o natural declínio. É cada vez mais forte a tentação de apoderar-se da morte, procurando-a antecipadamente, como se fôssemos árbitros da própria vida ou da vida dos outros. Estamos diante de sintomas alarmantes da «cultura da morte» que constituem uma séria ameaça para o futuro.

5. Por mais densas que pareçam as trevas, porém, mais forte é a esperança do triunfo da Luz surgida na Noite Santa em Belém. Quanto bem é feito em silêncio por homens e mulheres que vivem no dia-a-dia sua fé, seu trabalho, sua dedicação à família e ao bem da sociedade. Também é encorajador o empenho daqueles que, inclusive no âmbito público, se esforçam que sejam respeitados os direitos humanos de cada um e cresça a solidariedade entre os povos de distintas culturas, para que seja perdoada a dívida dos países mais pobres, para que se consigam dignos acordos de paz entre as nações envolvidas em desastrosos conflitos.

6. Aos povos que, todas as partes do mundo, se orientam com coragem para os valores da democracia, da liberdade, do respeito e da acolhida mútua, a cada pessoa de boa vontade, independentemente da cultura a que pertença, hoje se dirige o feliz anúncio do Natal: «Paz na terra aos homens amados por Deus» (cf. Lc 2,14).

À humanidade que se debruça sobre o novo milênio, Vós, Senhor Jesus, nascido para nós em Belém, pedis o respeito por toda pessoa, sobretudo se pequena e débil; pedis a renúncia a toda forma de violência, às guerras, aos abusos, a todo atentado contra a vida!

Vós, ó Cristo, que contemplamos hoje nos braços de Maria, sois o fundamento da nossa esperança! Como recorda o Apóstolo Paulo: «Passou o que era velho, eis que tudo se fez novo!» (2Cor 5,17). Em Vós, somente em Vós, é oferecida ao homem a possibilidade de ser uma «nova criatura».
Obrigado por este vosso dom, Menino Jesus!
Feliz Natal a todos!

O dedo de Deus e o dedo do homem (Adão)
(Detalhe do afresco de Michelangelo no teto da Capela Sistina)

Fonte: Santa Sé (com pequenas correções feitas pelo autor deste blog).

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