Há 25 anos, durante o Tempo do Natal 2000-2001, quase na conclusão do Grande Jubileu, o Papa São João Paulo II (†2005) proferiu duas Catequeses sobre o mistério do Natal, que repropomos a seguir:
João Paulo II
Audiência Geral
Quarta-feira, 20 de dezembro de 2000
O Natal dos 2000 anos de Cristo
1. “Ó
chave de Davi, que abres as portas do Reino dos céus: vem e liberta os que
jazem nas trevas do mal” (cf. Aclamação ao Evangelho do dia 20 de
dezembro).
É
com esta invocação que a Liturgia nos faz rezar hoje, convidando-nos a dirigir
o olhar Àquele que nasce para redimir a humanidade. Estamos já às portas do
Natal e torna-se mais intensa a súplica do povo que espera: “Vem, Senhor Jesus”,
vem libertar “os que jazem nas trevas do mal”!
Preparamo-nos
para comemorar o acontecimento que está no coração da história da
salvação: a Encarnação do Filho de Deus, que veio habitar no meio de nós
para redimir toda criatura humana com a sua Morte na Cruz. No mistério do Natal
já está presente o Mistério Pascal; na noite de Belém vislumbramos já a Vigília
da Páscoa. A luz que ilumina a gruta remete-nos ao fulgor de Cristo Ressuscitado
que vence as trevas do sepulcro.
Este
ano, ademais, é um Natal especial, o Natal dos 2000 anos de Cristo: um “aniversário”
importante, que estamos celebrando com o Ano Jubilar, meditando sobre o
acontecimento extraordinário do Verbo eterno feito homem para nossa salvação.
Disponhamo-nos a viver com fé renovada as eminentes festividades natalinas,
para acolhermos em plenitude sua mensagem espiritual.
2. No Natal o nosso pensamento retorna naturalmente a Belém. Diz o profeta Miqueias: “Tu, Belém de Éfrata, pequenina entre os mil povoados de Judá, de ti há de sair aquele que dominará em Israel” (Mq 5,1). Destas palavras fará eco o evangelista Mateus: aos Magos, que querem saber do rei Herodes “onde está o rei dos judeus, que acaba de nascer?” (Mt 2,2), os sumos sacerdotes e os escribas do povo comunicam aquilo que tinha escrito o antigo profeta sobre Belém: “De ti sairá um chefe que vai ser o pastor de Israel, o meu povo” (v. 6).
A
Igreja do Oriente reza assim no ofício do orthros [matinas] da
Solenidade do Natal: “Prepara-te, Belém; canta, cidade de Sião; exulta, deserto
que atraíste a alegria: a estrela avança para indicar o Cristo que está para
nascer em Belém; uma gruta acolhe Aquele que absolutamente nada pode conter e
uma manjedoura está preparada para receber a eterna vida” (Stichirá
idiómela, Anthologhion).
3.
Belém, nestes dias, torna-se o lugar para onde se voltam os olhos de todos os que
creem. A representação do presépio, que a tradição popular difundiu em todas as
partes da terra, ajuda-nos a refletir melhor sobre a mensagem que desde Belém continua
a irradiar para a humanidade inteira. Em uma pobre gruta contemplamos um Deus
que por amor se faz menino. A quem o acolhe Ele dá a alegria, aos povos dá a
reconciliação e a paz. O Grande Jubileu, que estamos celebrando, convida-nos a
abrir o coração Àquele que abre para nós “as portas do Reino dos céus”. Preparar-nos
para recebê-lo comporta, antes de tudo, uma atitude de oração intensa e
confiante. Abrir espaço para Ele no nosso coração exige um sério compromisso de
nos convertermos ao seu amor.
É
Ele que nos liberta das trevas do mal e nos pede oferecer a nossa concreta contribuição
para que se realize o seu desígnio de salvação. O profeta Isaías descreve-o com
imagens sugestivas: “Então o deserto se tornará jardim e o jardim crescerá
como o bosque; no deserto haverá lugar para a honestidade. A justiça terá o seu
jardim; a paz será o fruto da justiça, e o cultivo da justiça produzirá
tranquilidade e segurança permanente” (Is 32,15-17). Este é o dom
que devemos implorar com confiança orante, este é o projeto que somos chamados
a fazer nosso com constante solicitude! Na Mensagem enviada aos fiéis e aos
homens de boa vontade para o próximo Dia Mundial da Paz, ressaltei que “no
caminho para uma melhor compreensão entre os povos, são ainda numerosos os
desafios que o mundo deve enfrentar” e, por isso, recordei que “todos devem
sentir o dever moral de tomar decisões concretas e oportunas para promover a
causa da paz e da compreensão entre os homens” (n. 18).
Possa
o Natal reavivar em cada um a vontade de fazer-se ativo e corajoso construtor
da civilização do Amor. É somente graças à contribuição de todos que a profecia
de Miqueias e o anúncio que ressoa na noite de Belém produzirão os seus frutos
e será possível viver em plenitude o Natal cristão.
João Paulo II
Audiência Geral
Quarta-feira, 03 de janeiro de 2001
Permanecer imersos na santa alegria do Natal
1. “Alegremo-nos
no Senhor, exultemos de santa alegria: a salvação apareceu no mundo! Aleluia!”
(cf. Vésperas do dia 03 de janeiro, Antífona do Magnificat).
É
com estas palavras que a Liturgia nos convida hoje a permanecer imersos na “santa
alegria” do Natal. No início de um novo ano, essa exortação nos orienta a vivê-lo
inteiramente na luz de Cristo, cuja salvação apareceu no mundo para todos os
homens.
Com
efeito, o Tempo do Natal repropõe o mistério de Jesus e a sua obra de salvação
à atenção dos cristãos. Diante do presépio a Igreja adora o augusto mistério da
Encarnação: o Menino que chora nos braços de Maria é o Verbo eterno que se
inseriu no tempo e assumiu a natureza humana ferida pelo pecado, para incorporá-la
a si e redimi-la. Toda realidade humana, toda vicissitude temporal assume assim
ressonâncias eternas: na pessoa do Verbo encarnado a criação é maravilhosamente
exaltada.
Escreve
Santo Agostinho: “Deus se fez homem para que o homem se tornasse Deus” (cf.
Discurso 371). Entre o céu e a terra estabeleceu-se definitivamente
uma ponte: no Homem-Deus a humanidade reencontra o caminho do Céu. O Filho de
Maria é Mediador universal, Pontífice supremo. Cada ação desse Menino é um mistério
destinado a revelar a assombrosa benevolência de Deus.
2.
Na gruta de Belém se manifesta com desarmante simplicidade o amor infinito que
Deus tem por cada ser humano. No presépio contemplamos Deus feito homem por
nós.
São
Francisco de Assis teve a ideia de repropor esta mensagem através do presépio
vivo em Greccio, a 25 de dezembro de 1223. Conta o seu biógrafo, Tomás de
Celano, que ele estava radiante de alegria, porque naquela cena comovente
resplandecia a simplicidade evangélica, louvava-se a pobreza e recomendava-se a
humildade. O biógrafo termina observando que “depois daquela vigília solene,
cada um voltou para sua casa cheio de inefável alegria” (Vita
prima, XXX, 86, 479).
A
intuição de Francisco é surpreendente: o presépio não só é uma nova Belém,
porque reevoca o acontecimento histórico e atualiza sua mensagem, mas é também
uma ocasião de consolação e alegria: é o dia da alegria, o tempo
da exultação. Observa ainda Tomás de Celano que “aquela
noite de Natal era clara como o pleno dia e doce para os homens e os animais” (ibid., 85,
469).
3.
No presépio se celebra a aliança entre Deus e o homem, entre a terra e o céu.
Belém, lugar da alegria, torna-se também escola de bondade, porque ali se
manifestam a misericórdia e o amor que unem Deus aos seus filhos. Ali se testemunha
visivelmente a fraternidade que deve vincular aqueles que são irmãos na fé,
porque filhos do único Pai celeste. Nesse espaço de comunhão, Belém resplandece
como a casa onde todos podem encontrar alimento - etimologicamente o nome
“Belém” significa “casa do pão” - e se anuncia já, em certo sentido, o Mistério
Pascal da Eucaristia.
Em
Belém, como que sobre um simbólico altar, celebra-se já a Vida que não morre e
é concedido aos homens de todos os tempos saborear antecipadamente: o alimento
da imortalidade, que é “pão dos peregrinos, verdadeiro pão dos filhos” (Sequência de Corpus Christi). Somente o Redentor, nascido em Belém, pode saciar as
aspirações mais profundas do coração humano e curar os seus
sofrimentos e as suas feridas.
4.
Na gruta de Belém contemplamos Maria, que deu à luz o Filho de Deus por obra do
Espírito Santo. “Mulher dócil à voz do Espírito, mulher do silêncio e da
escuta, mulher de esperança, que, como Abraão, soube acolher a vontade de Deus ‘esperando
contra toda esperança’ (Rm 4,18)” (Carta Apostólica Tertio
millennio adveniente, n. 48), ela resplandece como modelo para aqueles que confiam
de todo coração nas promessas de Deus.
Juntamente
com ela e com José permaneçamos em adoração diante da manjedoura de Belém,
enquanto se eleva ao céu a nossa invocação suplicante: “Faz
resplandecer o teu rosto e salva-nos, Senhor!” (cf. Sl 79).
Confortados
pelo dom do nascimento do Salvador, intensifiquemos nosso empenho nestes
últimos dias do Ano Santo. Abramos o coração a Cristo, único e universal
caminho que leva a Deus. Poderemos assim prosseguir no novo ano com sólida
confiança. Ajude-nos nesta estrada a poderosa intercessão de Maria, Virgem
fiel, testemunha silenciosa do mistério de Belém.
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| Ícone do Natal, detalhe (Basílica da Natividade, Belém) |
Fonte: Santa Sé (20 de dezembro de 2000 e 03 de janeiro de 2001).
Para aprofundar o conteúdo das duas Catequeses, confira nossas postagens sobre as Antífonas do Ó e sobre o presépio.


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