Há 40 anos, no dia 06 de setembro de 1978, o Papa João Paulo I proferiu sua primeira Catequese, após sua eleição no dia 26 de agosto. O Papa, com muita simplicidade, refletiu sobre o tema da humildade, que inclusive era seu lema episcopal: "Humilitas".
Papa João Paulo I
Audiência Geral
Quarta-feira, 6 de setembro de 1978
A grande virtude da humildade
À
minha direita e à minha esquerda há Cardeais e Bispos, meus irmãos no
episcopado. Eu sou apenas o irmão mais velho. Para eles vai a minha saudação
afetuosa, para eles e para as suas dioceses.
Há
exatamente um mês, em Castel Gandolfo, morria Paulo VI, grande Pontífice, que
prestou à Igreja, em 15 anos, serviços enormes. Os efeitos já agora se veem em
parte, mas eu creio que se verão especialmente no futuro. Todas as
quartas-feiras vinha ele aqui e falava à gente. No Sínodo de 1977 vários Bispos
disseram: “os discursos do Papa Paulo, nas quartas-feiras, são verdadeira
catequese adaptada ao mundo moderno”. Procurarei imitá-lo, na esperança de
poder também eu, dalgum modo, ajudar a gente a tornar-se melhor.
Para
sermos bons precisamos, porém, de estar no nosso lugar diante de Deus, diante
do próximo e diante de nós mesmos. Diante de Deus, a posição justa é a de
Abraão, que disse: “Sou somente pó e cinza diante de ti, ó Senhor!”. Pequenos
mesmo é que devemos sentir-nos diante de Deus. Quando digo “Senhor, eu creio”,
não me envergonho de sentir-me como criança diante da mãe. Acredita-se na mãe,
eu acredito no Senhor, naquilo que ele me revelou. Os mandamentos são um pouco
mais difíceis, algumas vezes bastante difíceis de observar; mas, se Deus no-los
deu, não foi por capricho, não foi por interesse seu, mas unicamente por
interesse nosso.
Um
sujeito foi uma vez comprar um automóvel a um agente. Este fez-lhe um discurso:
“Olhe que o automóvel é muito bom, trate-o bem. Sabe: gasolina ‘super’ no
depósito; e nas junturas óleo do fino”. O comprador respondeu: “Oh, não, fique
sabendo, eu nem o cheiro da gasolina posso aguentar, e o do óleo também não; no
depósito deitarei vinho espumante, de que tanto gosto, e as junturas
untá-las-ei com marmelada”. “Faça como quiser”, responde o vendedor, “mas não
venha lamentar-se, se vier a parar num precipício com o seu automóvel”. O
Senhor fez coisa semelhante conosco: deu-nos este corpo, animado por uma alma
inteligente, uma vontade boa. Disse: “É boa, mas trata-a bem, esta máquina”.
Eis os mandamentos: honrar pai e mãe, não matar, não se irar, ser delicado, não
dizer mentiras, não roubar... Se fôssemos capazes de observar os mandamentos,
andaríamos melhor nós e andaria também melhor o mundo.
Depois,
há o próximo e a três níveis: alguns estão acima de nós, alguns estão ao
nosso nível, e outros estão abaixo. Acima estão os nossos pais. O catecismo
dizia: respeitá-los, amá-los, obedecer-lhes. O Papa deve inculcar respeito e
obediência dos filhos aos pais. Dizem-me que estão aqui os meninos de coro de
Malta. Venha aqui um, por favor... Os meninos de coro de Malta que, por um mês,
fizeram serviço em São Pedro. “Então, tu, como te chamas?”. – “James!”. – “James.
Estiveste alguma vez doente?”. – “Não”. – “Ah, nunca?”. – “Não”. – “Nunca estiveste
doente?” – “Não”. – “Nem sequer alguma febre?”. – “Não”. – “Oh, que felizardo!
Mas, quando um menino está doente, quem é que lhe leva uma pouca de sopa, os
remédios? Não é a mãe? Ora vê: Tu virás a ser grande e a mãe ficará velhinha.
Tu serás um grande senhor, e a mamã, pobrezinha, estará doente na cama. Quem é
que então lhe levará uma xícara de leite e os remédios? Quem?”. – “Eu e os meus
irmãos”. – “Bravo! Ele e os seus irmãos: assim disse. Gosto de ouvir isso.
Compreendeste?”.
Mas
não sucede sempre assim. Eu, sendo Bispo de Veneza, ia algumas vezes ao asilo.
Uma vez encontrei uma doente, uma velhinha. – “Como está, senhora?”. – “Bem, de
comer bem. Calor, aquecimento: bem”. – “Então está contente, senhora?”. – “Não”
- e pôs-se quase a chorar. – “Mas porque chora?”. – “A minha nora, o meu filho
não vêm nunca ver-me. Queria ver os netinhos”. Não basta o calor, a comida, há
o coração; é necessário pensar também no coração dos nossos velhos. O Senhor
disse que os pais devíamos respeitá-los, amá-los, mesmo quando velhos.
Além
dos pais, há o Estado, e há os Superiores. Pode um Papa recomendar obediência?
Bossuet, que era um grande Bispo, escreveu: “Onde ninguém manda, todos mandam.
Onde todos mandam, ninguém manda, temos o caos”. Algumas vezes vê-se também neste
mundo alguma coisa deste gênero: Respeitemos, por conseguinte, aqueles que são
nossos superiores.
Depois,
há os nossos iguais. E nisto, ordinariamente, são duas as virtudes que temos de
observar: justiça e caridade. Mas a caridade é a alma da justiça. É necessário
querer bem ao próximo, o Senhor tanto no-lo recomendou. Eu recomendo sempre,
não só as grandes caridades, mas também as pequenas caridades. Li num livro,
escrito por Carnegie, autor americano, intitulado “A arte de fazer amigos”,
este episodiozinho: Uma senhora tinha quatro homens em casa: o marido, um
irmão, e dois filhos grandes. Ela sozinha fazia as compras, ela lavava e
passava a roupa, ela cozinhava, ela fazia tudo. Um domingo, entram eles em
casa. A mesa está preparada para o almoço, mas no prato há só um punhado de
feno. “Oh!”, protestam e dizem: “Que é isto? Feno!”. “Não, está tudo preparado”,
replica a senhora. “Deixai que vos diga: esforço-me, vario os pratos, tenho-vos
limpos, faço todos os ofícios. Nunca, nem uma vez dissestes: ‘preparaste-nos um
bom almocinho’. Dizei alguma coisa! Não sou de pedra. Trabalha-se de melhor
vontade, quando se encontra reconhecimento”. São as pequenas caridades. Na
nossa casa, todos temos alguém que espera um cumprimento.
Há
também os mais pequenos que nós. Há as crianças, os doentes, até os pecadores.
Como Bispo, estive muito perto também dos que não creem em Deus. Fiquei com a
persuasão que estes muitas vezes combatem não Deus mas a ideia errada que têm
de Deus. Quanta misericórdia é preciso ter! E também os que erram... É
necessário sermos verdadeiramente o que devemos ser conosco mesmos. Limito-me a
recomendar uma virtude, tão querida pelo Senhor. Disse: Aprendei de mim, que
sou manso e humilde de coração. Arrisco-me a dizer um despropósito, mas sempre
o digo: o Senhor tanto ama a humildade que, às vezes, permite pecados graves.
Porquê? Para que, depois de os cometermos - esses pecados - depois,
arrependidos, fiquemos humildes. Não temos assim vontade de nos julgarmos meios
santos, meios anjos, depois de sabermos ter cometido faltas graves. O Senhor
tanto recomendou: sede humildes! Mesmo que tenhais feito grandes coisas, dizei:
“somos servos inúteis”. A tendência, porém, em nós todos, é antes em sentido
contrário: pormo-nos em vista. Mas devemos estar baixinhos, baixinha. Faço
votos por que a vós suceda a mesma coisa.
Fonte: Santa Sé
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