Orígenes
Comentário sobre o Evangelho de São Mateus
Os
milagres se cumpriram entre os crentes
A respeito da
exclamação “De onde lhe vem toda esta
sabedoria?”, ela mostra claramente a sabedoria superior e perturbadora das
palavras de Jesus, que mereceu o elogio: Eis
aqui quem é maior do que Salomão. E os milagres que realizou foram maiores
do que os de Elias e Eliseu; até maiores que aqueles, mais antigos, de Moisés e
de Josué, filho de Num. Murmuravam assombrados, sem saber que ele nasceu de uma
virgem, e, mesmo que o tivesse dito, não teriam acreditado, enquanto supuseram
que ele fosse o filho de José, o artesão: Não
é ele o filho do carpinteiro?
E cheios de
desprezo por todo aquele que poderia parecer sua parentela mais próxima,
disseram: Sua mãe não se chama Maria, e
seus irmãos Tiago, José, Simão e Judas, e as suas irmãs não estão todas entre
nós? E consideraram, portanto, que fosse filho de José e de Maria. Quanto
aos irmãos de Jesus, alguns pretendem, apoiando-se no chamado “Evangelho
segundo Pedro” ou no “Livro de Tiago”, que eles são os filhos de José, nascidos
de uma primeira esposa que teve antes de Maria [1].
Os partidários
desta teoria querem salvaguardar a crença na virgindade perpétua de Maria, não
aceitando que aquele corpo, considerado digno de estar ao serviço daquela
palavra que diz: O Espírito Santo descerá
sobre ti, e o poder do Altíssimo te envolverá com a sua sombra, conhecesse
o leito de um homem, após ter recebido o Espírito de santidade e o poder
descido do Alto, que a revestiu com a sua sombra. Da minha parte, penso que
seria razoável ver em Jesus as primícias da castidade viril no celibato, e em
Maria, as da castidade feminina. Realmente seria sacrílego atribuir a outra
pessoa tal primícias da virgindade...
As palavras “E as suas irmãs não estão entre nós?”
parecem-me ter o seguinte significado: a sabedoria deles é como a nossa, não
aquela de Jesus; não há nada de estranho, de excepcional compreensão, como
Jesus. É possível que, por estas palavras, surja uma dúvida quanto à natureza
de Jesus, que não seria um homem, mas um ser superior, porque, mesmo sendo,
como eles creem, filho de José e de Maria, e embora tendo quatro irmãos,
inclusive algumas irmãs, não se parece a alguns de seus próximos, e, sem ter
recebido instrução e sem mestres, alcançou tal grau de sabedoria e de poder.
Na verdade, eles
disseram em outro lugar: Como ele faz
para conhecer as Escrituras sem ter estudado? Está aqui um texto similar ao
reportado. Contudo, aqueles que falavam deste modo, cheios de dúvidas e de
surpresa, bem longe de acreditar, escandalizaram-se a seu respeito, como se os
olhos de suas mentes fossem escravizados pelas forças das quais ele triunfaria
sobre o lenho, na hora da sua Paixão...
Chegou o momento
para esclarecer a passagem: Naquele lugar
ele não fez muitos milagres por causa de sua incredulidade. Estas palavras
nos ensinam que os milagres se cumpriram entre os crentes, porque se dará ao que tem e terá em abundância,
enquanto que entre os incrédulos os milagres não somente não produziram efeito,
mas, como escreveu Marcos: Não poderia
fazê-lo. Muita atenção, de fato, a estas palavras: Não pode realizar nenhum milagre; realmente, não disse “não quis”,
mas “não pode”, porque se agrega ao milagre que está para cumprir-se uma eficaz
colaboração proveniente da fé daquele sobre o qual o milagre atua, e que a
incredulidade impediria a ação. No caso de - é o caso de destacá-lo -, para
aqueles que disseram: “Por que não
podemos expulsá-lo?”, ele respondeu: “Por
causa de vossa pouca fé”.
Nota:
[1] Essa
interpretação baseada nos apócrifos não é mais aceita atualmente. Em hebraico os
parentes próximos são chamados genericamente de “irmãos”. Portanto, o texto se
refere provavelmente aos “primos” de Jesus.
Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp. 422-423. Para adquiri-lo no site da Editora Vozes, clique aqui.
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