segunda-feira, 17 de julho de 2017

Liturgia, atualização do Mistério Pascal de Cristo

Recentemente a Rádio Vaticano publicou em seu quadro “Memória Histórica” três textos sobre a Sagrada Liturgia, destacando a centralidade do Mistério Pascal:

1. O verdadeiro sentido da Liturgia
(14/06/2017)

A constituição Sacrosanctum Concilium - promulgada pelo Papa Paulo VI no dia 4 de dezembro de 1963, no final da segunda sessão conciliar - centra-se em torno da Liturgia, que é analisada pelos Padres conciliares sob "uma tríplice dimensão teológica, eclesial e pastoral: a liturgia é obra da redenção em ato, celebração hierárquica e ao mesmo tempo comunitária, expressão de culto universal, que envolve toda a criação".
Os padres conciliares descrevem ainda a Liturgia como "a primeira e necessária fonte onde os fiéis hão de beber o espírito genuinamente cristão".
A mesma Constituição, afirma que Jesus instituiu o sacrifício da Santa Missa, a fim de perpetuar nos séculos, até a sua volta, o sacrifício da cruz, como nos explica o Padre Gerson Schmidt, incardinado na Arquidiocese de Porto Alegre:
“A constituição dogmática Sacrosanctum Concilium – no número 47 - afirma que Jesus instituiu o sacrifício da Santa Missa, a fim de perpetuar nos séculos, até a sua volta, o sacrifício da cruz[1]. Por isso, o “sacrifício dos cristãos não pretende completar o sacrifício da cruz, porém, torná-lo presente, atualizá-lo, desenvolver no hic et nunc (aqui e agora) a sua dimensão interna” [2]. No número 06 desse precioso documento Sacrosanctum Concilium – a constituição dogmática pilar de toda a valorização e renovação litúrgica -  está um título significativo: “A obra da salvação continuada pela Igreja realiza-se na liturgia”.
Começa dizendo assim esse número 06 da Sacrosanctum Concilium: “Portanto, como Cristo foi enviado pelo Pai, assim também ele enviou os apóstolos, cheios do Espírito Santo, não só porque, pregando o Evangelho a todos os homens anunciassem que o Filho de Deus com a sua morte e ressurreição nos livrou do poder de satanás e da morte e nos transferiu para o reino do Pai, mas também para que levassem a efeito, por meio do sacrifício e dos sacramentos, sobre os quais gira toda a vida litúrgica, a obra de salvação que anunciavam”.
Aqui já vemos que essa obra da salvação é continuada na liturgia da Igreja. A Igreja perpetua a salvação de Cristo na sua ação sacramental e também querigmática. Na liturgia, de maneira especial, se perpetua e se atualiza a redenção de Cristo, a sua Páscoa pela humanidade. E continua o documento da renovação litúrgica nesses termos: “Assim pelo batismo os homens são inseridos no mistério pascal de Cristo: com ele mortos, sepultados, e ressuscitados; recebem o espírito de adoção de filhos, “no qual clamam: Abba, Pai” (Rm 8,15), e se tornam assim verdadeiros adoradores que o Pai procura. Do mesmo modo, toda vez que come a ceia do Senhor, anunciam a sua morte até que venha. Por esse motivo, no próprio dia de Pentecostes, no qual a Igreja se manifestou ao mundo, “os que receberam a palavra” de Pedro “foram batizados”. E “perseveravam na doutrina dos apóstolos, e na comum fração do pão e na oração… louvando a Deus e sendo bem vistos por todo o povo” (At 2,41-47). Desde então, a Igreja jamais deixou de reunir-se para celebrar o mistério pascal: lendo “tudo quanto nas Escrituras a ele se referia” – palavras de Jesus aos discípulos de Emaús – em Lc 24,27, celebrando a eucaristia na qual “se representa a vitória e o triunfo de sua morte” e, ao mesmo tempo, dando graças “a Deus pelo seu dom inefável” (2Cor 9,15) em Cristo Jesus, “para louvor de sua glória” (Ef 1,12) por virtude do Espírito Santo” (Sacrosanctum Concilium, 06).
A liturgia, portanto, é a celebração por excelência do Mistério Pascal de Cristo agora realizado em nossas vidas, em nossa história concreta, na atualidade da vida concreta dos que ali celebram a salvação. Portanto, se pudéssemos resumir numa só palavrinha o que vem a ser a Eucaristia, não seria “sacrifício”, como pretenderia aqueles padres altareiros do século XII. Não será a palavra “adoração e louvor” como poderiam pretender os carismáticos. Não seria “unidade e comunhão” como poderiam sugerir os focolarinos. Não seria “rito de expiação” como poderiam pretender a ordem dos padres penitentes e confessores. Que nenhum desses grupos se sintam aqui atingidos, pois todas essas realidades também fazem parte da liturgia. Mas a palavra que melhor define a Eucaristia é Mistério Pascal, como é a definição conciliar, mistério este recordado, renovado e atualizado em cada banquete eucarístico que é celebrado em qualquer canto de nosso planeta”.
[1] SC, 47.
[2] BETZ, J. Em Mysterium Salutis, 8. In: Dicionário de Liturgia, Organizado por Dominico Sartore e Achille M. Triacca, Paulus, SP, 1992, p. 1078.

2. Atualização do Mistério Pascal em cada Liturgia - Parte I
(21/06/2017)

No programa passado, vimos como a liturgia é a celebração por excelência do Mistério Pascal de Cristo agora realizado em nossas vidas, em nossa história concreta, na atualidade da vida concreta dos que ali celebram a salvação.
De fato, a Constituição conciliar Sacrosanctum Concilium - promulgada pelo Papa Paulo VI em 4 de dezembro de 1963 - afirma que Jesus instituiu o sacrifício da Santa Missa, a fim de perpetuar nos séculos, até a sua volta, o sacrifício da cruz. Assim, a obra de salvação continuada pela Igreja realiza-se na liturgia.
No programa de hoje, Padre Gerson Schmidt, que tem nos acompanhado neste percurso dos documentos conciliares, no traz a primeira parte da reflexão "Atualização do mistério pascal em cada liturgia":
"Padre Pedro Mosén Farnés, falecido em 24 de março deste ano, em Barcelona, foi um dos grandes liturgistas e expoentes do Concílio Vaticano II para trazer a renovação litúrgica, que é proposta na Sacrosanctum Concilium – a constituição pilar de toda a valorização e renovação dos sacramentos e, no centro disso, a Pascoa, a vigília Pascal por excelência e a Eucaristia, como Mistério Pascal.
O esplendor da Liturgia centrou-se nesse foco - o Mistério Pascal. Aqui não se trata de que na liturgia Cristo estivesse simplesmente presente para me ajudar, mas que nela está a Ressurreição de Cristo, que te convida a entrar na morte com Ele, para com Ele ressuscitar. Se não entro nesse dinâmica renovadora da liturgia, os sacramentos serão ritos exteriores e eu serei um mero expectador, da mesma forma como vou a um cinema assistir um filme que pode até me envolver emocionalmente, mas serem apenas sou um assistente, um mero expectador de um fato alheio a minha vida e história.
A Constituição Dogmática Lumen Gentium, no número 03, diz com clareza essa atualização da liturgia em nossa história e vida pessoal e comunitária: “todas as vezes que se celebra no altar o sacrifício da cruz, pela qual Cristo, nossa páscoa, foi imolado, atualiza-se a obra da nossa redenção” (LG  03).
Três comentários palavras aqui queremos comentar desse texto da Lumen Gentium. Primeiro: A palavra sacrifício, para ser referendada à Santa Missa, deve aqui ser bem entendida. Na religião pagã, a palavra é traduzida por “sacrum facere”, ou seja, fazer o sagrado. A missa, sabemos não é apenas sacrifício, mas também banquete, festa, uma celebração que é memorial pascal, refeição alegre, festiva e atual da Páscoa de Jesus Cristo. Assim, a Eucaristia seria muito mais um “sacrificium laudis”, um louvor e uma rica ação de graças pela vitória de Cristo sobre a morte. O sacrifício da cruz tem razão de ser em vista da Ressurreição, da festiva passagem (Pessach) da morte para a vida.  O caráter sacrifical da missa, demasiadamente penitencial, foi acentuado por uma época na Igreja.
Quando é usado o termo na liturgia, usado também pelo Papa João XXIII, não é em sentido absoluto, mas como um dos aspectos do Mistério de Cristo, em sua oferta na cruz como sacrifício único e total. São Cipriano afirma: “e uma vez que, em todos os sacrifícios, nós fazemos a memória da paixão de Cristo – é de fato a paixão de Cristo que nós oferecemos – nós não podemos fazer diferente do que Ele fez” (Carta, 63,17). Por isso, a Eucaristia não é um sacrifício do fiel a Deus, mas de Deus ao fiel. Precisamos tirar a ideia pagã do sacrifício que aplacaria a ira de Deus, como os antigos holocaustos e sacrifícios judaicos. O grande sacrifício na eucaristia não somos nós que fazemos. É claro que oferecemos nosso coração, nossa vida. Mas o único e grande sacrifício que acontece na liturgia é a que Jesus Cristo fez uma vez por todas, até a morte, no altar da cruz”.

3. Atualização do Mistério Pascal na Liturgia - Parte II
(28/06/2017)

Esta quarta-feira damos prosseguimento ao tema iniciado na edição anterior, ou seja, a renovação litúrgica trazida pela Constituição conciliar Sacrosanctum Concilium, a constituição pilar de toda a valorização e renovação dos sacramentos e, no centro disto, a Páscoa, a vigília pascal por excelência e a Eucaristia, como Mistério Pascal.
No programa passado, comentamos a primeira das três palavras retiradas do número 03 da Lumen Gentium para explicar a atualização do Mistério Pascal na Liturgia: sacrifício. O Padre Gerson Schmidt enfatizou em sua reflexão o sentido da celebração Eucarística, que é muito mais um "sacrificium laudis", um louvor e uma rica ação de graças pela vitória de Cristo sobre a morte.
No programa de hoje, o sacerdote incardinado na Arquidiocese de Porto Alegre, nos apresenta as outras duas palavras-chaves para compreendermos a atualização do Mistério Pascal em cada liturgia:
"A Constituição Dogmática Lumen Gentium, no número 03, diz com clareza essa atualização da liturgia em nossa história e vida pessoal e comunitária: “todas as vezes que se celebra no altar o sacrifício da cruz, pela qual Cristo, nossa páscoa, foi imolado, atualiza-se a obra da nossa redenção” (LG  03). Comentamos anteriormente o termo sacrifício, que deve ser entendido como o grande e único sacrifício de Cristo, feito uma vez por todas no altar da cruz. Não somos nós que nos sacrificamos. É Jesus Cristo unicamente que se doa inteiramente por nós. Segundo comentário desse texto que lemos de Lumen Gentium.
O texto afirma que Cristo é nossa Páscoa. Essa expressão da LG 03 é belíssima, tirado da primeira carta de São Paulo aos Coríntios (1Cor 5,7-8). Vamos a fonte pela bíblia de Jerusalém. O texto da Primeira Carta de são Paulo aos Coríntios diz assim: “Purificai-vos do velho fermento, para que sejais massa nova, porque sois pães ázimos, porquanto Cristo, nossa Páscoa, foi imolado. Celebremos, pois, a festa, não com o fermento velho nem com o fermento da malícia e da corrupção, mas com os pães não fermentados de pureza e de verdade”.
Nesse texto vemos claro que Cristo não foi imolado para si mesmo, mas para ser nossa Páscoa. Por isso, num terceiro aspecto a comentar desse texto da Lumen Gentium, que é o caráter da atualização do Mistério Pascal em nossas vidas. Cristo se torna a Páscoa de nossas mortes constantes. Repetimos o texto de LG: “todas as vezes que se celebra no altar o sacrifício da cruz, pela qual Cristo, nossa páscoa, foi imolado, atualiza-se a obra da nossa redenção” (LG  03). Atualiza-se o mistério da cruz, imolado uma vez por todas, agora para nossa salvação e redenção hoje de nossa história.
Na Missa, atualiza-se o mistério agora para nós, que celebramos o Mistério Pascal em nossas vidas, em nossa história, em nossa realidade concreta. O mistério de amor de Cristo assim se perpetua pelos séculos, em todas e em cada celebração eucarística que se realiza no decorrer da história".


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