São João Cassiano
Conferência 3
“A
boa vontade procede e se consuma em Deus”
O primeiro
movimento de boa vontade Deus mesmo nos concede por sua inspiração. Esta nos atrai
ao caminho da salvação, já seja por impulso imediato dele, ou pelas exortações
de um homem, ou pela força das circunstâncias. E também é um dom de sua mão a
perfeição das virtudes. O que de nós depende é corresponder com frieza ou com
entusiasmo a esse impulso da graça. Segundo isso, merecemos o prêmio ou o
tormento, na medida em que tenhamos cooperado ou não, com nossa fidelidade ou
infidelidade, a esse plano divino que sua condescendência e paternal
providência havia concebido sobre nós.
Idêntica linha
de conduta observamos na cura dos dois cegos do Evangelho: que Jesus passe por
onde eles estavam é graça de sua condescendência e providência; conceder que os
cegos falem e digam: Tem piedade de nós,
Senhor, Filho de Davi!, é obra de sua fé e confiança nele. E o fato de que
a luz volte aos seus olhos e vejam, é dom exclusivo da misericórdia divina.
Cabe observar
que mesmo depois de haver recebido algum benefício de Deus, subsiste a força da
graça divina e a liberdade humana. O manifesta o episódio dos dez leprosos que
foram curados pelo Senhor ao mesmo tempo. Somente um deles, por obra de seu
livre-arbítrio – secundando, é claro, a moção divina –, retorna para dar
graças. O Senhor elogia a iniciativa.
Porém, ao mesmo
tempo reclama e pergunta pelos outros nove. Com isto manifesta que sua
solicitude continua agindo a favor dos homens, apesar de sua ingratidão que
esquece os seus benefícios. Ambas as coisas são igualmente um dom de sua
visita: acolher e respeitar o agradecido e buscar repreender aos ingratos.
Ademais, convém
que creiamos com uma fé incondicional que nada acontece no mundo sem a
intervenção de Deus. Devemos realmente reconhecer que tudo acontece ou por sua
vontade ou por sua permissão. O bem, mediante a sua vontade e o seu auxílio; o
mal, por sua permissão, quando, para punir nossos crimes ou a dureza de nosso
coração, nos abandona à tirania do demônio ou às vergonhosas paixões da carne.
O apóstolo nos ensina
isto com evidência nestas palavras: Por
isto Deus os abandonou às suas paixões ignominiosas, e também: Porque não se preocuparam de conhecer a
Deus, os entregou aos sentimentos depravados, e daí o seu procedimento indigno.
E o próprio Senhor diz pela boca do profeta: E o meu povo não ouviu a minha voz, e Israel não obedeceu aos meus
mandatos. Por isto lhes abandonei – diz – aos pensamentos de seu coração e andaram segundo os seus próprios
caprichos.
Devemos
considerar que se a liberdade se destaca na desobediência do povo, não é menos
evidente, por outro lado, a contínua providência que Deus tem sobre os seus. De
fato, não deixa de encaminhar-lhes diariamente seus avisos, clamando, por assim
dizer, a Israel. Quando afirma: Se meu
povo me escutasse, mostra claramente que ele falou a Israel, o primeiro. E
não somente pela lei escrita que lhes fala assim Deus, mas também por contínuas
e diárias admoestações, segundo aquela que diz Isaías: O dia inteiro estendi as minhas mãos ao povo que não cria em mim e me
contradizia.
Fonte:
Lecionário Patrístico Dominical, pp. 732-733. Para adquiri-lo no site da Editora Vozes, clique aqui.
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