São João Crisóstomo
Sermão 72 sobre o Evangelho de João
“A
caridade constitui o sinal de toda santidade”
Um novo mandamento vos dou. Sendo
verossímil que eles após ouvir estas coisas se perturbassem, como se fossem ficar
completamente abandonados, Jesus os consola e os fortifica para sua segurança
com aquilo que é a raiz de todos os bens: a caridade. Como se lhes dissesse:
“Vos entristeceis porque eu me vou? Pois se vos amais uns aos outros, sereis
ainda mais fortes”. Porém, por que não lhes disse com estas palavras? Porque o
fez dizendo-lhes outra coisa, que era muito mais útil: Nisto conhecerão que sois meus discípulos. Isto significa que seu
grupo jamais se dissolveria, uma vez que Ele lhes tinha dado o sinal distintivo
para se conhecerem. E o disse quando o traidor já se havia afastado deles.
Por que chama
novo este mandamento? Pois ele já estava presente no Antigo Testamento. O fez
novo pelo modo como o ordenou. Pois que o propôs dizendo: assim como eu vos amei. Eu não paguei vossa dívida por méritos
anteriores que vós tivésseis; mas eu fui o que começou. Pois bem, do mesmo modo
convém que vós façais o bem aos vossos amigos, sem que tenham dívida alguma com
vós. Supondo por um lado os milagres que realizariam, coloca sobre eles como
distintivo a caridade.
Por que motivo?
Porque ela é antes de tudo indício e argumento dos santos, já que ela constitui
o sinal de toda santidade. É principalmente por ela que alcançamos a salvação.
Como se lhes dissesse: “nela consiste ser meu discípulo. Por ela todos vos
louvarão, quando vejam que imitais a minha caridade”. Mas então não são
principalmente os milagres que distinguem os discípulos? De forma alguma: Muitos me dirão: Senhor, não foi em teu nome
que expulsamos demônios? E quando os discípulos se alegravam de que até os
demônios os obedeciam, lhes disse: Não
vos alegreis de que os demônios se vos submetem, mas de que vossos nomes estão
inscritos no céu. Foi a caridade que a atraiu para o mundo, pois os
milagres já se realizavam antes. Ainda que sem estes tampouco aquela poderia
subsistir.
A caridade cedo
os tornou bons e virtuosos e que tivessem um só coração e uma só alma. Se
houvessem desavenças entre eles mesmos, tudo se teria arruinado. E Jesus não
disse isto unicamente para eles, mas para todos os que depois haveriam de crer.
E ainda agora nada escandaliza tanto aos infiéis como a falta de caridade. Dirá
que também nos censuram porque já não há milagres. Porém, não põem nisto tanta
força.
Em que
manifestaram sua caridade os apóstolos? Não vês a Pedro e João que nunca se
separaram e como sobem ao templo? Não vês que atitude Paulo observa para com
eles? E ainda duvidas? Estiveram dotados de outras virtudes, mas muito mais o
estiveram daquela que é a mãe de todos os bens. Ela germina em toda alma
virtuosa assim que começa; mas aonde há perversidade, prontamente murcha:
quando abunda a maldade, se esfriará a caridade de muitos.
Certamente aos
gentios não os movem tanto os milagres como a vida virtuosa. E nada torna a
vida tão virtuosa como a caridade. Aos que fazem milagres com frequência são
tidos como enganadores; porém, nunca podem repreender uma vida virtuosa. No
início, quando a pregação ainda não se tinha estendido tanto, com todo direito
os gentios admiravam os milagres; mas agora convém que sejamos admiráveis pelo
nosso modo de viver.
Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp.
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