São Cirilo de Alexandria
Comentário ao Evangelho de São João
“Nós
somos sacrificados com Cristo”
Jesus tomou a cruz sobre si e saiu para o
lugar chamado “Calvário”, em hebraico, “Gólgota”. Ali o crucificaram.
Conduzem à morte
justamente o Autor da vida! Mas sua paixão, que tinha por meta a nossa
salvação, acabaria por ter – por virtude divina e graças a um desígnio
providencial que supera em muito nossa compreensão – um resultado
diametralmente oposto ao que imaginavam os judeus. Na realidade, a paixão de
Cristo era algo assim como um laço estendido ao poder da morte, visto que a
morte do Senhor era o princípio e a fonte da incorruptibilidade e da novidade
da vida.
Mesmo assim, ele
avança levando sobre seus ombros aquele madeiro sobre o qual iria ser
crucificado, estando já condenado à sentença capital, mesmo sendo completamente
inocente. E isso por nossa causa!
Realmente assumiu sobre si as penas com a qual a justiça procedente da lei
ameaça aos pecadores, tornando-se um
maldito por nós, porque diz a Escritura: Maldito todo aquele que for suspenso do madeiro. E malditos éramos
todos nós, nós que nos negávamos a obedecer a lei divina. Na realidade, todos
havíamos pecado muito. E por nossos pecados foi tido por maldito quem não
conheceu o pecado, para libertar-nos da antiga maldição. Bastava, de fato, que
por todos padecesse um só, o qual, sendo Deus, está acima de todos: com a morte
de seu corpo, procurou a salvação de todos os homens.
Cristo, pois,
levou a cruz que certamente nós merecíamos, e não ele, se temos em conta a
condenação da lei. De fato, assim como andou entre os mortos – não por ele, mas
por nós, para reconduzir-nos à vida eterna, uma vez destruído o império da morte
–, assim também carregou a cruz que correspondia-nos, condenando em si mesmo a
condenação derivada da lei. Portanto, daqui em diante todos os iníquos fecharão
a boca, como cantamos no Salmo 106,42, porque o inocente morreu pelos pecados
de todos.
Ainda mais:
deste comportamento de Cristo podemos tirar muitos motivos para estimular-nos a
empreender com uma maior decisão a vida de santidade. Não chegaremos realmente
à perfeição e à total decisão com Deus, a não ser antepondo seu amor à vida
terrena, e propondo-nos lutar corajosamente pela verdade, tal como nos exortam
inclusive as circunstâncias atuais.
Belamente o
expressou nosso Senhor Jesus Cristo: O
que não carrega a sua cruz e não me segue, não é digno de mim. Em efeito,
tomar a cruz significa, conforme creio, nem mais nem menos que renunciar ao
mundo por ele e preterir – chegada a ocasião – a vida corporal aos bens que
esperamos, desde o momento em que nosso Senhor Jesus Cristo não se envergonha
de levar a cruz, e de sofrer por nosso amor.
Assim sendo, os
que seguem a Cristo estão também crucificados com ele: morrendo à sua antiga
conduta, são introduzidos em uma vida nova conforme ao evangelho. Por isso
dizia Paulo: Os que são de Cristo Jesus
crucificaram sua carne com suas paixões e concupiscências. E novamente,
como que falando de si, diz a todos: Na
realidade, pela fé eu morri para a lei, a fim de viver para Deus. Estou
crucificado com Cristo: Já não sou eu que vivo, mas Cristo que vive em mim.
E aos colossenses lhes disse: Se morreis
com Cristo aos elementos do mundo, por que vos submeteis às regras como se
ainda vivêsseis sujeitos ao mundo?
De fato, a morte
do elemento mundano que há em nós nos introduz na conversão e na vida de
Cristo.
Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp.
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