Antonin
Scalia, Juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos, faleceu no último dia 13 de
fevereiro. Foi um católico fervoroso e um grande defensor dos valores cristãos.
A Missa exequial foi celebrada no dia 20 no Santuário Nacional da Imaculada
Conceição em Washington, presidida pelo seu filho, Pe. Paul Scalia.
Pe.
Scalia pronunciou uma excelente homilia, centrada na fé cristã na vida eterna.
Segue a homilia na íntegra, traduzida pelo site do Padre Paulo Ricardo:
Eminentíssimo
Cardeal Wuerl,
Excelentíssimos
Dom Viganò, Dom Loverde, Dom Higgins,
Meus
irmãos no sacerdócio, diáconos, distintos convidados, queridos amigos e fiéis
aqui reunidos,
Em
nome de minha mãe e de toda a família Scalia, quero agradecer pela presença de
todos aqui, pelas palavras de consolo e, mais ainda, pelas muitas orações e
missas oferecidas pela morte de nosso pai, Antonin Scalia.
Agradeço
em particular ao Cardeal Wuerl, primeiro por ter vindo tão rápida e amavelmente
para consolar nossa mãe. Foi um consolo para ela e, portanto, também para nós.
Agradeço também por permitir-nos celebrar essa Missa "paroquial" de
Exéquias aqui nesta basílica dedicada a Nossa Senhora. Que grande privilégio e
consolação para nós fazer o nosso pai atravessar essa Porta Santa e ganhar para
ele a indulgência prometida aos que por elas entram com fé.
Agradeço
a presença de Dom Loverde, bispo de nossa diocese em Arlington, um pastor pelo
qual nosso pai nutria grande respeito e consideração. Obrigado pela visita
imediata a nossa mãe, por suas palavras de consolo e por suas orações.
A
família sairá para o enterro privado imediatamente após a Missa e não terá
tempo para receber visitas. Por isso, quero expressar os nossos agradecimentos
agora. A todos manifestamos o nosso mais profundo obrigado. Vocês verão no
programa a menção de um memorial que acontecerá em 1.º de março. Esperamos por
vocês nessa ocasião e rezamos para que o Senhor os recompense pela grande
bondade que demonstraram para conosco.
Estamos
reunidos aqui por causa de um homem. Um homem que muitos de nós conhecemos
pessoalmente, e que outros tantos conheceram pelo menos por reputação; um homem
amado por muitos, desprezado por outros; um homem conhecido por grande
controvérsia, e por grande compaixão. Este
homem, é claro, é Jesus de Nazaré.
É Ele
quem nós proclamamos: Jesus Cristo, Filho do Pai, nascido da Virgem Maria,
crucificado, sepultado, ressuscitado, sentado à direita do Pai. É por causa
d'Ele, por Sua vida, morte e ressurreição, que nosso luto não é como o daqueles
sem esperança, mas, confiantes, nós encomendamos Antonin Scalia à misericórdia
de Deus.
Dizem
as Escrituras que "Jesus Cristo é o mesmo ontem, hoje e sempre". E
isso define um bom caminho para as nossas meditações e orações aqui hoje.
Olhamos, com efeito, em três direções: para o ontem, em ação de graças; para o
hoje, em petição; e para a eternidade, com esperança.
Olhamos
para Jesus Cristo ontem - isto é, para o passado - em ação de graças pelas
bênçãos de que cumulou o nosso pai. Na
última semana, muitos contaram coisas que o nosso pai fez por elas, mas aqui
hoje, nós contamos o que Deus fez pelo nosso pai, como Ele o abençoou. Damos
graças, antes de tudo, pela morte redentora e pela ressurreição vivificante de
Jesus Cristo. Nosso Senhor morreu e ressuscitou não apenas por todos nós, mas
também por cada um de nós. E nesse momento nós olhamos para o ontem de Sua
morte e Sua ressurreição, e damos graças porque Ele morreu e ressuscitou pelo
nosso pai. Nós também damos graças porque Jesus lhe deu vida nova pelo Batismo,
o alimentou com a Eucaristia e o curou por meio da Confissão. Damos graças
porque Jesus o abençoou com 55 anos de matrimônio com a mulher que ele amava -
uma mulher capaz de segui-lo em cada passo e até mesmo mantê-lo responsável.
Deus
abençoou o nosso pai com uma profunda fé católica - a convicção de que a
presença e o poder de Cristo continuam no mundo hoje através do Seu Corpo, a
Igreja. Ele amou a clareza e a coerência da
doutrina da Igreja, teve em grande consideração as suas cerimônias, e
especialmente a beleza de sua antiga liturgia. Acreditou no poder
dos Sacramentos como meios de salvação - como Cristo que operava nele para a
sua própria salvação.
Contudo,
certa vez, numa tarde de sábado, ele me repreendeu por ouvir confissões durante
a tarde daquele mesmo dia. E eu espero que seja alguma fonte de consolação (se
houver algum advogado presente) o fato de que nem o colarinho romano podia poupar
alguém de suas críticas. O problema, naquela noite, não era eu estar ouvindo
confissões, mas ele ter entrado justamente na fila do meu confessionário. E ele
rapidamente saiu dela. Ele disse depois: "De jeito nenhum eu me confessar
com você!" O sentimento era mútuo.
Deus
abençoou o nosso pai, como se sabe, com um amor pelo seu país. Ele conhecia bem
as dificuldades com que foi fundada a nossa nação. E viu nessa fundação, assim
como os seus próprios fundadores a viram, uma bênção. Uma bênção que rapidamente se perde
quando a fé é banida da esfera pública, ou quando nos recusamos a levá-la a
público. Ele entendeu que não há nenhum conflito entre o amor a
Deus e o amor à própria pátria, entre a fé de alguém e o seu serviço público.
Nosso pai entendeu que, quanto mais se aprofundava em sua fé católica, melhor
cidadão e servidor público ele se tornava. Deus
o abençoou com um desejo de ser um bom servidor da pátria, porque primeiro ele
o era de Deus.
Entretanto,
nós da família Scalia damos graças a Deus por uma bênção particular que Ele lhe
concedeu. Deus abençou o nosso pai com um amor por sua família. Nós ficamos
muito felizes em ler e ouvir as várias palavras de louvor e admiração por ele,
por seu intelecto, por seus escritos, por seus discursos, por sua influência
etc. Mas o mais importante para nós - e para ele - é que ele foi pai. Ele foi o
pai que Deus nos deu para a grande aventura que é a vida em família. É claro
que às vezes ele esqueceu ou misturou os nossos nomes; mas nós, seus filhos,
somos em nove. Ele nos amou, e procurou mostrar esse amor, e procurou
compartilhar o dom da fé que ele estimava. E ele nos deu um ao outro, para que
tivéssemos apoio mútuo. Essa é a maior
riqueza que os pais podem acumular e, neste momento, nós somos particularmente
gratos por isso.
Nós
olhamos, então, para o passado, para Jesus Cristo ontem, e fazemos memória de
todas essas bênçãos, honrando e glorificando Nosso Senhor, porque é tudo obra
d'Ele.
Olhamos
para Jesus hoje, em petição - para o momento presente, aqui e agora, em que
estamos de luto por este que amamos e admiramos, e cuja falta sentimos. Hoje
nós rezamos por ele. Rezamos pelo descanso da sua alma. Damos graças a Deus por
sua bondade para com nosso pai, como é digno e justo. Mas também sabemos que,
mesmo crendo, a sua fé foi muito imperfeita, como é também a nossa. Ele tentou
amar a Deus no próximo, mas, assim como nós, fê-lo de modo muito imperfeito. Ele era um católico praticante -
praticante no sentido de que ainda não tinha chegado à perfeição. Ou,
melhor dizendo, Cristo ainda não o tinha levado à perfeição. E só aqueles que
Cristo leva à perfeição podem entrar no Céu. Estamos aqui, portanto, para
oferecer as nossas orações por esse aperfeiçoamento, por essa obra final da
graça de Deus, de libertar o nosso pai de toda carga de pecado.
Mas
não precisam levar em conta a minha palavra. O nosso próprio pai - não
surpreendentemente - tinha algo a dizer sobre o assunto. Escrevendo anos atrás
a um ministro presbiteriano com cujo funeral ele ficou admirado, ele resumiu
com uma certa gentileza as armadilhas dos funerais (e por que ele não gostava
dos elogios fúnebres). Ele escrevia que "mesmo quando o falecido foi uma
pessoa admirável - na verdade, especialmente quando o falecido foi uma pessoa
admirável - louvar as suas virtudes pode nos levar a esquecer que nós estamos
rezando e agradecendo a Deus por Sua inexplicável misericórdia com um
pecador." Mesmo agora, ele não teria se poupado disso. Estamos aqui, pois, como ele gostaria,
para implorar a inexplicável misericórdia de Deus para com um pecador - este
pecador, Antonin Scalia. Não mostremos um falso amor para com ele, nem deixemos que a nossa admiração o
prive de nossas preces.Continuaremos a demonstrar a nossa afeição e
fazer bem a ele se rezarmos por ele: para que toda mancha do pecado seja
lavada, para que todas as feridas sejam curadas, para que ele seja purificado
de tudo o que não seja Cristo. Para que ele descanse em paz.
Por
fim, olhamos para Jesus sempre, para a eternidade. Ou, melhor, consideramos o
nosso próprio lugar na eternidade, e se ela será com o Senhor. Mesmo quando
rezamos por nosso pai, para que entre depressa na eterna glória, devemos
lembrar de nós mesmos. Todo
funeral nos lembra quão tênue é o véu que separa este e o outro mundo, o tempo
e a eternidade, a oportunidade de conversão e o momento do juízo. Por
isso, não podemos sair os mesmos daqui. Não tem sentido algum celebrar a
bondade e a misericórdia de Deus para com o nosso pai se não estamos atentos e
não respondemos a essas realidades em nossas próprias vidas.Devemos deixar que esse encontro com a
eternidade nos mude, nos tire do pecado e nos converta para o Senhor. O
dominicano inglês Pe. Bede Jarrett o disse de forma muito bela quando rezou,
"Ó, poderoso Filho de Deus... enquanto preparas um lugar para nós,
prepara-nos também para aquele lugar bem-aventurado, para que possamos estar
contigo e com aqueles que amamos por toda a eternidade."
"Jesus
Cristo é o mesmo, ontem, hoje e sempre." Meus caros amigos, essa é também
a estrutura da Missa - a melhor oração que podemos oferecer por nosso pai,
porque não é nossa, mas do Senhor. A Missa lança o olhar a Jesus ontem, volta
para o passado - a Última Ceia, a crucificação, a ressurreição - e faz esses
mistérios e o seu poder presentes aqui, sobre esse altar. O próprio Jesus se
torna presente aqui hoje, sob as espécies do pão e do vinho, a fim de que
possamos unir todas as nossas orações de ação de graças, de luto e de petição
com o próprio Cristo, como uma oferta ao Pai. E tudo isso, com o olhar na
eternidade, que se estende até o Céu, onde esperamos gozar da perfeita união
com o próprio Deus e ver novamente o nosso pai, e com ele regozijar na comunhão
dos santos.
Antonin Scalia |
Nenhum comentário:
Postar um comentário