Hoje, 24 de abril de 2012, comemoramos sete anos do início do Ministério Petrino do Santo Padre, Bento XVI. Reproduzimos aqui a sua homilia na ocasião:
Santa Missa
Imposição do Pálio e entrega do Anel do Pescador
Imposição do Pálio e entrega do Anel do Pescador
Para o início do Ministério
Petrino do Bispo de Roma
Homilia
de Sua Santidade Bento XVI
Praça de São Pedro
Domingo, 24 de Abril de 2005
Domingo, 24 de Abril de 2005
Senhores Cardeais
Venerados Irmãos no episcopado e no sacerdócio
Distintas Autoridades e Membros do Corpo
Diplomático
Caríssimos Irmãos e Irmãs!
Por três vezes,
nestes dias tão intensos, o cântico das ladainhas dos Santos nos acompanhou:
durante o funeral do nosso Santo Padre João Paulo II; por ocasião da entrada
dos Cardeais em Conclave, e também hoje, quando as cantamos de novo com a
invocação: “Tu illum adiuva” - ampara
o novo sucessor de São Pedro. Todas as vezes, de modo totalmente particular
ouvi este cântico orante como um grande conforto. Quanto nos sentimos
abandonados depois da perda de João Paulo II! O Papa que por 26 anos foi o
nosso pastor e guia no caminho através deste tempo.
Ele cruzou o
limiar para a outra vida entrando no mistério de Deus. Mas não deu este passo
sozinho. Quem crê, nunca está sozinho nem na vida nem na morte. Naquele momento
nós pudemos invocar os santos de todos os séculos, os seus amigos, os seus
irmãos na fé, sabendo que teriam estado no cortejo vivo que o teria acompanhado
no além, até à glória de Deus. Nós sabemos que a sua chegada era esperada.
Agora sabemos que ele está entre os seus e está verdadeiramente em sua casa. De
novo, fomos confortados cumprindo a solene entrada em conclave, para eleger
aquele que o Senhor tinha escolhido. Como podíamos reconhecer o seu nome? Como podiam,
115 Bispos, provenientes de todas as culturas e países, encontrar aquele ao
qual o Senhor desejava conferir a missão de ligar e desligar? Mais uma vez, nós
o sabíamos: sabíamos que não estávamos sós, que estávamos circundados,
conduzidos e guiados pelos amigos de Deus.
E agora, neste
momento, eu, frágil servo de Deus, devo assumir esta tarefa inaudita, que
realmente supera qualquer capacidade humana. Como posso fazer isto? Como serei
capaz de o fazer? Todos vós, queridos amigos, acabaste de invocar todos os
santos, representados por alguns dos grandes nomes da história de Deus com os
homens. Desta forma, também em mim se reaviva esta autoconsciência: não estou
sozinho. Não devo carregar sozinho o que na realidade nunca poderia carregar
sozinho. Os numerosos santos de Deus protegem-me, amparam-me e guiam-me. E a
vossa oração, queridos amigos, a vossa indulgência, o vosso amor, a vossa fé e
a vossa esperança acompanham-me. De facto, à comunidade dos santos não
pertencem só as grandes figuras que nos precederam e das quais conhecemos os
nomes. Todos nós somos a comunidade dos santos, nós batizados em nome do Pai,
do Filho e do Espírito Santo, nós que vivemos do dom da carne e do sangue de
Cristo, por meio do qual ele nos quer transformar e tornar-nos semelhantes a si
mesmo.
Sim, a Igreja é
viva eis a maravilhosa experiência destes dias. Precisamente nos tristes dias
da doença e da morte do Papa isto manifestou-se de modo maravilhoso aos nossos
olhos: que a Igreja é viva. E a Igreja é jovem. Ela leva em si o futuro do
mundo e por isso mostra também a cada um de nós o caminho para o futuro. A
Igreja é viva e nós vemo-lo: experimentamos a alegria que o Ressuscitado
prometeu aos seus. A Igreja é viva ela é viva, porque Cristo é vivo, porque
verdadeiramente ele ressuscitou. No sofrimento, presente no rosto do Santo
Padre nos dias de Páscoa, contemplámos o mistério da paixão de Cristo e, ao
mesmo tempo, tocámos nas suas feridas. Mas em todos esses dias também pudemos,
num sentido profundo, tocar o Ressuscitado. Foi-nos concedido experimentar a
alegria que ele prometeu, depois de um breve tempo de obscuridade, como fruto
da sua ressurreição.
A Igreja é viva
saúdo assim com grande alegria e gratidão todos vós, que estais aqui reunidos,
venerados Irmãos Cardeais e Bispos, caríssimos sacerdotes, diáconos, agentes de
pastoral, catequistas. Saúdo a vós, religiosos e religiosas, testemunhas da
transfigurante presença de Deus. Saúdo a vós, irmãos leigos, imersos no grande
espaço da construção do Reino de Deus que se expande no mundo, em todas as
expressões da vida. O discurso torna-se repleto de afeto também na saudação que
dirijo a quantos, renascidos no sacramento do Batismo, ainda não estão em plena
comunhão conosco; e a vós irmãos do povo judaico, a quem nos sentimos ligados
por um grande patrimônio espiritual comum, que afunda as suas raízes nas
irrevogáveis promessas de Deus. O meu pensamento, por fim quase como uma onda
que se expande dirige-se a todos os homens do nosso tempo, crentes e não
crentes.
Queridos amigos!
Neste momento não temos necessidade de apresentar um programa de governo.
Alguns aspectos daquilo que eu considero minha tarefa, já tive ocasião de os
expor na mensagem de quarta-feira 20 de abril; não faltarão outras ocasiões
para o fazer. O meu verdadeiro programa de governo é não fazer a minha vontade,
não perseguir ideias minhas, pondo-me contudo à escuta, com a Igreja inteira,
da palavra e da vontade do Senhor e deixar-me guiar por Ele, de forma que seja
Ele mesmo quem guia a Igreja nesta hora da nossa história. Em vez de expor um
programa, gostaria simplesmente de procurar comentar os dois sinais com os
quais é representada liturgicamente a assunção do Ministério Petrino; contudo,
estes dois sinais refletem também exatamente o que é proclamado nas leituras de
hoje.
O primeiro sinal
é o Pálio, tecido em lã pura, que me é colocado sobre os ombros. Este
antiquíssimo sinal, que os Bispos de Roma usam desde o século IV, pode ser
considerado como uma imagem do jugo de Cristo, que o Bispo desta cidade, o Servo
dos Servos de Deus, assume sobre os seus ombros. O jugo de Deus é a vontade de
Deus, que nós aceitamos. Esta vontade não é para nós um peso exterior, que nos
oprime e nos priva da liberdade. Conhecer o que Deus quer, conhecer qual é o
caminho da vida eis a alegria de Israel, era o seu grande privilégio. Esta é
também a nossa alegria: a vontade de Deus não nos desvia, mas purifica-nos
talvez de maneira até dolorosa e assim conduz-nos a nós mesmos. Desta forma,
não servimos só a Ele mas à salvação de todo o mundo, de toda a história. Na
realidade o simbolismo do Pálio é ainda mais concreto: a lã do cordeiro
pretende representar a ovelha perdida ou também a doente e frágil, que o pastor
coloca sobre os ombros e conduz às águas da vida. A parábola da ovelha perdida,
que o pastor procura no deserto, era para os Padres da Igreja uma imagem do
mistério de Cristo e da Igreja. A humanidade todos nós é a ovelha perdida que,
no deserto, já não encontra o caminho. O Filho de Deus não tolera isto; Ele não
pode abandonar a humanidade numa condição tão miserável.
Levanta-se de
ímpeto, abandona a glória do céu, para reencontrar a ovelha e segui-la, até à
cruz. Carrega-a sobre os ombros, leva a nossa humanidade, leva-nos a nós mesmos
Ele é o bom pastor, que oferece a sua vida pelas ovelhas. O Pálio diz antes de
tudo que todos nós somos guiados por Cristo. Mas ao mesmo tempo convida-nos a
levar-nos uns aos outros. Assim o Pálio se torna o símbolo da missão do pastor,
de que falam a segunda leitura e o Evangelho. A santa preocupação de Cristo
deve animar o pastor: para ele não é indiferente que tantas pessoas vivam no
deserto. E existem tantas formas de deserto. Há o deserto da pobreza, o deserto
da fome e da sede, o deserto do abandono, da solidão, do amor destruído. Há o
deserto da obscuridão de Deus, do esvaziamento das almas que perderam a
consciência da dignidade e do caminho do homem. Os desertos exteriores
multiplicam-se no mundo, porque os desertos interiores tornaram-se tão amplos.
Por isso, os tesouros da terra já não estão ao serviço da edificação do jardim
de Deus, no qual todos podem viver, mas tornaram-se escravos dos poderes da
exploração e da destruição. A Igreja no seu conjunto, e os Pastores nela, como
Cristo, devem pôr-se a caminho, para conduzir os homens fora do deserto, para
lugares da vida, da amizade com o Filho de Deus, para Aquele que dá a vida, a
vida em plenitude. O símbolo do cordeiro tem ainda outro aspecto. No Antigo
Oriente era costume que os reis se designassem como pastores do seu povo. Esta
era uma imagem do seu poder, uma imagem cínica: os povos eram para eles como
ovelhas, das quais o pastor podia dispor como lhe aprazia. Enquanto o pastor de
todos os homens, o Deus vivo, se tornou ele mesmo cordeiro, pôs-se do lado dos
cordeiros, daqueles que são esmagados e mortos.
Precisamente
assim Ele se revela como o verdadeiro pastor: "Eu sou o bom pastor...
Ofereço a minha vida pelas minhas ovelhas", diz Jesus de si mesmo (cf. Jo 10,14s). Não é o poder que redime,
mas o amor! Este é o sinal de Deus: Ele mesmo é amor. Quantas vezes nós
desejaríamos que Deus se mostrasse mais forte. Que atingisse duramente,
vencesse o mal e criasse um mundo melhor. Todas as ideologias do poder se
justificam assim, justificando a destruição daquilo que se opõe ao progresso e
à libertação da humanidade. Nós sofremos pela paciência de Deus. E de igual
modo todos temos necessidade da sua plenitude. O Deus, que se tornou cordeiro,
diz-nos que o mundo é salvo pelo Crucificado e não por quem crucifica. O mundo
é redimido pela plenitude de Deus e destruído pela impaciência dos homens.
Uma das
características fundamentais do pastor deve ser a de amar os homens que lhe
foram confiados, assim como ama Cristo, a cujo serviço se encontra.
"Apascenta as minhas ovelhas", diz Cristo a Pedro, e a mim, neste
momento. Apascentar significa amar, e amar quer dizer também estar prontos para
sofrer. Amar significa: dar às ovelhas o verdadeiro bem, o alimento da verdade
de Deus, da palavra de Deus, o alimento da sua presença, que ele nos oferece no
Santíssimo Sacramento. Queridos amigos neste momento eu posso dizer apenas:
rezai por mim, para que eu aprenda cada vez mais a amar o Senhor. Rezai por
mim, para que eu aprenda a amar cada vez mais o seu rebanho vós, a Santa
Igreja, cada um de vós singularmente e todos vós juntos. Rezai por mim, para
que eu não fuja, por receio, diante dos lobos. Rezai uns pelos outros, para que
o Senhor nos guie e nós aprendamos a guiar-nos uns aos outros.
O segundo sinal,
com o qual é representado na liturgia de hoje o início do Ministério Petrino, é
a entrega do anel do pescador. A chamada de Pedro para ser pastor, que ouvimos
no Evangelho, acontece depois de uma pesca abundante: depois de uma noite,
durante a qual tinham lançado as redes sem pescar nada, os discípulos veem na
margem do lago o Senhor Ressuscitado. Ele ordena-lhes que voltem a pescar mais
uma vez e eis que a rede se enche tanto que eles não conseguem tirá-la para
fora da água; 153 peixes grandes: "E apesar de serem tantos, a rede não se
rompeu" (Jo 21,11). Esta
narração, no final do caminho terreno de Jesus com os seus discípulos,
corresponde a uma narração do início: também então os discípulos não tinham
pescado nada durante toda a noite; também então Jesus tinha convidado Simão a
fazer-se ao largo mais uma vez.
E Simão, que
ainda não era chamado Pedro, deu a admirável resposta: Mestre, porque tu o
dizes, lançarei as redes! E eis o conferimento da missão: "Não tenhas
receio; de futuro, serás pescador de homens" (Lc 5,1-11). Também hoje é dito à Igreja e aos sucessores dos
apóstolos que se façam ao largo no mar da história e que lancem as redes, para
conquistar os homens para o Evangelho para Deus, para Cristo, para a vida. Os
Padres dedicaram um comentário muito particular a esta tarefa. Eles dizem
assim: para o peixe, criado para a água, é mortal ser tirado para fora do mar.
Ele é privado do seu elemento vital para servir de alimento ao homem. Mas na
missão do pescador de homens acontece o contrário. Nós homens vivemos
alienados, nas águas salgadas do sofrimento e da morte; num mar de obscuridade
sem luz. A rede do Evangelho tira-nos para fora das águas da morte e conduz-nos
ao esplendor da luz de Deus, na verdadeira vida. É precisamente assim na missão
de pescador de homens, no seguimento de Cristo, é necessário conduzir os homens
para fora do mar salgado de todas as alienações rumo à terra da vida, rumo à
luz de Deus. É precisamente assim: nós existimos para mostrar Deus aos homens. E
só onde se vê Deus, começa verdadeiramente a vida. Só quando encontramos em
Cristo o Deus vivo, conhecemos o que é a vida. Não somos o produto casual e sem
sentido da evolução. Cada um de nós é o fruto de um pensamento de Deus. Cada um
de nós é querido, cada um de nós é amado, cada um é necessário. Não há nada
mais belo do que ser alcançados, surpreendidos pelo Evangelho, por Cristo. Não
há nada de mais belo do que conhecê-Lo e comunicar com os outros a Sua amizade.
A tarefa do pastor, do pescador de homens muitas vezes pode parecer cansativa.
Mas é bela e grande, porque em definitiva é um serviço à alegria, à alegria de
Deus que quer entrar no mundo.
Gostaria de
realçar aqui mais uma coisa: quer na imagem do pastor quer na do pescador
sobressai de maneira muito explícita a chamada à unidade. "Tenho ainda
outras ovelhas que não são deste redil. Também estas Eu preciso de as trazer e
hão de ouvir a minha voz; e haverá um só rebanho e um só pastor" (Jo 10,16), diz Jesus no final do sermão
do bom pastor. E a narração dos 153 grandes peixes termina com a gloriosa
constatação: "apesar de serem tantos, a rede não se rompeu" (Jo 21,11). Ai de mim, amado Senhor,
agora ela rompeu-se! Poderíamos dizer que sofremos. Mas não devemos estar
tristes! Alegremo-nos pela tua promessa, que não desilude, e façamos o possível
para percorrer o caminho rumo à unidade, que tu prometeste. Façamos memória
dela na oração ao Senhor, como pedintes: sim, Senhor, recorda-te de tudo o que
prometeste. Faz com que sejam um só pastor e um só rebanho! Não permitas que a
tua rede se rompa e ajuda-nos a ser servos da unidade!
Neste momento a
minha recordação volta ao dia 22 de outubro de 1978, quando o Papa João Paulo
II deu início ao seu ministério aqui na Praça de São Pedro. Ainda, e continuamente,
ressoam aos meus ouvidos as suas palavras de então: "Não tenhais medo,
abri de par em par as portas a Cristo!" O Papa dirigia-se aos fortes, aos
poderosos do mundo, os quais tinham medo que Cristo pudesse tirar algo ao seu
poder, se o tivessem deixado entrar e concedido a liberdade à fé. Sim, ele
ter-lhes-ia certamente tirado algo: o domínio da corrupção, da perturbação do
direito, do arbítrio. Mas não teria tirado nada do que pertence à liberdade do
homem, à sua dignidade, à edificação de uma sociedade justa. O Papa falava
também a todos os homens, sobretudo aos jovens. Porventura não temos todos nós,
de um modo ou de outro, medo, se deixarmos entrar Cristo totalmente dentro de
nós, se nos abrirmos completamente a Ele, medo de que Ele possa tirar-nos algo
da nossa vida? Não temos porventura medo de renunciar a algo de grandioso,
único, que torna a vida tão bela? Não arriscamos depois de nos encontrarmos na
angústia e privados da liberdade? E mais uma vez o Papa queria dizer: não! Quem
faz entrar Cristo, nada perde, nada absolutamente nada daquilo que torna a vida
livre, bela e grande. Não! Só nesta amizade se abrem de par em par as portas da
vida. Só nesta amizade se abrem realmente as grandes potencialidades da
condição humana. Só nesta amizade experimentamos o que é belo e o que liberta.
Assim, eu gostaria com grande força e convicção, partindo da experiência de uma
longa vida pessoal, de vos dizer hoje, queridos jovens: não tenhais medo de
Cristo! Ele não tira nada, ele dá tudo. Quem se doa por Ele, recebe o cêntuplo.
Sim, abri de par em par as portas a Cristo e encontrareis a vida verdadeira.
Amém.
Fonte: Site da Santa Sé
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