quinta-feira, 15 de junho de 2023

Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio: Jesus Cristo 1

Nesta postagem trazemos a 1ª Catequese do Papa São João Paulo II sobre Jesus Cristo. Para acessar a postagem introdutória a esta série, com os links para todas as meditações, clique aqui.

Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio
CREIO EM JESUS CRISTO

A PESSOA DE JESUS CRISTO

I. Jesus Cristo, Messias prometido no Antigo Testamento

1. A identidade de Jesus Cristo
João Paulo II - 07 de janeiro de 1987

E vós, quem dizeis que Eu sou?” (Mt 16,15).
1. Ao iniciar o ciclo de Catequeses sobre Jesus Cristo, de fundamental importância para a fé e a vida cristã, nos sentimos interpelados pela mesma pergunta que há quase dois mil anos o Mestre dirigiu a Pedro e aos discípulos que estavam com Ele. Naquele momento decisivo da sua vida, como narra Mateus em seu Evangelho, o qual foi testemunha disso: “Jesus foi à região de Cesareia de Filipe e ali perguntou aos seus discípulos: ‘Quem dizem os homens ser o Filho do Homem?’. Eles responderam: ‘Alguns dizem que é João Batista; outros, que é Elias; outros, que é Jeremias ou um dos profetas’. Então disse-lhes: ‘E vós, quem dizeis que Eu sou?’” (Mt 16,13-15).

Conhecemos a resposta direta e impetuosa de Pedro: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo" (Mt 16,16). Para podermos também nós formular nossa resposta, não tanto em termos abstratos, mas como expressão de uma experiência vital, fruto do dom do Pai (cf. Mt 16,17), cada um de nós deve deixar-se tocar pessoalmente pela pergunta: “E tu, quem dizes que Eu sou? Tu, que ouves falar de mim, quem sou Eu verdadeiramente para ti?”. A Pedro a iluminação divina e a resposta da fé vieram depois de um longo período de proximidade a Jesus, de escuta da sua palavra e de observação da sua vida e do seu ministério (cf. Mt 16,21-24).

“E vós, quem dizeis que Eu sou?”
O primado de Pedro (James Tissot, detalhe)

Também nós, para chegar a uma mais consciente confissão de Jesus Cristo, devemos percorrer, como Pedro, um caminho feito de escuta atenta, diligente. Devemos colocarmo-nos na escola dos primeiros discípulos, que se tornaram suas testemunhas e nossos mestres, e ao mesmo tempo acolher a experiência e o testemunho de nada menos que vinte séculos de história no sulco da pergunta do Mestre e enriquecidos pelo imenso coro das respostas dos fiéis de todos os tempos e lugares. Hoje, enquanto o Espírito, “Senhor que dá a vida”, nos conduz ao umbral do terceiro milênio cristão, somos chamados a, com renovada alegria, dar a resposta que Deus nos inspira e espera de nós, quase como para que se realize um novo nascimento de Jesus Cristo na nossa história.

2. A pergunta de Jesus sobre a sua identidade mostra a sutileza pedagógica de quem não confia em respostas apressadas, mas quer uma resposta amadurecida através de um tempo, às vezes largo, de reflexão e de oração, na escuta atenta e intensa da verdade da fé cristã professada e pregada pela Igreja.

Reconhecemos, com efeito, que diante de Jesus não podemos nos contentar com uma simpatia simplesmente humana, ainda que legítima e preciosa, não é suficiente considerá-lo apenas como um personagem digno de interesse histórico, teológico, espiritual, social ou como fonte de inspiração artística. Em torno a Cristo vemos muitas vezes tremular, inclusive entre os cristãos, as sombras da ignorância, ou aquelas ainda mais dolorosas da má compreensão e mesmo da infidelidade. Está sempre presente o risco de recorrer ao “Evangelho de Jesus” sem verdadeiramente conhecê-lo em sua grandeza e radicalidade e sem viver o que se afirma nas palavras. Quantos são os que reduzem o Evangelho à sua medida e fazem para si um “Jesus” mais cômodo, negando sua divindade transcendente ou diluindo sua real, histórica humanidade, ou ainda manipulando a integridade da sua mensagem, particularmente não tendo em conta o sacrifício da cruz, que domina a sua vida e sua doutrina, ou a Igreja que Ele instituiu como seu “sacramento” na história.

Também estas sombras nos estimulam à busca da verdade plena sobre Jesus, acolhendo as muitas luzes que, como uma vez com Pedro, o Pai acendeu ao longo dos séculos em torno a Jesus no coração de tantos homens com a força do Espírito Santo: as luzes das testemunhas fiéis até o martírio; as luzes de tantos estudiosos apaixonados, empenhados em perscrutar o mistério de Jesus com o instrumento da inteligência sustentada pela fé; as luzes que sobretudo o Magistério da Igreja, guiado pelo carisma do Espírito Santo, acendeu com as definições dogmáticas sobre Jesus Cristo.

Reconhecemos que um estímulo para descobrir quem é verdadeiramente Jesus está presente na busca incerta e trepidante de muitos contemporâneos nossos, tão semelhantes a Nicodemos, que “foi se encontrar com Jesus de noite” (Jo 3,2), ou a Zaqueu, que subiu em uma árvore para “ver Jesus” (Lc 19,3-4). O desejo de ajudar cada homem a descobrir Jesus, que veio como médico para os enfermos e como salvador para os pecadores (cf. Mc 2,17), leva-me a assumir a exigente e apaixonante tarefa de apresentar a figura de Jesus aos filhos da Igreja e a todo homem de boa vontade.

Talvez recordeis que, no início do meu pontificado, dirigi aos homens de hoje o convite a “abrir, melhor, escancarar as portas a Cristo” (Homilia na Missa de Início do Ministério Petrino, 22 de outubro de 1978). Depois, na Exortação Catechesi tradendae, dedicada à catequese, fazendo-me porta-voz do pensamento dos Bispos reunidos na IV Assembleia Geral do Sínodo, afirmei que “o objeto essencial e primordial da catequese (...) é o ‘mistério de Cristo’. Catequizar é, de certo modo, levar alguém a perscrutar este mistério em todas as suas dimensões (...); é procurar descobrir na Pessoa de Cristo todo o desígnio eterno de Deus que nela se realiza. (...) somente Ele pode levar ao amor do Pai no Espírito e fazer-nos participar na vida da Santíssima Trindade” (Catechesi tradendae, n. 5).

Percorreremos juntos este itinerário catequético ordenando as nossas considerações em torno a quatro eixos:
1) Jesus na sua realidade histórica e na sua condição messiânica transcendente, filho de Abraão, Filho do homem e Filho de Deus;
2) Jesus na sua identidade de verdadeiro Deus e verdadeiro homem, em profunda comunhão com o Pai e animado pela força do Espírito Santo, como nos é apresentado no Evangelho;
3) Jesus aos olhos da Igreja que, com a assistência do Espírito Santo, esclareceu e aprofundou os dados revelados, oferecendo-nos, especialmente com os Concílios Ecumênicos, formulações precisas da fé cristológica;
4) Por fim, Jesus na sua vida e nas suas obras, Jesus na sua Paixão redentora e na sua glorificação, Jesus no meio de nós e em nós, na história e na sua Igreja até o fim do mundo (cf. Mt 28,20).

3. É certamente verdade que na Igreja há muitos modos de catequizar o povo de Deus sobre Jesus. Cada um deles, todavia, para ser autêntico deve haurir o seu conteúdo da fonte perene da sagrada Tradição e da Sagrada Escritura, interpretada à luz dos ensinamentos dos Padres e Doutores da Igreja, da Liturgia, da fé e da piedade popular; em una palavra, da Tradição viva e operante na Igreja sob a ação do Espírito Santo, que - segundo a promessa do Mestre - “vos guiará a toda a verdade. Ele não falará de si mesmo, mas dirá tudo quanto tiver ouvido e vos anunciará as coisas que hão de vir” (Jo 16,13). Esta Tradição a reconhecemos expressa e sintetizada particularmente na doutrina dos sacrossantos Concílios, recolhida nos Símbolos da fé e aprofundada pela reflexão teológica fiel à Revelação e ao Magistério da Igreja.

Para que serviria uma catequese sobre Jesus se não tivesse a autenticidade e a plenitude do olhar com o qual a Igreja contempla, reza e anuncia seu mistério? Por outro lado, se requer uma sabedoria pedagógica que, ao dirigir-se aos destinatários da catequese, saiba ter em conta suas condições e suas necessidades. Como escrevi na Exortação antes citada, Catechesi tradendae: “A preocupação constante de todo o catequista, seja qual for o nível das suas responsabilidades na Igreja, deve ser a de fazer passar, através do seu ensino e do seu modo de comportar-se, a doutrina e a vida de Jesus” (n. 6).

4. Concluamos esta Catequese introdutória recordando que Jesus, em um momento particularmente difícil da vida dos primeiros discípulos, isto é, quando a cruz se aproximava e muitos o abandonavam, dirigiu aos que haviam permanecido com Ele outra das suas perguntas tão fortes, tão penetrantes e inevitáveis: “Vós também quereis ir embora?”. Foi de novo Pedro quem, como intérprete dos seus irmãos, lhe respondeu: “A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna. Nós cremos e sabemos que Tu és o Santo de Deus” (Jo 6,67-69). Que estes nossos apontamentos catequéticos possam tornar-nos sempre mais disponíveis a deixarmo-nos interrogar por Jesus, capazes de ter a resposta certa às suas perguntas, dispostos a compartilhar até o fim a sua vida.

“Procurai abrir, melhor, escancarar as portas a Cristo!”
(João Paulo II, Missa de Início do Ministério Petrino, 22 de outubro de 1978)

Tradução nossa a partir do texto italiano divulgado no site da Santa Sé (07 de janeiro de 1987). 

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