Santo Agostinho
Sermão 20A
O
Senhor viu neles um desejo de grandeza e se dignou ensinar-lhes o caminho da
humildade
Dois discípulos
de nosso Senhor, os santos e ilustres irmãos João e Tiago, desejaram do Senhor
nosso Deus, conforme lemos no Evangelho, o sentar-se em seu reino um à sua
direita e o outro à sua esquerda. Não desejaram ser reis da terra, não
desejaram de nosso Senhor honras perecedouras, nem ser cumulados de riquezas,
nem ver-se rodeados de numerosa família, nem ser venerados por súditos, nem ser
bajulados por aduladores; mas pediram algo grande e duradouro: ocupar algumas
cadeiras imperecíveis no Reino de Deus.
Desejaram uma
grande coisa! Não foram repreendidos em seu desejo, porém foram encaminhados
para uma ordem. O Senhor viu neles um desejo de grandeza e se dignou
ensinar-lhes o caminho da humildade, como que lhes dizendo: “Percebes o que
desejais, percebes que eu estou convosco; e eu que vos fiz e desci até vós,
cheguei até a humilhar-me por vós”. Estas palavras que vos narro não aparecem
no Evangelho; contudo, expresso o sentido do que se lê no Evangelho.
Convido-vos
agora para pensar nas palavras que se leem no Evangelho, para que vejais de
onde saíram as palavras que vos disse. Uma vez que o Senhor escutou a petição
dos irmãos, lhes disse: Podeis beber o
cálice que eu vou beber? Vós desejais sentar-vos ao meu lado, porém antes
deveis contestar-me ao que vos pergunto: Podeis
beber o cálice que eu vou beber? A vós, que buscais postos de grandeza, não
vos é amargo o cálice da humildade? Ali onde se impõe um preceito duro, ali há
um grande consolo. Os homens se negam a beber o cálice da paixão, o cálice da
humilhação. Aspiram a coisas mais sublimes? Amem antes de tudo as coisas
humildes. Partindo do humilde se chega ao sublime.
Ó homem! Tu
tinhas medo de suportar as afrontas da humilhação. Porém, te convém beber o
cálice amargo da paixão. Tuas vísceras estão irritadas, tens inflamadas as
entranhas. Bebe a amargura para conseguir a saúde. Bebeu-a o médico são, e não
a quer beber o enfermo debilitado? O Senhor disse aos filhos de Zebedeu: Podeis beber o cálice? Não lhes disse:
“Podeis beber o cálice das afrontas, o cálice do fel, o cálice do vinagre, o
cálice amarguíssimo, o cálice cheio de veneno, o cálice de todo tipo de dores?”
Se tivesse lhes dito isto, lhes teria atemorizado em vez de animar-lhes. Onde
há participação, também se dá o consolo.
Por que
desdenhas este cálice, ó servo? O Senhor o bebeu. Por que o desprezas, ó
enfermo? O médico o bebeu. Por que o desprezas, ó homem fraco? O são o bebeu. Podeis beber o cálice que eu hei de beber?
Naquele momento, eles, ávidos de grandeza, ignorando as suas forças e
prometendo o que ainda não tinham, dizem: Podemos.
O Senhor lhes contesta: Bebereis certamente
meu cálice, já que vos dou para beber, já que vos farei de fracos fortes,
vos concedo a graça de padecer para que bebais o cálice da humildade; porém, não está em meu poder o sentar-vos à
minha direita ou à minha esquerda, senão para aqueles para os quais foram
preparados por meu Pai.
Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp. 490-491. Para adquiri-lo no site da Editora Vozes, clique aqui.
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