Continuando a série sobre dez aspectos da Reforma Litúrgica do Concílio Vaticano II, o site Vatican News publicou recentemente duas reflexões
sobre a valorização da Palavra e do ambão pela reforma conciliar:
No nosso espaço Memória Histórica - 50 anos do Concílio
Vaticano II, vamos continuar a falar sobre a reforma litúrgica, tratando no
programa de hoje sobre o tema "A mesa da Palavra".
Temos dedicado muitas edições deste nosso espaço à alguns
aspectos da reforma litúrgica trazida pelo evento conciliar, por meio de um
importante documento, a Constituição Sacrosanctum
Concilium. Os últimos quatro programas, em particular, foram dedicados à
participação dos fiéis na Liturgia. O padre Gerson Schmidt, que tem nos
acompanhado neste percurso, nos fala hoje sobre "A mesa da Palavra -
resgate do Concílio":
"Estamos já há um bom tempo, propondo em nossa memória
histórica do Concílio, 10 aspectos da Renovação Litúrgica proposta pela Constituição Sacrosanctum Concilium.
Poderiam ser outros mais. Mas optamos por 10, dos quais já alguns abordamos
aqui. Hoje queremos no deter na valorização da Palavra e do ambão (Mesa da
Palavra), proposta pelos padres conciliares.
Aqui precisamos fazer um resgate histórico do contexto,
antes da realização do Concilio. Desde Trento até o Concilio Vaticano II, a
Palavra de Deus ficou 400 anos esquecida, reservada e quase engavetada. Como
reação à perigosa interpretação pessoal da Bíblia proposta por Lutero (Sola Spriptura – Sola Fides), separando
a Palavra da Tradição e do Magistério da Igreja, houve um período que se fechou
praticamente a Escritura.
A própria Igreja recomendou a não leitura aleatória da Sagrada
Escritura. Não se podia ler a Bíblia de qualquer jeito. Certos livros da Bíblia
eram até proibidos de ler, como o Cântico dos Cânticos. Era necessário uma
formação cristã e a Igreja achou por bem não deixar a Bíblia ser lida e mal
interpretada pelo povo sem instrução alguma.
O Antigo Testamento, na época, era desconhecido.
Comentavam-se os Evangelhos, desligados de toda a história bíblica do Povo de
Israel de maneira puramente moralista, piedosa e utópica.
Além disso, sabia-se que a Palavra de Deus era proclamada em
latim, língua oficial e usual, mas que, com o passar dos anos, ninguém entendia
mais nada.
Tanto se desprezava a Liturgia da Palavra que a missa, na
mentalidade da época, era válida a partir do Ofertório em diante. Os homens
saiam para fumar e voltavam depois do Ofertório ou já se chegava naquele
momento no Ofertório.
Por isso, o movimento bíblico, iniciado antes do Concílio
Vaticano II, vinha fomentando o retorno à riqueza da Palavra, que depois
culmina na redação e aprovação da Constituição Dogmática Dei Verbum – valorizando toda a revelação da Palavra, dentro da
história milenar, vinculando-a na tradição e no autêntico Magistério.
E a partir dessa nova consciência da importância da Sagrada
Escritura, acentuada e revalorizada no Concílio, rendendo a ela uma abordagem
especial, começa a se valorizar mais em nossas igrejas atuais a mesa da Palavra,
o ambão, a Liturgia da Palavra, a homilia, bem como nossa resposta frente a
proposta de Deus, expressa na Sagrada Escritura.
Começa a se criar uma nova mentalidade que a Missa tem valor
desde o seu início. Não se negligencia mais a Liturgia da Palavra. “Desprezar
as Escrituras – dizia São Jerônimo – é desprezar o próprio Cristo”. Não se fica
apático ou alheio à Palavra proclamada. Ela exige uma resposta do ouvinte, como
um apelo divino.
As Bíblias, depois desse rica Constituição Dogmática Dei
Verbum, começam a ser desengavetadas. Exige-se na Liturgia a valorização da
Palavra, um lugar destacado de sua proclamação na assembleia reunida. As
estruturas da igrejas novas terão um destaque do Ambão, como boca de Deus para
proclamação, não só leitura, da Palavra. Os ministérios de leitores serão
revalorizados. Requer-se ouvidos de discípulos atentos à voz de Deus, a vontade
de Deus expressa no Santo Livro.
No nosso Espaço Memória Histórica – 50 anos do Concílio
Vaticano II, vamos tratar no programa de hoje sobre a Exortação Pós-sinodal Verbum Domini.
Dentro do tema da reforma litúrgica trazida pela
Constituição Sacrosanctum Concilium,
tratamos no programa passado deste nosso espaço sobre a valorização da Palavra
e do ambão (Mesa da Palavra), proposta pelos Padres conciliares.
No programa de hoje, o Padre Gerson Schmidt que tem nos
acompanhado neste percurso dos documentos conciliares, nos fala sobre a
Exortação Verbum Domini, do Papa
Bento XVI, que também chama a atenção para a importância a ser dada à Liturgia Sagrada:
Após o Concilio houve uma revalorização da Palavra na Igreja
e especialmente na Liturgia. A Palavra tem boca, tem rosto, tem casa e tem um
caminho.
Foi essa comparação belíssima utilizada pelos bispos
reunidos no Sínodo de 2008 – celebrando o aniversário dos 40 anos da Dei Verbum. Depois de cada sínodo, o
Sumo Pontífice redige uma Exortação Apostólica Pós-sinodal.
Essas iluminadoras imagens aparecem na Verbum Domini, escrita pelo Papa Bento XVI. Nessa Exortação Verbum Domini, se diz assim:
“Considerando a Igreja como casa da Palavra, deve-se antes de tudo dar atenção
à Liturgia sagrada” (Verbum Domini,
52).
Por isso, frente a essa resposta do homem a Deus amoroso e
amigo que se revela pela sua Palavra, na Verbum
Domini, o Papa Bento XVI escreve dessa forma:
“Nesta perspectiva, todo o homem aparece como o destinatário
da Palavra, interpelado e chamado a entrar, por uma resposta livre, em tal
diálogo de amor. Assim Deus torna cada um de nós capaz de escutar e responder à
Palavra divina. O homem é criado na Palavra e vive nela; e não se pode
compreender a si mesmo, se não se abre a este diálogo. A Palavra de Deus revela
a natureza filial e relacional da nossa vida. Por graça, somos verdadeiramente
chamados a configurar-nos com Cristo, o Filho do Pai, e a ser transformados
n’Ele” (Verbum Domini, 22).
Mas essa resposta não é de qualquer jeito. O Papa Bento
recordava a necessidade do Espírito Santo para a interpretação correta das
Escrituras:
“Conscientes deste horizonte pneumatológico, os Padres
sinodais quiseram lembrar a importância da ação do Espírito Santo na vida da
Igreja e no coração dos fiéis relativamente à Sagrada Escritura: sem a ação
eficaz do «Espírito da Verdade» (Jo 14,16), não se podem compreender as
palavras do Senhor. (...) Os grandes escritores da tradição cristã são unânimes
ao considerar o papel do Espírito Santo na relação que os fiéis devem ter com
as Escrituras. São João Crisóstomo afirma que a Escritura «tem necessidade da
revelação do Espírito, a fim de que, descobrindo o verdadeiro sentido das
coisas que nela se encerram, disso mesmo tiremos abundante proveito». Também
São Jerônimo está firmemente convencido de que «não podemos chegar a
compreender a Escritura sem a ajuda do Espírito Santo que a inspirou». Depois,
São Gregório Magno sublinha, de modo sugestivo, a obra do mesmo Espírito na
formação e na interpretação da Bíblia: «Ele mesmo criou as palavras dos
Testamentos Sagrados, Ele mesmo as desvendou».
Ricardo de São Víctor recorda que são necessários «olhos de pomba»,
iluminados e instruídos pelo Espírito, para compreender o texto sagrado” (Verbum Domini, 16).
A Exortação Apostólica Pós-sinodal Verbum Domini, do Papa Bento XVI, reutiliza também essa imagem da
Palavra que tem um rosto: Jesus Cristo.
O Papa, agora emérito, lembra nesse documento uma expressão
forte dos Padres da Igreja, com P maiúsculo, entendendo os primeiros Santos do
início do Cristianismo: O Verbo abreviou-Se.
Esse termo os Padres da Igreja tiraram do livro do Profeta
Isaías, repetida pelo próprio São Paulo, que diz: “O Senhor compendiou a sua
Palavra, abreviou-a” (Is 10,23; Rm 9,28). O próprio Filho é a Palavra, é o
Logos: a Palavra eterna fez-Se pequena; tão pequena que coube numa manjedoura -
diz o Papa. Fez-Se criança, para que a Palavra possa ser compreendida por nós».
E conclui Bento XVI: “Desde então a Palavra já não é apenas audível, não possui
somente uma voz; agora a Palavra tem um rosto, que por isso mesmo podemos ver:
Jesus de Nazaré”.
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