segunda-feira, 16 de abril de 2018

A valorização da Palavra e do ambão


Continuando a série sobre dez aspectos da Reforma Litúrgica do Concílio Vaticano II, o site Vatican News publicou recentemente duas reflexões sobre a valorização da Palavra e do ambão pela reforma conciliar:

No nosso espaço Memória Histórica - 50 anos do Concílio Vaticano II, vamos continuar a falar sobre a reforma litúrgica, tratando no programa de hoje sobre o tema "A mesa da Palavra".
Temos dedicado muitas edições deste nosso espaço à alguns aspectos da reforma litúrgica trazida pelo evento conciliar, por meio de um importante documento, a Constituição Sacrosanctum Concilium. Os últimos quatro programas, em particular, foram dedicados à participação dos fiéis na Liturgia. O padre Gerson Schmidt, que tem nos acompanhado neste percurso, nos fala hoje sobre "A mesa da Palavra - resgate do Concílio":
"Estamos já há um bom tempo, propondo em nossa memória histórica do Concílio, 10 aspectos da Renovação Litúrgica proposta pela Constituição Sacrosanctum Concilium. Poderiam ser outros mais. Mas optamos por 10, dos quais já alguns abordamos aqui. Hoje queremos no deter na valorização da Palavra e do ambão (Mesa da Palavra), proposta pelos padres conciliares.
Aqui precisamos fazer um resgate histórico do contexto, antes da realização do Concilio. Desde Trento até o Concilio Vaticano II, a Palavra de Deus ficou 400 anos esquecida, reservada e quase engavetada. Como reação à perigosa interpretação pessoal da Bíblia proposta por Lutero (Sola Spriptura – Sola Fides), separando a Palavra da Tradição e do Magistério da Igreja, houve um período que se fechou praticamente a Escritura.
A própria Igreja recomendou a não leitura aleatória da Sagrada Escritura. Não se podia ler a Bíblia de qualquer jeito. Certos livros da Bíblia eram até proibidos de ler, como o Cântico dos Cânticos. Era necessário uma formação cristã e a Igreja achou por bem não deixar a Bíblia ser lida e mal interpretada pelo povo sem instrução alguma.
O Antigo Testamento, na época, era desconhecido. Comentavam-se os Evangelhos, desligados de toda a história bíblica do Povo de Israel de maneira puramente moralista, piedosa e utópica.
Além disso, sabia-se que a Palavra de Deus era proclamada em latim, língua oficial e usual, mas que, com o passar dos anos, ninguém entendia mais nada.
Tanto se desprezava a Liturgia da Palavra que a missa, na mentalidade da época, era válida a partir do Ofertório em diante. Os homens saiam para fumar e voltavam depois do Ofertório ou já se chegava naquele momento no Ofertório.
Por isso, o movimento bíblico, iniciado antes do Concílio Vaticano II, vinha fomentando o retorno à riqueza da Palavra, que depois culmina na redação e aprovação da Constituição Dogmática Dei Verbum – valorizando toda a revelação da Palavra, dentro da história milenar, vinculando-a na tradição e no autêntico Magistério.
E a partir dessa nova consciência da importância da Sagrada Escritura, acentuada e revalorizada no Concílio, rendendo a ela uma abordagem especial, começa a se valorizar mais em nossas igrejas atuais a mesa da Palavra, o ambão, a Liturgia da Palavra, a homilia, bem como nossa resposta frente a proposta de Deus, expressa na Sagrada Escritura.
Começa a se criar uma nova mentalidade que a Missa tem valor desde o seu início. Não se negligencia mais a Liturgia da Palavra. “Desprezar as Escrituras – dizia São Jerônimo – é desprezar o próprio Cristo”. Não se fica apático ou alheio à Palavra proclamada. Ela exige uma resposta do ouvinte, como um apelo divino.
As Bíblias, depois desse rica Constituição Dogmática Dei Verbum, começam a ser desengavetadas. Exige-se na Liturgia a valorização da Palavra, um lugar destacado de sua proclamação na assembleia reunida. As estruturas da igrejas novas terão um destaque do Ambão, como boca de Deus para proclamação, não só leitura, da Palavra. Os ministérios de leitores serão revalorizados. Requer-se ouvidos de discípulos atentos à voz de Deus, a vontade de Deus expressa no Santo Livro.


No nosso Espaço Memória Histórica – 50 anos do Concílio Vaticano II, vamos tratar no programa de hoje sobre a Exortação Pós-sinodal Verbum Domini.
Dentro do tema da reforma litúrgica trazida pela Constituição Sacrosanctum Concilium, tratamos no programa passado deste nosso espaço sobre a valorização da Palavra e do ambão (Mesa da Palavra), proposta pelos Padres conciliares.
No programa de hoje, o Padre Gerson Schmidt que tem nos acompanhado neste percurso dos documentos conciliares, nos fala sobre a Exortação Verbum Domini, do Papa Bento XVI, que também chama a atenção para a importância a ser dada à Liturgia Sagrada:
Após o Concilio houve uma revalorização da Palavra na Igreja e especialmente na Liturgia. A Palavra tem boca, tem rosto, tem casa e tem um caminho.
Foi essa comparação belíssima utilizada pelos bispos reunidos no Sínodo de 2008 – celebrando o aniversário dos 40 anos da Dei Verbum. Depois de cada sínodo, o Sumo Pontífice redige uma Exortação Apostólica Pós-sinodal.
Essas iluminadoras imagens aparecem na Verbum Domini, escrita pelo Papa Bento XVI. Nessa Exortação Verbum Domini, se diz assim: “Considerando a Igreja como casa da Palavra, deve-se antes de tudo dar atenção à Liturgia sagrada” (Verbum Domini, 52).
Por isso, frente a essa resposta do homem a Deus amoroso e amigo que se revela pela sua Palavra, na Verbum Domini, o Papa Bento XVI escreve dessa forma:
“Nesta perspectiva, todo o homem aparece como o destinatário da Palavra, interpelado e chamado a entrar, por uma resposta livre, em tal diálogo de amor. Assim Deus torna cada um de nós capaz de escutar e responder à Palavra divina. O homem é criado na Palavra e vive nela; e não se pode compreender a si mesmo, se não se abre a este diálogo. A Palavra de Deus revela a natureza filial e relacional da nossa vida. Por graça, somos verdadeiramente chamados a configurar-nos com Cristo, o Filho do Pai, e a ser transformados n’Ele” (Verbum Domini, 22).
Mas essa resposta não é de qualquer jeito. O Papa Bento recordava a necessidade do Espírito Santo para a interpretação correta das Escrituras:
“Conscientes deste horizonte pneumatológico, os Padres sinodais quiseram lembrar a importância da ação do Espírito Santo na vida da Igreja e no coração dos fiéis relativamente à Sagrada Escritura: sem a ação eficaz do «Espírito da Verdade» (Jo 14,16), não se podem compreender as palavras do Senhor. (...) Os grandes escritores da tradição cristã são unânimes ao considerar o papel do Espírito Santo na relação que os fiéis devem ter com as Escrituras. São João Crisóstomo afirma que a Escritura «tem necessidade da revelação do Espírito, a fim de que, descobrindo o verdadeiro sentido das coisas que nela se encerram, disso mesmo tiremos abundante proveito». Também São Jerônimo está firmemente convencido de que «não podemos chegar a compreender a Escritura sem a ajuda do Espírito Santo que a inspirou». Depois, São Gregório Magno sublinha, de modo sugestivo, a obra do mesmo Espírito na formação e na interpretação da Bíblia: «Ele mesmo criou as palavras dos Testamentos Sagrados, Ele mesmo as desvendou».  Ricardo de São Víctor recorda que são necessários «olhos de pomba», iluminados e instruídos pelo Espírito, para compreender o texto sagrado” (Verbum Domini, 16).
A Exortação Apostólica Pós-sinodal Verbum Domini, do Papa Bento XVI, reutiliza também essa imagem da Palavra que tem um rosto: Jesus Cristo.
O Papa, agora emérito, lembra nesse documento uma expressão forte dos Padres da Igreja, com P maiúsculo, entendendo os primeiros Santos do início do Cristianismo: O Verbo abreviou-Se.
Esse termo os Padres da Igreja tiraram do livro do Profeta Isaías, repetida pelo próprio São Paulo, que diz: “O Senhor compendiou a sua Palavra, abreviou-a” (Is 10,23; Rm 9,28). O próprio Filho é a Palavra, é o Logos: a Palavra eterna fez-Se pequena; tão pequena que coube numa manjedoura - diz o Papa. Fez-Se criança, para que a Palavra possa ser compreendida por nós». E conclui Bento XVI: “Desde então a Palavra já não é apenas audível, não possui somente uma voz; agora a Palavra tem um rosto, que por isso mesmo podemos ver: Jesus de Nazaré”.


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