Santo
Agostinho
Sermão
100
“A
renúncia”
Escutai o que
Deus me inspirou sobre este capítulo do Evangelho: nele se lê como o Senhor se
comportou distintamente com três homens. A um que se ofereceu para segui-lo o
rejeitou; a outro que não se atrevia o animou; por fim a um terceiro que o
retardava o censurou.
Quem mais
disposto, mais resoluto, mais decidido diante de um bem excelente como é seguir
ao Senhor aonde quer que vá do que aquele que disse: Senhor, te seguirei aonde quer que vá? Cheio de admiração tu
perguntas: Como isto? Como desagradou ao bom mestre, nosso Senhor Jesus Cristo,
que vai em busca de discípulos para dar-lhes o Reino dos Céus, homem tão bem
disposto? Como se tratava de um mestre que previa o futuro, entendemos que este
homem, meus irmãos, se tivesse seguido a Cristo, teria buscado o próprio
interesse e não o de Jesus Cristo. Pois o próprio Senhor disse: Nem todo o que me diz “Senhor, Senhor”
entrará no Reino dos Céus.
Este era um deles;
não se conhecia a si mesmo como o conhecia o médico que o examinava. Porque
sabendo-se mentiroso, reconhecendo-se falaz e simulado, não conhecia a quem
falava. Pois ele é de quem diz o evangelista: Não necessitava que ninguém lhe informasse a respeito deles, pois ele
sabia o que há no interior do homem. E o que lhe respondeu? As raposas têm tocas e os pássaros do céu
ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça. Mas onde não
tem? Em tua fé. As raposas têm esconderijos em teu coração: és falaz. As aves
têm ninhos em teu coração: és soberbo. Sendo mentiroso e soberbo não podes me
seguir. Como pode a duplicidade seguir a simplicidade?
Porém, ao outro
que está sempre calado, que não diz nada e nada promete, lhe diz: Segue-me. Quanto era o mal que via no
outro, tanto era o bem que via neste. Ao que não quer lhe diz: Segue-me. Tens um homem disposto – te seguirei aonde quer que vá – e dizes segue-me a quem não quer seguir-te. “A
este, ele diz, o excluo porque vejo nele tocas, vejo nele ninhos”. Mas por que
incomodas a este que convidas e se desculpa? Veja que o estimulas e não vem,
lhe rogas e não te segue, pois o que diz? Irei
primeiro enterrar o meu pai. Mostrava ao Senhor a fé de seu coração, mas
lhe retinha a piedade. Quando nosso Senhor Jesus Cristo destina os homens ao
Evangelho, não quer que se interponha desculpa alguma de piedade carnal e
temporal. Certamente a lei ordena esta ação piedosa, e o próprio Senhor acusou
os judeus de desprezar este mandamento de Deus. Também São Paulo diz em sua
carta: Este é o primeiro mandamento
acompanhado de promessa. Qual? Honra
o teu pai e a tua mãe. Não existe dúvida de que é mandamento de Deus.
Este jovem
queria, portanto, obedecer a Deus sepultando ao seu pai. Mas existem lugares,
tempos e assuntos apropriados a este assunto e a este lugar. Há de honrar-se ao
pai, mas deve-se obedecer a Deus; deve-se amar ao progenitor, mas deve-se dar
preferência ao Criador. “Eu, diz Jesus, te chamo ao Evangelho; chamo-te para
outra obra mais importante do que aquela que tu queres fazer”.
Deixa que os mortos enterrem os seus mortos.
Teu pai está morto. Existem outros mortos que podem enterrar os mortos. Quem
são os mortos que sepultam os mortos? Pode ser enterrado um morto por outros
mortos? Como lhe amortalhão se estão mortos? Como transportarão o cadáver se
estão mortos? Como chorarão por ele se estão mortos? Amortalham, o levam para enterrar e o choram
apesar de estarem mortos, porque aqui se trata dos infiéis.
Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp.
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