Santo Anfilóquio de Icônio
Sermão sobre a mulher pecadora
“Deus
não pede outra coisa além da conversão”
Um fariseu rogava a Jesus que fosse comer
com ele. Jesus, entrando na casa do fariseu, recostou-se à mesa. Ó graça
inenarrável! Ele é médico e cura todas as enfermidades, para ser útil a todos:
bons e maus, ingratos e agradecidos. Por isso, convidado agora por um fariseu,
entra naquela casa que até agora estava repleta de males. Onde quer que morasse
um fariseu, ali existia um antro de maldade, uma cova de pecadores, o aposento
da arrogância. Mas mesmo que a casa daquele fariseu reunisse todas estas
condições, o Senhor não se desfez de aceitar o convite. E com razão.
Prontamente
aceita o convite do fariseu, e o faz com delicadeza, sem reprovar-lhe sua
conduta: em primeiro lugar, porque queria santificar os convidados, e também o
anfitrião, a sua família e o próprio esplendor dos manjares. Em segundo lugar,
aceita o convite do fariseu porque sabia que ampararia a uma meretriz e
destacaria seu abrasador e ardente anelo de conversão, para que ela, deplorando
seus pecados diante dos letrados e dos fariseus, lhe concedesse oportunidade de
ensinar-lhes como de deve aplacar a Deus com lágrimas pelos pecados cometidos.
E uma mulher da cidade, uma pecadora,
colocando-se detrás, junto aos seus pés, começou a regar-lhe seus pés com suas
lágrimas. Louvemos, pois, a esta mulher que alcançou o aplauso de todo o
mundo. Ela tocou aqueles pés imaculados, compartindo com João o corpo de
Cristo. Na verdade, aquele se apoiou sobre o seu peito, de onde extraiu a
doutrina divina; esta, porém, se abraçou naqueles pés que por nós percorriam os
caminhos da vida.
De sua parte,
Cristo - que não se pronuncia sobre o pecado, mas louva a penitência; que não
castiga o pecado, mas sonda o porvir -, omitindo as maldades passadas, honra a
mulher, elogia sua conversão, justifica suas lágrimas e premia seu bom
propósito; porém, o fariseu, ao ver o milagre fica desorientado e, trabalhado
pela inveja, nega-se a admitir a conversão daquela mulher: ainda mais, solta-se
em injúrias contra aquela que assim honrava ao Senhor, lança o descrédito
contra a dignidade d’Aquele que era honrado, censurando-o de ignorante: se este homem fosse profeta, saberia quem é
esta mulher que o está tocando.
Jesus, tomando a
palavra, dirige-se ao fariseu embrenhado em tal tipo de murmurações: Simão, tenho algo a dizer-te. Ó graça
inefável! Ó inenarrável bondade! Deus e homem dialogam: Cristo apresenta um
problema e estabelece uma norma de bondade, para vencer a maldade do fariseu.
Ele respondeu: Fala, Mestre! Um credor
tinha dois devedores... Observa a sabedoria de Deus: nem sequer nomeia a
mulher, para que o fariseu não falseie intencionalmente a resposta. Um lhe devia quinhentos denários e o outro
cinquenta. Como não tinham com que pagar, ele perdoou os dois. Perdoou aos
que não tinham, não aos que não queriam: uma coisa é não ter e outra muito
distinta não querer. Um exemplo: Deus não nos pede outra coisa além da
conversão; por isso quer que estejamos sempre alegres e apressemo-nos em
acorrer à penitência. Contudo, se tendo vontade de converter-nos, a multidão de
nossos pecados revela o impróprio de nosso arrependimento, não porque não
queremos, mas porque não podemos, então nos perdoa a dívida. Como não tinham com que pagar, ele perdoou
os dois.
Qual dos dois o amará mais? Simão contestou:
Suponho que aquele a quem ele perdoou mais. Jesus lhe disse: Julgaste
corretamente. E voltando-se para a mulher, disse a Simão: Vê esta mulher
pecadora, à qual tu rejeitas e à qual eu acolho? Desde que entrou, não deixou
de beijar-me os pés. Por isso te digo: seus muitos pecados estão perdoados.
Porque tu, ao receber-me como convidado, não me honraste com o ósculo, não me
perfumaste com o unguento; esta, porém, que alcançou o esquecimento de seus
numerosos pecados, honrou-me até com suas lágrimas.
Portanto, todos
os que aqui estão presentes, imitai o que ouvistes e concorrei no pranto desta
meretriz. Lavai vosso corpo não com água, mas com lágrimas; não vistais o manto
de seda, mas a incontaminada túnica da continência, para que consigais idêntica
glória, dando graças ao Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. A ele a
glória, a honra e a adoração, com o Pai e o Espírito Santo agora e sempre e
pelos séculos dos séculos. Amém.
Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp.
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