quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio: Jesus Cristo 33

Dando continuidade à segunda parte das suas Catequeses sobre Jesus Cristo, centrada na sua missão, confira a meditação n. 51 do Papa São João Paulo II, destacando o anúncio do Evangelho do Reino” através das parábolas.

Para acessar o índice com os links para todas as Catequeses, clique aqui.

Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio
CREIO EM JESUS CRISTO


51. A missão de Cristo: “Chegou para vós o Reino de Deus”
João Paulo II - 27 de abril de 1988

1. “Cumpriu-se o tempo e está próximo o Reino de Deus. Convertei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1,15). Jesus Cristo foi enviado pelo Pai “para anunciar a boa-nova aos pobres” (Lc 4,18). Foi - e continua sendo - o primeiro mensageiro do Pai, o primeiro evangelizador, como afirmamos na Catequese anterior com as palavras de Paulo VI na Evangelii nuntiandi. Antes, Jesus é não só o anunciador do Evangelho, da boa-nova, mas Ele mesmo é o Evangelho (cf. Evangelii nuntiandi, n. 7).

Com efeito, em todo o conjunto da sua missão, por meio de tudo o que faz e ensina, e, por fim, mediante a sua Cruz e Ressurreição, Ele “manifesta plenamente o homem ao próprio homem” (Gaudium et spes, n. 22), e lhe desvela as perspectivas daquela felicidade à qual Deus o chamou e destinou desde o princípio. A mensagem das bem-aventuranças resume o programa de vida proposto a quem deseja seguir o chamado divino, é a síntese de todo o “ethos” evangélico vinculado ao mistério da redenção.

O semeador, uma das principais “parábolas do Reino”

2. A missão de Cristo consiste antes de tudo na revelação da boa-nova (Evangelho) dirigida ao homem. Visa, portanto, o homem e, neste sentido, se pode dizer que é “antropocêntrica”; porém, ao mesmo tempo, está profundamente enraizada na verdade do Reino de Deus, no anúncio da sua vinda e da sua proximidade: “Está próximo o Reino de Deus... crede no Evangelho” (Mc 1,15).

Este é, portanto, o “Evangelho do Reino”, cuja referência ao homem, visível em toda a missão de Cristo, está enraizada em uma dimensão “teocêntrica”, que se chama precisamente Reino de Deus. Jesus anuncia o Evangelho desse Reino e, ao mesmo tempo, realiza o Reino de Deus em todo o desenvolvimento da sua missão, por meio da qual o Reino nasce e se desenvolve já no tempo, como semente inserida na história do homem e do mundo. Esta realização do Reino ocorre mediante a palavra do Evangelho e mediante toda a vida terrena do Filho do homem, coroada no Mistério Pascal com a Cruz e a Ressurreição. Com efeito, com a sua “obediência até a morte” (cf. Fl 2,8), Jesus deu início a uma nova fase da economia da salvação, cujo processo se concluirá quando Deus for “tudo em todos” (1Cor 15,28), de maneira que o Reino de Deus verdadeiramente começou a realizar-se na história do homem e do mundo, embora no curso terreno da vida humana nos encontremos e choquemos continuamente com o outro termo fundamental da dialética histórica: a “desobediência do primeiro Adão”, que submeteu o seu espírito ao “príncipe deste mundo” (cf. Rm 5,19; Jo 14,30).

3. Tocamos aqui o ponto central - e quase o ponto crítico - da realização da missão de Cristo, Filho de Deus, na história: questão sobre a qual será necessário retornar em uma etapa sucessiva da nossa Catequese. Se em Cristo o Reino de Deus “está próximo” - mais ainda, está presente - de maneira definitiva na história do homem e do mundo, ao mesmo tempo seu cumprimento continua pertencendo ao futuro. Por isso Jesus nos ordena rezar ao Pai: “Venha o teu Reino” (Mt 6,10).

4. É preciso ter presente esta questão enquanto tratamos do Evangelho de Cristo como “boa-nova” do Reino de Deus. Este era o tema “guia” do anúncio de Jesus, que fala do Reino de Deus sobretudo em suas numerosas parábolas. Particularmente significativa é a que nos apresenta o Reino de Deus como a semente que o semeador lança na terra (cf. Mt 13,3-9). A semente sem dúvida está destinada a “dar fruto” por sua própria capacidade interior, mas o fruto depende também da terra em que essa caiu (vv. 19-23).

5. Em outra ocasião Jesus compara o Reino de Deus (o “Reino dos céus” segundo Mateus) a um grão de mostarda, que é “a menor de todas as sementes”, mas que, uma vez crescida, se torna uma árvore frondosa, em cujos ramos encontram refúgio os pássaros do céu (cf. Mt 13,31-32). E também compara o crescimento do Reino de Deus ao “fermento” que fermenta a farinha para que se transforme em pão que sirva de alimento aos homens (v. 33).

No entanto, ao problema do crescimento do Reino de Deus no terreno que é este mundo, Jesus dedica ainda outra parábola, a do trigo e do joio espalhado pelo “inimigo” no campo semeado com a boa semente (vv. 24-30): no campo do mundo, o bem e o mal, simbolizados pelo trigo e o joio, crescem juntos “até a colheita”, isto é, até o dia do juízo divino - outra significativa alusão à perspectiva escatológica da história humana. Em qualquer caso, Jesus nos dá a conhecer que o crescimento da semente, que é a “Palavra de Deus”, está condicionado pelo modo como é acolhida no campo dos corações humanos: disto depende que produza fruto e renda “um cem, outro sessenta, outro trinta” (v. 23), segundo as disposições e a correspondência daqueles que a recebem.

6. Em seu anúncio do Reino de Deus, Jesus nos dá a conhecer também que este Reino não está destinado a uma só nação, ou unicamente ao “povo eleito”, porque “do Oriente e do Ocidente” virão muitos para “sentar-se à mesa com, Abraão, Isaac e Jacó” (cf. Mt 8,11). Esse, com efeito, não é um reino no sentido temporal e político. Esse Reino não é “deste mundo” (cf. Jo 18,36), embora tenha sido enxertado no meio “deste mundo” e aqui deva desenvolver-se e crescer. Por isso Jesus se afasta da multidão que queria fazê-lo rei: “Quando Jesus percebeu que queriam levá-lo para proclamá-lo rei, retirou-se novamente sozinho para o monte” (Jo 6,15). E na véspera da sua Paixão, no Cenáculo, Ele pede ao Pai que conceda aos discípulos viver segundo essa mesma concepção do Reino de Deus: “Não rogo que os tires do mundo, mas que os guardes do Maligno. Eles não são do mundo, como Eu não sou do mundo” (Jo 17,15-16).

Assim, segundo o ensinamento e a oração de Jesus, o Reino de Deus deve crescer nos corações dos discípulos “neste mundo”; no entanto, esse chegará ao seu cumprimento no mundo futuro: “Quando o Filho do homem vier em sua glória... todas as nações da terra serão reunidas diante d’Ele” (Mt 25,31-32). Sempre em uma perspectiva escatológica!

7. Podemos completar a noção do Reino de Deus anunciado por Jesus destacando que esse é o Reino do Pai, a quem Jesus nos ensina a dirigir-nos com a oração para obter sua vinda: “Venha o teu Reino” (Mt 6,10; Lc 11,2). O Pai celeste, por sua vez, oferece aos homens (por Cristo e em Cristo) o perdão dos seus pecados e a salvação e, pleno de amor, espera o seu retorno, como o pai da parábola esperava o retorno do filho pródigo (cf. Lc 15,20-32), porque Deus é verdadeiramente rico em misericórdia” (Ef 2,4).

Sob esta luz se coloca todo o Evangelho da conversão anunciado por Jesus desde o início: “Convertei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1,15). A conversão ao Pai, ao Deus que “é amor” (1Jo 4,16), está ligada à aceitação do amor como mandamento novo”: amor a Deus, “o maior e o primeiro mandamento” (Mt 22,38), e amor ao próximo, “semelhante ao primeiro” (v. 39). Jesus diz: “Eu vos dou um novo mandamento: que vos ameis uns aos outros. Como Eu vos amei, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros” (Jo 13,34). Encontramo-nos aqui com a essência do “Reino de Deus” no homem e na história. Assim toda a Lei - ou seja, o patrimônio ético da antiga aliança - deve cumprir-se, deve alcançar sua plenitude divino-humana. O próprio Jesus o declara no Sermão da Montanha: “Não penseis que vim abolir a Lei e os Profetas. Não vim abolir, mas dar cumprimento” (Mt 5,17).

Assim, Ele liberta o homem da “letra da Lei” para introduzi-lo em seu espírito, pois, como diz São Paulo, “a letra (sozinha) mata”, enquanto “o Espírito faz viver” (2Cor 3,6). O amor fraterno, como reflexo e participação do amor de Deus, é, pois, o princípio animador da nova Lei, que é como a base constitucional do Reino de Deus (cf. Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica, I-II, q. 106. a. 1; q. 107. aa. 1-2).

8. Entre as parábolas, com as quais Jesus reveste de comparações e alegorias sua pregação sobre o Reino de Deus, se encontra também a de um rei que preparou a festa do casamento de seu filho” (Mt 22,2). A parábola narra que muitos dos primeiros convidados não foram ao banquete, buscando diversas desculpas e pretextos para evitá-lo, e que, então, o rei mandou chamar outras pessoas, das “encruzilhadas dos caminhos”, para que se sentassem à sua mesa. Porém, entre os que chegaram, nem todos se mostraram dignos daquele convite, por falta do “traje nupcial” requerido.

Esta parábola do banquete de casamento, comparada com aquela do semeador e da semente, nos conduz à mesma conclusão: se nem todos os convidados se sentarão para o banquete, se nem todas as sementes produzirão a colheita, isso depende das disposições com as quais se responde ao convite ou se recebe no coração a semente da Palavra de Deus. Depende do modo como se acolhe a Cristo, que é o semeador e também o filho do rei e o esposo, como Ele mesmo se apresenta em diversas ocasiões: “Acaso os convidados do casamento podem jejuar enquanto o noivo está com eles?” (Mc 2,19), perguntou uma vez a quem o interrogava, aludindo à severidade de João Batista. E Ele mesmo respondeu: “Enquanto o noivo está com eles, os convidados não podem jejuar”.

O Reino de Deus é, pois, como uma festa de casamento à qual o Pai celeste convida aos homens em comunhão de amor e de alegria com seu Filho. Todos são chamados e convidados: mas cada um é responsável pela própria adesão ou rejeição, pela própria conformidade ou inconformidade com a lei que regulamenta o banquete.

9. Esta é a lei do amor, que deriva da graça divina no homem que a acolhe e a conserva, participando vitalmente no Mistério Pascal de Cristo. É um amor que se realiza na história, apesar de qualquer rejeição por parte dos convidados, apesar da sua indignidade. Ao cristão sorri a esperança de que o amor se realize em todos os “convidados”: precisamente porque a “medida” pascal desse amor esponsal é a cruz, sua perspectiva escatológica é aberta na história com a Ressurreição de Cristo. Por Ele o Pai “nos livrou do poder das trevas, transferindo-nos para o Reino do seu Filho amado” (Cl 1,13). Se respondemos ao chamado e à atração do Pai, em Cristo todos “temos a redenção” e a vida eterna.

Parábola da festa de casamento (Andrei Mironov):
Os servos chamam todos para a festa

Tradução nossa a partir do texto italiano divulgado no site da Santa Sé (27 de abril de 1988).

Nenhum comentário:

Postar um comentário