quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

Homilia do Papa: Quarta-feira de Cinzas (2024)

Santa Missa, Bênção e Imposição das Cinzas
Homilia do Papa Francisco
Basílica de Santa Sabina
Quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

Quando deres esmola, quando rezares, quando jejuares, procura fazê-lo em segredo: o teu Pai, de fato, vê no segredo (cf. Mt 6,4). Entra no segredo: este é o convite que Jesus dirige a cada um de nós no início do caminho da Quaresma.

Entrar no segredo significa voltar ao coração, como adverte o profeta Joel (cf. Jl 2,12). Trata-se de um percurso de fora para dentro, a fim de que todo o nosso viver, incluindo a nossa relação com Deus, não se reduza a exterioridade, a uma moldura sem quadro, a mero revestimento da alma, mas brote de dentro e corresponda aos movimentos do coração, isto é, aos nossos desejos, aos nossos pensamentos, ao nosso sentir, ao núcleo fontal da nossa pessoa.

Deste modo a Quaresma mergulha-nos em um banho de purificação e despojamento: ajuda-nos a retirar toda a «maquiagem», tudo aquilo de que nos revestimos para brilhar, para aparecer melhores do que somos. Voltar ao coração significa tornar ao nosso verdadeiro “eu” e apresentá-lo nu e sem disfarces, como é diante de Deus. Significa olhar dentro de nós mesmos e tomar consciência daquilo que realmente somos, tirando as máscaras que muitas vezes utilizamos, diminuindo a corrida do nosso frenesi, abraçando a vida e a verdade de nós mesmos. A vida não é um teatro, e a Quaresma convida-nos a descer do palco do fingimento e regressar ao coração, à verdade daquilo que somos. Regressar ao coração, regressar à verdade.


Por isso nesta tarde recebemos, com espírito de oração e humildade, as cinzas na cabeça. Trata-se de um gesto que visa reconduzir-nos à realidade essencial de nós mesmos: somos pó, a nossa vida é como um sopro (cf. Sl 38,6; 143,4), mas o Senhor - Ele, e só Ele! Não outros... - não deixa que ela desapareça; recolhe e plasma o pó que somos, para que não acabe disperso pelos ventos impetuosos da vida nem se dissolva no abismo da morte.

As cinzas colocadas sobre a nossa cabeça nos convidam a redescobrir o segredo da vida. Dizem-nos: enquanto continuares a usar uma armadura que cobre o coração, enquanto te disfarçares com a máscara das aparências, exibindo uma luz artificial para te mostrares invencível, permanecerás árido e vazio. Ao contrário, quando tiveres a coragem de inclinar a cabeça para te olhares intimamente, então poderás descobrir a presença de um Deus que te ama, e te ama desde sempre; finalmente se despedaçarão as couraças de que te revestiste e poderás sentir-te amado com amor eterno.

Irmã, irmão, eu, tu, cada um de nós, todos somos amados com amor eterno. Não passamos de cinza sobre a qual Deus insuflou o seu sopro de vida, somos terra que Ele plasmou com as suas mãos (cf. Gn 2,7; Sl 118,73), somos pó do qual ressurgiremos para uma vida sem fim, desde sempre preparada para nós (cf. Is 26,19). E se arder, sob as cinzas que somos, o fogo do amor de Deus, descobriremos que estamos unidos neste amor e somos chamados ao amor: amar os irmãos que nos rodeiam, estar atento aos outros, viver a compaixão, usar de misericórdia, partilhar aquilo que somos e temos com quem passa necessidade. Por isso, a esmola, a oração e o jejum não podem reduzir-se a práticas exteriores, mas são caminhos que nos levam de volta ao coração, ao essencial da vida cristã. Fazem-nos descobrir que somos cinza amada por Deus e tornam-nos capazes de difundir o mesmo amor sobre as «cinzas» de tantas situações quotidianas para que nelas renasçam esperança, confiança, alegria.

Santo Anselmo de Aosta deixou-nos a seguinte exortação, que podemos fazer nossa nesta tarde: «Escapa por um pouco das tuas ocupações, deixa por um pouco os teus pensamentos tumultuosos. Neste momento, afasta as preocupações graves e deixa de lado os teus cansaços. Presta um pouco de atenção a Deus e descansa n’Ele. Entra no íntimo da tua alma, exclui tudo à exceção de Deus e daquilo que te ajuda a procurá-lo e, fechada a porta, procura-o. Ó meu coração, agora com toda a tua força, diz a Deus: Procuro o vosso rosto. O vosso rosto, Senhor, eu procuro» (Proslogion, 1).

Nesta Quaresma, escutemos a voz do Senhor que não se cansa de nos repetir: entra no segredo. Entra no segredo, volta ao coração. É um convite salutar, para nós que muitas vezes vivemos na superfície, que nos agitamos para ser notados, que sempre temos necessidade de ser admirados e apreciados. Sem nos dar conta, já não temos um lugar secreto onde parar e nos protegermos, imersos em um mundo onde tudo, incluindo as mais íntimas emoções e sentimentos, se deve tornar «social». Mas como pode ser social aquilo que não brota do coração? Mesmo as experiências mais trágicas e dolorosas correm o risco de não ter um lugar secreto que as guarde: tudo deve ser manifestado, ostentado, dado em pasto à “fofoca” do momento. Por isso nos diz o Senhor: entra no segredo, volta ao centro de ti mesmo. Aí onde se abrigam também tantos medos, sentimentos de culpa e pecados, precisamente aí desceu o Senhor; desceu para te curar e purificar. Entremos no nosso quarto interior: aí habita o Senhor, aí é acolhida a nossa fragilidade e somos amados sem condições.

Voltemos, irmãos e irmãs! Voltemos para Deus com todo o coração. Nestas semanas de Quaresma, demos espaço à oração feita de adoração silenciosa, na qual permaneçamos na presença do Senhor à escuta como Moisés, como Elias, como Maria, como Jesus. Damo-nos conta que perdemos o sentido da adoração? Voltemos à adoração. Inclinemos o ouvido do coração Àquele que, no silêncio, quer nos dizer: «Eu sou o teu Deus, Deus de misericórdia e compaixão, o Deus do perdão e do amor, o Deus da ternura e da solicitude. (...) Não te julgues a ti mesmo. Não te condenes. Não sintas aversão de ti. Deixa que o meu amor toque os recônditos mais profundos e escondidos do teu coração e te revele a tua própria beleza; uma beleza que perdeste de vista, mas que vai se tornar novamente visível na luz da minha misericórdia». O Senhor chama-nos: «Vem, vem! Permite-me enxugar as tuas lágrimas, deixa que a minha boca se aproxime mais do teu ouvido e te diga: Eu te amo, te amo, te amo» (Henri Nouwen, A caminho da aurora, Bréscia, 1997, 233). Cremos que o Senhor nos ama, que o Senhor me ama?

Irmãos e irmãos, não tenhamos medo de nos despojar dos revestimentos mundanos e voltar ao coração, regressar ao essencial. Pensemos em São Francisco que, uma vez despido, abraçou com todo o seu ser o Pai que está nos céus. Reconheçamo-nos pelo que somos: pó amado por Deus, chamado a ser pó apaixonado por Deus. Graças a Ele, renasceremos das cinzas do pecado para a vida nova em Jesus Cristo e no Espírito Santo.


Fonte: Santa Sé.

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