quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio: Jesus Cristo 34

Confira as Catequeses nn. 52-53 do Papa São João Paulo II sobre Jesus Cristo, dando continuidade à sua reflexão sobre a missão de Cristo.

Confira também a postagem que serve de Introdução e Índice das Catequeses clicando aqui.

Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio
CREIO EM JESUS CRISTO

52. A missão de Cristo: “Para dar testemunho da verdade”
João Paulo II - 04 de maio de 1988

1. “Eu nasci e vim ao mundo para isto: para dar testemunho da verdade” (Jo 18,37). Quando Pilatos, durante o processo, perguntou a Jesus se Ele é rei, a primeira resposta que ouviu foi: “O meu reino não é deste mundo...”. E quando o governador romano insistiu e perguntou de novo: “Então, tu és rei?”, recebeu esta resposta: “Tu dizes, Eu sou rei” (vv. 33-37). Este diálogo judicial, relatado pelo Evangelho de João, nos permite reconectar com a última Catequese, cujo tema era a mensagem de Cristo sobre o Reino de Deus. Ao mesmo tempo, abre nosso espírito a outra dimensão ou outro aspecto da missão de Cristo, indicado por estas palavras: “Dar testemunho da verdade”. Cristo é rei e “veio ao mundo para dar testemunho da verdade”. Ele mesmo o afirma, e acrescenta: “Todo aquele que é da verdade, escuta a minha voz” (v. 37).

Esta resposta abre diante dos nossos olhos novos horizontes tanto sobre a missão de Cristo como sobre a vocação do homem, particularmente sobre o enraizamento da vocação do homem em Cristo.

Jesus, Mestre no caminho de Deus

2. Através das palavras dirigidas a Pilatos, Jesus enfatiza o que é essencial em toda a sua pregação. Ao mesmo tempo, Ele de certo modo antecipa aquilo que constituirá a eloquente mensagem contida no acontecimento pascal, ou seja, na sua Cruz e Ressurreição.

Ao falar da pregação de Jesus, até mesmo seus opositores expressavam, a seu modo, seu significado fundamental quando lhe diziam: “Mestre, sabemos que és verdadeiro... que ensinas segundo a verdade o caminho de Deus” (Mc 12,14). Jesus era, pois, o Mestre no “caminho de Deus”: expressão com profundas raízes bíblicas e extrabíblicas para designar uma doutrina religiosa e salvífica. Quanto aos ouvintes comuns de Jesus, estes estavam impressionados por outro aspecto da sua pregação, como testemunham os evangelistas: “Ficaram maravilhados com seu ensinamento, pois Ele os ensinava como quem tem autoridade, não como os escribas” (Mc 1,22); “Sua palavra tinha autoridade” (Lc 4,32).

Esta autoridade era constituída sobretudo pela força da verdade contida na pregação de Cristo. Os ouvintes e os discípulos o chamavam “Mestre” não tanto no sentido de que conhecesse a Lei e os Profetas e os comentasse com perspicácia, como faziam os escribas. O motivo era muito mais profundo: Ele “falava com autoridade”, e esta era a autoridade da verdade, cuja fonte é o próprio Deus. O próprio Jesus dizia: “O meu ensinamento não é meu, mas d’Aquele que me enviou” (Jo 7,16).

3. Neste sentido, incluindo a referência a Deus, Jesus era Mestre. “Vós me chamais Mestre e Senhor, e dizeis bem, porque Eu o sou” (Jo 13,13). Era Mestre da verdade que é Deus. Desta verdade Ele deu testemunho até o fim, com a autoridade que provinha do alto: podemos dizer, com a autoridade de quem é “rei” na esfera da verdade.

Nas Catequeses anteriores já chamamos a atenção sobre o Sermão da Montanha, no qual Jesus se revela como Aquele que veio não “para abolir a Lei e os Profetas”, mas “para dar-lhes cumprimento” (cf. Mt 5,17). Este “cumprimento” da Lei era obra de realeza e de “autoridade”: a realeza e a autoridade da verdade, que decide sobre a lei, sobre sua fonte divina, sobre sua progressiva manifestação ao mundo.

4. O Sermão da Montanha deixa transparecer essa autoridade com a qual Jesus busca cumprir a sua missão. Eis algumas passagens significativas: “Ouvistes o que foi dito aos antigos: ‘Não matarás’... Eu, porém, vos digo...”. “Ouvistes o que foi dito: ‘Não cometerás adultério’... Eu, porém, vos digo...”. “Foi dito: ‘Não jurarás falso’... Eu, porém, vos digo...” (cf. Mt 5,21ss). E depois de cada Eu vos digo” há uma exposição, feita com autoridade, daquela verdade sobre a conduta humana contida em cada um dos mandamentos de Deus. Jesus não comenta de modo humano, como um escriba, os textos do Antigo Testamento, mas fala com a autoridade do próprio Legislador. Esta é a autoridade de instituir a Lei, a realeza. É, ao mesmo tempo, a autoridade da verdade, graças à qual a nova Lei se torna princípio vinculante de conduta para o homem.

5. Quando, no Sermão da Montanha, Jesus pronuncia diversas vezes as palavras: “Eu, porém, vos digo”, na sua linguagem se encontra o eco e o reflexo dos textos da tradição bíblica, que repetem frequentemente: “Assim fala o Senhor, o Deus de Israel” (2Sm 12,7); “Assim diz o Senhor, que te criou...” (Is 44,2); “Assim diz o Senhor, o vosso Redentor, o Santo de Israel...” (Is 43,14). E, ainda mais diretamente, Jesus faz sua a referência a Deus que sempre retorna aos lábios de Moisés ao dar a Leo - a Lei “antiga” - a Israel. Muito mais forte do que a de Moisés é a autoridade que Jesus atribui a si mesmo ao “dar cumprimento à Lei e aos Profetas”, em virtude da missão recebida do alto: não no Sinai, mas no excelso mistério da sua relação com o Pai.

6. Jesus tem uma clara consciência dessa missão, sustentada pela força da verdade que brota da própria fonte divina. Há uma estreita relação entre a sua resposta a Pilatos: “Vim ao mundo para dar testemunho da verdade” (Jo 18,37), e a sua declaração diante dos ouvintes: “O meu ensinamento não é meu, mas d’Aquele que me enviou” (Jo 7,16). O fio condutor e unificador dessas e de outras afirmações de Jesus sobre a “autoridade da verdade” com a qual ensina está na consciência que Ele tem da missão recebida do alto.

7. Jesus tem consciência de que na sua doutrina se manifesta aos homens a Sabedoria eterna. Por isso repreende aqueles que se recusam a acolhê-la, não hesitando em invocar a “rainha do Sul” (a rainha de Sabá), que veio “para ouvir a sabedoria de Salomão”, afirmando em seguida: “E aqui está quem é mais do que Salomão” (Mt 12,42).

Ele também sabe, e proclama abertamente, que as palavras que procedem dessa Sabedoria divina “não passarão”: “O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras jamais passarão” (Mc 13,31). Essas, com efeito, contêm a força da verdade, que é indestrutível e eterna. São, pois, “palavras de vida eterna”, como confessou o Apóstolo Pedro em um momento crítico, quando muitos daqueles reunidos para ouvir Jesus começaram a deixá-lo, porque não conseguiam entender e não queriam aceitar aquelas palavras que anunciavam o mistério da Eucaristia (cf. Jo 6,66).

8. Toca-se aqui o problema da liberdade do homem de aceitar ou não a verdade eterna contida na doutrina de Cristo, válida certamente para dar aos homens de todos os tempos - e, portanto, também aos homens do nosso tempo - uma resposta adequada à sua vocação, que é uma vocação aberta à eternidade. Diante desse problema, que possui uma dimensão teológica, mas também antropológica (o modo como o homem reage e se comporta diante de uma proposta de verdade), por enquanto é suficiente recorrer ao que diz o Concílio Vaticano II, especialmente em relação à particular sensibilidade dos homens de hoje.

O Concílio afirma antes de tudo que “todos os homens têm a obrigação de buscar a verdade, sobretudo no que se refere a Deus e à sua Igreja”, mas também que “a verdade se impõe unicamente pela sua própria força, que penetra nas mentes de modo ao mesmo tempo suave e forte” (Declaração Dignitatis humanae, n. 1). O Concílio recorda ainda o dever dos homens de “aderir à verdade conhecida e regular toda sua vida de acordo com as exigências desta verdade”. E acrescenta: “Os homens só podem satisfazer esta obrigação, de maneira conforme à sua própria natureza, na medida em que gozem ao mesmo tempo de liberdade psicológica e de ausência de coação externa” (ibid., n. 2).

9. Eis aqui a missão de Cristo como Mestre de verdade eterna.
O Concílio, depois de recordar novamente que “Deus chama os homens a servi-lo em espírito e em verdade. (...) Com efeito, Deus tem em conta a dignidade da pessoa humana, por Ele mesmo criada”, acrescenta que “isso se apareceu no mais alto grau em Cristo Jesus, no qual Deus manifestou perfeitamente a si mesmo e seus caminhos. Com efeito, Cristo, que nosso Mestre e Senhor (Jo 13,13), manso e humilde de coração (Mt 11,29), atraiu e convidou pacientemente seus discípulos (Mt 11,28-30; Jo 6,67-68). Certamente Ele apoiou e confirmou sua pregação com milagres, para suscitar e fortalecer a fé de seus ouvintes, não porém para exercer sobre eles uma coação (Mt 9,28-29; Mc 9, 23-24; 6,5-6)” (Dignitatis humanae, n. 11).

E, por fim, relaciona essa dimensão da doutrina de Cristo com o Mistério Pascal: “Finalmente, levando a termo na cruz a obra da redenção, com a qual conquistaria a salvação e a verdadeira liberdade para os homens, completou sua revelação. Ele deu, pois, testemunho da verdade (Jo 18,37); não quis, porém, impô-la pela força aos que o contestavam. O seu Reino não se defende pela violência (Mt 26,51-53; Jo 18,36), mas se estabelece pelo testemunho e na escuta da verdade. Ele cresce pelo amor por meio do qual Cristo, elevado na cruz, atrai todos a si (Jo 12,32)” (ibid.).

Podemos concluir desde agora que quem busca sinceramente a verdade, encontrará facilmente no magistério de Cristo Crucificado a solução também para o problema da liberdade.

53. A missão de Cristo: O Filho Unigênito revela o Pai
João Paulo II - 01 de junho de 1988

1. “Muitas vezes e de muitos modos Deus falou outrora aos nossos pais, pelos profetas. Nestes dias, que são os últimos, falou-nos por meio do Filho...” (Hb 1,1-2). Com estas palavras, bem conhecidas pelos fiéis graças à Liturgia do Natal [1], o autor da Carta aos Hebreus fala da missão de Jesus Cristo, apresentando-a sobre o pano de fundo da história da antiga aliança. Por um lado, há uma continuidade entre a missão dos profetas e a de Cristo; por outro lado, porém, logo salta aos olhos uma clara diferença. Jesus não só é o último e o maior dos profetas: o Profeta escatológico como era chamado e esperado por alguns. Ele se distingue de modo essencial de todos os antigos profetas e supera infinitamente o nível da sua personalidade e da sua missão. Ele é o Filho do Paio Verbo-Filho, consubstancial ao Pai.

2. Esta é a verdade chave para compreender a missão de Cristo. Se Ele foi enviado “para anunciar a boa-nova (o Evangelho) aos pobres” (cf. Lc 4,18), se com Ele “chegou para nós” o Reino de Deus (cf. Lc 11, 20), entrando de modo definitivo na história do homem, se Cristo é Aquele que dá testemunho da verdade (cf. Jo 18,37) contida na própria fonte divina, como vimos nas Catequeses anteriores, agora podemos extrair do texto da Carta aos Hebreus, que acabamos de mencionar, a verdade que unifica todos os aspectos da missão de Cristo: Jesus revela Deus do modo mais autêntico, porque está baseado na única fonte absolutamente segura e indubitável: a própria essência de Deus. O testemunho de Cristo tem, pois, o valor da verdade absoluta.

3. No Evangelho de João encontramos a mesma afirmação da Carta aos Hebreus, expressa de modo mais conciso. Lemos, com efeito, ao final do Prólogo: “A Deus, ninguém jamais viu. O Filho Unigênito, que está no seio do Pai, foi quem o revelou” (Jo 1,18).

Nisto consiste a diferença essencial entre a revelação de Deus que se encontra nos profetas e em todo o Antigo Testamento e aquela que traz Cristo, que diz de si mesmo: “Aqui está quem é mais do que Jonas” (Mt 12,41). Aqui, para falar de Deus está o próprio Deus feito homem: “O Verbo se fez carne” (Jo 1,14). Aquele Verbo que “está no seio do Pai” (v. 18), se torna a “luz verdadeira” (v. 9), a “luz do mundo” (Jo 8,12). Ele mesmo diz de si: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14,6).

4. Cristo conhece Deus como o Filho que conhece o Pai e ao mesmo tempo é conhecido por Ele: “Como o Pai me conhece (“ginoskei”) e Eu conheço o Pai” (Jo 10,15), lemos no Evangelho de João, e de maneira quase idêntica nos Sinóticos: ““Ninguém conhece (“epiginoskei”) o Filho, senão o Pai, e ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar” (Mt 11,27; cf. Lc 10,22).

Portanto, Cristo, o Filho que conhece o Pai, revela o Pai. E, ao mesmo tempo, o Filho é revelado pelo Pai. O próprio Jesus, depois da profissão de fé em Cesareia de Filipe, o faz notar a Pedro, que o reconhece como “o Cristo, o Filho do Deus vivo”: “Não foi carne nem sangue que te revelaram isso, mas meu Pai que está nos céus” (Mt 16,17).

5. Se a missão essencial de Cristo é revelar o Pai, que é “nosso Deus” (cf. Jo 20,17), ao mesmo tempo Ele mesmo é revelado pelo Pai como Filho. Este Filho, sendo “um só” com o Pai (Jo 10,30), pode dizer: “Quem me viu, viu o Pai” (Jo 14,9). Em Cristo, Deus se fez “visível”: em Cristo atua a “visibilidade” de Deus. Afirma-o de modo conciso Santo Irineu: “A realidade invisível do Filho era o Pai e a realidade visível do Pai era o Filho” (Adversus haereses, IV, 6, 6).

Portanto, em Jesus Cristo se realiza em toda a sua plenitude a autorrevelação de Deus. No momento oportuno será revelado também o Espírito que procede do Pai (cf. Jo 15,26), e que o Pai enviará no nome do Filho (cf. Jo 14,26).

6. À luz desses mistérios da Trindade e da Encarnação, alcança seu justo significado a bem-aventurança proclamada por Jesus a seus discípulos: “Bem-aventurados os olhos que veem o que vós vedes; pois Eu vos digo: muitos profetas e reis quiseram ver o que vós estais vendo, e não viram; quiseram ouvir o que estais ouvindo, e não ouviram” (Lc 10,23-24).

Quase que um vivo eco dessas palavras do Mestre parece ressoar na Primeira Carta de João: “O que era desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com nossos olhos, o que contemplamos e nossas mãos tocaram da Palavra da vida - vida esta que se manifestou, que nós vimos e testemunhamos, vida eterna que a vós anunciamos... isso que vimos e ouvimos, nós vos anunciamos, para que estejais em comunhão conosco” (1Jo 1,1-3). No Prólogo do seu Evangelho, o mesmo Apóstolo escreve: “Nós contemplamos a sua glória, glória como do Unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade” (Jo 1,14).

7. Em relação a esta verdade fundamental da nossa fé, o Concílio Vaticano II, na Constituição sobre a Divina Revelação, diz: “Por esta revelação, refulge para nós, em Cristo, a verdade mais profunda acerca de Deus e da salvação dos homens, Ele que é ao mesmo tempo o mediador e a plenitude de toda a revelação (Mt 11,27; Jo 1,14.17; 14,6; 17,1-3; 2Cor 3,16; 4,6; Ef 1,3-14)” (Dei Verbum, n. 2).

Aqui temos a plena dimensão de Cristo, revelação de Deus, porque esta revelação de Deus é, ao mesmo tempo, a revelação da economia salvífica de Deus em relação ao homem e ao mundo. Nela, como diz São Paulo a respeito da pregação dos Apóstolos, se trata de “mostrar claramente a todos como se realiza o seu mistério, escondido desde toda a eternidade em Deus, que tudo criou” (Ef 3,9). É o mistério do plano da salvação, que Deus concebeu desde a eternidade na intimidade da vida trinitária, na qual contemplou, amou, desejou, criado e “recriou” as coisas do céu e da terra, vinculando-as à Encarnação e, portanto, a Cristo.

8. Recorramos mais uma vez ao Concílio Vaticano II, onde lemos: “Jesus Cristo, o Verbo feito carne, ‘homem enviado aos homens’, ‘fala as palavras de Deus’ (Jo 3,34) e realiza a obra da salvação que o Pai lhe deu a fazer (Jo 5,36; 17,4)”. Ele, “através de toda a sua presença e manifestação - por palavras e obras, sinais e milagres, e sobretudo por sua Morte gloriosa e sua Ressurreição dentre os mortos -, tendo enviado o Espírito da verdade, leva a revelação a pleno cumprimento e a confirma com o testemunho divino: que Deus está conosco para nos libertar do pecado e das trevas da morte e para nos ressuscitar para a vida eterna” (Dei Verbum, n. 4).

“A economia cristã, na qualidade de nova e definitiva aliança, jamais passará, e não se deve esperar nenhuma nova revelação pública antes da gloriosa manifestação de nosso Senhor Jesus Cristo (1Tm 6,14; Tt 2,13)” (ibid.).

Jesus Mestre - Caminho, Verdade e Vida

Nota:
[1] O texto citado pelo Papa é a 2ª leitura da Missa do Dia de Natal: Hb 1,1-6.

Tradução nossa a partir do texto italiano divulgado no site da Santa Sé (04 de maio e 01 de junho de 1988).

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