Com sua 54ª Catequese sobre Jesus Cristo, o Papa São João Paulo II concluiu a primeira seção da segunda parte das suas reflexões, dedicada à missão de Cristo.
Para acessar o índice com os links para as demais Catequeses, clique aqui.
Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio
CREIO EM JESUS CRISTO
54. A missão de Cristo: “A testemunha fiel”
João Paulo II - 08 de junho de 1988
1. Sobre a missão terrena de Jesus
Cristo, lemos na Constituição Lumen Gentium do
Concílio Vaticano II: “Veio então o Filho, enviado pelo Pai, que nos escolheu n’Ele
antes da criação do mundo e nos predestinou a sermos filhos adotivos, porque foi
do seu agrado restaurar n’Ele todas as coisas (Ef 1,4-5.10). Por
isso, para cumprir a vontade do Pai, Cristo inaugurou na terra o reino dos céus,
revelou-nos o seu mistério e por sua obediência realizou a redenção” (n. 3).
Este texto nos permite considerar
de modo sintético tudo o que falamos nas últimas Catequeses. Nelas, com efeito,
buscamos destacar os aspectos essenciais da missão messiânica de Cristo.
Agora o texto conciliar nos repropõe a verdade sobre a estreita e profunda conexão entre esta
missão e o próprio Enviado, Cristo que, no seu cumprimento, manifesta suas
disposições e capacidades pessoais. Em toda a conduta de Jesus, com efeito,
destacam-se algumas características fundamentais, que encontram expressão
também na sua pregação e servem para dar plena credibilidade à sua missão messiânica.
Jesus Cristo, “a testemunha fiel” (Ap 1,5) (Vitral da Catedral de Chartres, França) |
2. Jesus demonstra na sua pregação
e na sua conduta antes de tudo sua profunda união com o Pai em
pensamento e palavras. Aquilo que quer transmitir aos seus ouvintes (e a toda a
humanidade) provém do Pai que o “enviou ao mundo” (Jo 10,36). “Porque
Eu não falei por mim mesmo, mas o Pai, que
me enviou, ordenou-me o que dizer e anunciar. E sei que seu mandamento
é vida eterna. Portanto, o que Eu falo, falo de acordo com o que me disse o Pai”
(Jo 12,49-50). Falo conforme o Pai me ensinou” (Jo 8,28).
Assim lemos no Evangelho de João. Mas também os Sinóticos transmitem uma
expressão análoga pronunciada por Jesus: “Tudo me foi entregue por meu Pai” (Mt 11,27),
e com esse “tudo” Jesus se refere expressamente ao conteúdo da revelação que Ele
trouxe aos homens (cf. Mt 11,25-27; Lc 10,21-22).
Nestas palavras de Jesus encontramos a manifestação do espírito com o qual Ele realiza
sua pregação. Ele é e permanece “a testemunha fiel” (Ap 1,5).
Esse testemunho inclui e enfatiza aquela particular “obediência” do Filho
ao Pai, que no momento culminante se demonstrará “obediência até a morte” (Fl 2,8).
3. Na sua pregação, Jesus demonstra
que sua absoluta fidelidade ao Pai, como fonte primeira e
última de “tudo” o que deve ser revelado, é o fundamento essencial
da sua veracidade e credibilidade. “Meu ensinamento não é meu, mas d’Aquele que me enviou”, diz Jesus, e acrescenta: “Quem
fala por si mesmo procura sua própria glória, mas quem procura a glória daquele
que o enviou é verdadeiro e nele não há injustiça” (Jo 7,16.18).
Nos lábios do Filho de Deus essas palavras podem surpreender. Com efeito, as pronuncia
Aquele que é “consubstancial ao Pai”. Mas não podemos esquecer que Ele fala
também como homem. Preocupa-se que seus ouvintes não tenham dúvidas
sobre um ponto fundamental: que a verdade que Ele transmite
é divina e procede de Deus. Preocupa-se que os homens, escutando-o,
encontrem na sua palavra o acesso à própria fonte divina da verdade
revelada. Que não se detenham em quem ensina, que não se deixem
fascinar pela “originalidade” e pelo “caráter extraordinário” do que nesta doutrina
procede do próprio Mestre. O Mestre “não busca sua própria glória”. Busca única
e exclusivamente “a glória d’Aquele que o enviou”. Não fala “em seu próprio nome”,
mas em nome do Pai.
Também este é um aspecto do “despojamento”
(“kenosis”) que, segundo São Paulo, alcançará seu ápice no mistério da
cruz (cf. Fl 2,7).
4. Cristo é a “testemunha fiel”.
Esta fidelidade - na busca exclusiva da glória do Pai, não da própria
- brota do amor que Ele pretende demonstrar: “É preciso que o
mundo saiba que Eu amo o Pai” (Jo 14,31). Mas a sua revelação do
amor ao Pai inclui também seu amor aos homens. Ele, com efeito, “passou
fazendo o bem” (At 10,38). Toda a sua missão terrena está cheia de
atos de amor pelos homens, especialmente pelos pequenos e necessitados. “Vinde
a mim, todos os que estais cansados e carregados de fardos, e Eu vos darei
descanso” (Mt 11,28). “Vinde”: é uma exortação que ultrapassa o círculo
dos contemporâneos que Jesus podia encontrar nos dias da sua vida e do seu sofrimento
sobre a terra; é um convite para os pobres de todos os tempos, sempre atual, também
hoje, sempre voltando a brotar dos lábios e do coração da Igreja.
5. Paralela a esta exortação há outra:
“Aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração, e encontrareis
descanso para vossas almas” (Mt 11,29). A mansidão e a humildade de
Jesus são um atrativo para quem é chamado a ingressar na sua escola: “Aprendei
de mim”. Jesus é “a testemunha fiel” do amor que Deus nutre pelo
homem. Em seu testemunho a verdade e o amor divinos estão associados. Por isso,
entre a palavra e a ação, entre o que Ele ensina e o que Ele faz há uma
profunda coesão, quase poderíamos dizer uma homogeneidade. Jesus não só ensina
o amor como o mandamento supremo, mas o cumpre Ele mesmo do modo mais perfeito.
Não só proclama as bem-aventuranças no Sermão da Montanha, mas oferece em si mesmo
sua encarnação durante toda a sua vida. Não só apresenta a exigência de amar os
inimigos, mas Ele mesmo a cumpre, sobretudo no momento da crucificação: “Pai,
perdoa-lhes! Eles não sabem o que fazem” (Lc 23,34).
6. Mas essa “mansidão e humildade
de coração” de modo algum significa fraqueza. Ao contrário, Jesus é
exigente. Seu Evangelho é exigente. Não foi precisamente Ele que advertiu: “Quem
não toma a sua cruz e não me segue, não é digno de mim”? E em seguida: “Quem buscar
sua vida a perderá, e quem perder sua vida por causa de mim a encontrará” (Mt 10,38-39).
Há uma espécie de radicalidade não só na linguagem evangélica, mas também nas exigências
reais do seguimento de Cristo, das quais Ele não hesita em reafirmar com frequência
toda a sua extensão: “Não penseis que vim trazer paz à terra. Não vim trazer
paz, mas sim a espada” (Mt 10,34). É um modo forte de dizer que o Evangelho
é também uma fonte de “inquietação” para o homem. Jesus quer fazer-nos compreender
que o Evangelho é exigente, e que exigir significa agitar as consciências, não
permitir que repousem em uma falsa “paz”, na qual se tornem cada vez mais insensíveis
e obtusas, de modo que nelas as realidades espirituais se esvaziem de valor, perdendo
toda a ressonância. Jesus dirá diante de Pilatos: “Vim ao mundo para isto: para
dar testemunho da verdade” (Jo 18,37). Estas palavras dizem
respeito também à luz que Ele projeta sobre todo o campo das ações humanas, vencendo
as trevas dos pensamentos e especialmente das consciências para fazer triunfar em
cada homem a verdade. Trata-se, pois, de colocar-se do lado da verdade. “Todo o
que é da verdade escuta a minha voz”, dirá Jesus (Jo 18,37). Por isso,
Jesus é exigente. Não duro ou inexoravelmente severo, mas forte e inequívoco ao
chamar-nos a viver na verdade.
7. Assim, as exigências do Evangelho
de Cristo penetram no campo da lei e da moral. Aquele que é a “testemunha
fiel” (Ap 1,5) da verdade divina, da verdade do Pai, diz desde o
começo do Sermão da Montanha: “Portanto, quem transgredir um só destes mandamentos,
por menor que seja, e assim ensinar aos homens, será considerado o menor no Reino
dos céus” (Mt 5,19). E, ao exortar à conversão, não hesita em repreender
as cidades onde as pessoas se recusavam a crer n’Ele: “Ai de ti, Corazim! Ai de
ti, Betsaida!” (Lc 10,13), enquanto adverte a todos e cada um: “Se
não vos arrependerdes, perecereis...” (Lc 13,3).
8. Assim, o Evangelho da mansidão e
da humildade caminha junto com o Evangelho das exigências morais e mesmo das severas
ameaças aos que não querem se converter. Não há contradição entre um e outro.
Jesus vive da verdade que anuncia e do amor que revela, e este é um amor exigente
como a verdade da qual deriva. Ademais, o amor impôs as maiores exigências
ao próprio Jesus na hora do Getsêmani, na hora do Calvário, na hora da
cruz. Jesus aceitou e cedeu a estas exigências até o fundo, porque, como nos
adverte o evangelista, Ele “amou até o fim” (Jo 13,1). Tratava-se
de um amor fiel, pelo qual, na véspera da sua morte, Ele podia dizer ao Pai: “Eu
lhes dei as palavras que me deste” (Jo 17,8).
9. Como “testemunha fiel”, Jesus cumpriu a
missão recebida do Pai na profundidade do mistério trinitário.
Era uma missão eterna, incluída no pensamento do Pai que o gerava e predestinava
a cumpri-la “na plenitude dos tempos” para a salvação do homem - de todo homem
- e para o bem perfeito de toda a criação. Jesus tinha consciência desta sua missão
no centro do plano criador e redentor do Pai; e, portanto, com todo o realismo
da verdade e do amor trazidos ao mundo, podia dizer: “Quando Eu for elevado da
terra, atrairei todos a mim” (Jo 12,32).
Vitral da Catedral de São Petersburgo, Rússia |
Tradução nossa a partir do texto italiano
divulgado no site da Santa Sé (08 de junho de 1988).
Nenhum comentário:
Postar um comentário