quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio: Jesus Cristo 35

Com sua 54ª Catequese sobre Jesus Cristo, o Papa São João Paulo II concluiu a primeira seção da segunda parte das suas reflexões, dedicada à missão de Cristo.

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Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio
CREIO EM JESUS CRISTO

54. A missão de Cristo: “A testemunha fiel”
João Paulo II - 08 de junho de 1988
 
1. Sobre a missão terrena de Jesus Cristo, lemos na Constituição Lumen Gentium do Concílio Vaticano II: “Veio então o Filho, enviado pelo Pai, que nos escolheu n’Ele antes da criação do mundo e nos predestinou a sermos filhos adotivos, porque foi do seu agrado restaurar n’Ele todas as coisas (Ef 1,4-5.10). Por isso, para cumprir a vontade do Pai, Cristo inaugurou na terra o reino dos céus, revelou-nos o seu mistério e por sua obediência realizou a redenção” (n. 3).

Este texto nos permite considerar de modo sintético tudo o que falamos nas últimas Catequeses. Nelas, com efeito, buscamos destacar os aspectos essenciais da missão messiânica de Cristo. Agora o texto conciliar nos repropõe a verdade sobre a estreita e profunda conexão entre esta missão e o próprio Enviado, Cristo que, no seu cumprimento, manifesta suas disposições e capacidades pessoais. Em toda a conduta de Jesus, com efeito, destacam-se algumas características fundamentais, que encontram expressão também na sua pregação e servem para dar plena credibilidade à sua missão messiânica.

Jesus Cristo, “a testemunha fiel” (Ap 1,5)
(Vitral da Catedral de Chartres, França)

2. Jesus demonstra na sua pregação e na sua conduta antes de tudo sua profunda união com o Pai em pensamento e palavras. Aquilo que quer transmitir aos seus ouvintes (e a toda a humanidade) provém do Pai que o “enviou ao mundo” (Jo 10,36). “Porque Eu não falei por mim mesmo, mas o Pai, que me enviou, ordenou-me o que dizer e anunciar. E sei que seu mandamento é vida eterna. Portanto, o que Eu falo, falo de acordo com o que me disse o Pai” (Jo 12,49-50). Falo conforme o Pai me ensinou” (Jo 8,28). Assim lemos no Evangelho de João. Mas também os Sinóticos transmitem uma expressão análoga pronunciada por Jesus: “Tudo me foi entregue por meu Pai” (Mt 11,27), e com esse “tudo” Jesus se refere expressamente ao conteúdo da revelação que Ele trouxe aos homens (cf. Mt 11,25-27; Lc 10,21-22). Nestas palavras de Jesus encontramos a manifestação do espírito com o qual Ele realiza sua pregação. Ele é e permanece a testemunha fiel” (Ap 1,5). Esse testemunho inclui e enfatiza aquela particular “obediência” do Filho ao Pai, que no momento culminante se demonstrará “obediência até a morte” (Fl 2,8).

3. Na sua pregação, Jesus demonstra que sua absoluta fidelidade ao Pai, como fonte primeira e última de “tudo” o que deve ser revelado, é o fundamento essencial da sua veracidade e credibilidade. “Meu ensinamento não é meu, mas d’Aquele que me enviou”, diz Jesus, e acrescenta: “Quem fala por si mesmo procura sua própria glória, mas quem procura a glória daquele que o enviou é verdadeiro e nele não há injustiça” (Jo 7,16.18). Nos lábios do Filho de Deus essas palavras podem surpreender. Com efeito, as pronuncia Aquele que é “consubstancial ao Pai”. Mas não podemos esquecer que Ele fala também como homem. Preocupa-se que seus ouvintes não tenham dúvidas sobre um ponto fundamental: que a verdade que Ele transmite é divina e procede de Deus. Preocupa-se que os homens, escutando-o, encontrem na sua palavra o acesso à própria fonte divina da verdade revelada. Que não se detenham em quem ensina, que não se deixem fascinar pela “originalidade” e pelo “caráter extraordinário” do que nesta doutrina procede do próprio Mestre. O Mestre “não busca sua própria glória”. Busca única e exclusivamente “a glória d’Aquele que o enviou”. Não fala “em seu próprio nome”, mas em nome do Pai.
Também este é um aspecto do “despojamento” (“kenosis”) que, segundo São Paulo, alcançará seu ápice no mistério da cruz (cf. Fl 2,7).

4. Cristo é a “testemunha fiel”. Esta fidelidade - na busca exclusiva da glória do Pai, não da própria - brota do amor que Ele pretende demonstrar: “É preciso que o mundo saiba que Eu amo o Pai” (Jo 14,31). Mas a sua revelação do amor ao Pai inclui também seu amor aos homens. Ele, com efeito, “passou fazendo o bem” (At 10,38). Toda a sua missão terrena está cheia de atos de amor pelos homens, especialmente pelos pequenos e necessitados. “Vinde a mim, todos os que estais cansados e carregados de fardos, e Eu vos darei descanso” (Mt 11,28). “Vinde”: é uma exortação que ultrapassa o círculo dos contemporâneos que Jesus podia encontrar nos dias da sua vida e do seu sofrimento sobre a terra; é um convite para os pobres de todos os tempos, sempre atual, também hoje, sempre voltando a brotar dos lábios e do coração da Igreja.

5. Paralela a esta exortação há outra: “Aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para vossas almas” (Mt 11,29). A mansidão e a humildade de Jesus são um atrativo para quem é chamado a ingressar na sua escola: “Aprendei de mim”. Jesus é “a testemunha fiel” do amor que Deus nutre pelo homem. Em seu testemunho a verdade e o amor divinos estão associados. Por isso, entre a palavra e a ação, entre o que Ele ensina e o que Ele faz há uma profunda coesão, quase poderíamos dizer uma homogeneidade. Jesus não só ensina o amor como o mandamento supremo, mas o cumpre Ele mesmo do modo mais perfeito. Não só proclama as bem-aventuranças no Sermão da Montanha, mas oferece em si mesmo sua encarnação durante toda a sua vida. Não só apresenta a exigência de amar os inimigos, mas Ele mesmo a cumpre, sobretudo no momento da crucificação: “Pai, perdoa-lhes! Eles não sabem o que fazem” (Lc 23,34).

6. Mas essa “mansidão e humildade de coração” de modo algum significa fraqueza. Ao contrário, Jesus é exigente. Seu Evangelho é exigente. Não foi precisamente Ele que advertiu: “Quem não toma a sua cruz e não me segue, não é digno de mim”? E em seguida: “Quem buscar sua vida a perderá, e quem perder sua vida por causa de mim a encontrará” (Mt 10,38-39). Há uma espécie de radicalidade não só na linguagem evangélica, mas também nas exigências reais do seguimento de Cristo, das quais Ele não hesita em reafirmar com frequência toda a sua extensão: “Não penseis que vim trazer paz à terra. Não vim trazer paz, mas sim a espada” (Mt 10,34). É um modo forte de dizer que o Evangelho é também uma fonte de “inquietação” para o homem. Jesus quer fazer-nos compreender que o Evangelho é exigente, e que exigir significa agitar as consciências, não permitir que repousem em uma falsa “paz”, na qual se tornem cada vez mais insensíveis e obtusas, de modo que nelas as realidades espirituais se esvaziem de valor, perdendo toda a ressonância. Jesus dirá diante de Pilatos: “Vim ao mundo para isto: para dar testemunho da verdade” (Jo 18,37). Estas palavras dizem respeito também à luz que Ele projeta sobre todo o campo das ações humanas, vencendo as trevas dos pensamentos e especialmente das consciências para fazer triunfar em cada homem a verdade. Trata-se, pois, de colocar-se do lado da verdade. “Todo o que é da verdade escuta a minha voz”, dirá Jesus (Jo 18,37). Por isso, Jesus é exigente. Não duro ou inexoravelmente severo, mas forte e inequívoco ao chamar-nos a viver na verdade.

7. Assim, as exigências do Evangelho de Cristo penetram no campo da lei e da moral. Aquele que é a “testemunha fiel” (Ap 1,5) da verdade divina, da verdade do Pai, diz desde o começo do Sermão da Montanha: “Portanto, quem transgredir um só destes mandamentos, por menor que seja, e assim ensinar aos homens, será considerado o menor no Reino dos céus” (Mt 5,19). E, ao exortar à conversão, não hesita em repreender as cidades onde as pessoas se recusavam a crer n’Ele: “Ai de ti, Corazim! Ai de ti, Betsaida!” (Lc 10,13), enquanto adverte a todos e cada um: “Se não vos arrependerdes, perecereis...” (Lc 13,3).

8. Assim, o Evangelho da mansidão e da humildade caminha junto com o Evangelho das exigências morais e mesmo das severas ameaças aos que não querem se converter. Não há contradição entre um e outro. Jesus vive da verdade que anuncia e do amor que revela, e este é um amor exigente como a verdade da qual deriva. Ademais, o amor impôs as maiores exigências ao próprio Jesus na hora do Getsêmani, na hora do Calvário, na hora da cruz. Jesus aceitou e cedeu a estas exigências até o fundo, porque, como nos adverte o evangelista, Ele “amou até o fim” (Jo 13,1). Tratava-se de um amor fiel, pelo qual, na véspera da sua morte, Ele podia dizer ao Pai: “Eu lhes dei as palavras que me deste” (Jo 17,8).

9. Como “testemunha fiel”, Jesus cumpriu a missão recebida do Pai na profundidade do mistério trinitário. Era uma missão eterna, incluída no pensamento do Pai que o gerava e predestinava a cumpri-la “na plenitude dos tempos” para a salvação do homem - de todo homem - e para o bem perfeito de toda a criação. Jesus tinha consciência desta sua missão no centro do plano criador e redentor do Pai; e, portanto, com todo o realismo da verdade e do amor trazidos ao mundo, podia dizer: “Quando Eu for elevado da terra, atrairei todos a mim” (Jo 12,32).

Vitral da Catedral de São Petersburgo, Rússia

Tradução nossa a partir do texto italiano divulgado no site da Santa Sé (08 de junho de 1988).

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