terça-feira, 5 de abril de 2022

Homilia do Papa: Missa em Malta

Viagem Apostólica do Papa Francisco a Malta
Santa Missa
Homilia do Santo Padre
Largo dei Granai, Floriana
Domingo, 03 de abril de 2022

Jesus, «de madrugada, voltou outra vez para o templo e todo o povo vinha ter com Ele» (Jo 8,2). Assim começa o episódio da mulher adúltera. O horizonte aparece sereno: uma manhã no lugar santo, no coração de Jerusalém. Protagonista é o povo de Deus, que no átrio do templo procura Jesus, o Mestre: deseja escutá-Lo, porque a sua palavra ilumina e encoraja. A sua doutrina não de forma alguma abstrata: toca a vida e liberta-a, transforma-a, renova-a. Nisto se revela a intuição, o «faro» do povo de Deus, que não se contenta com o templo feito de pedras, mas reúne-se à volta da pessoa de Jesus. Nesta página, vislumbra-se o povo dos crentes de todos os tempos, o povo santo de Deus, que aqui em Malta é numeroso e vivaz, fiel na busca do Senhor, ligado a uma fé concreta, vivida. Por tudo isso vos agradeço!
Na presença do povo que O veio encontrar, Jesus não tem pressa: «sentou-Se - diz o Evangelho - e pôs-Se a ensinar» (v.  2). Mas, na escola de Jesus, há lugares vazios. Há alguns ausentes: são a mulher e os seus acusadores. Não foram ter com o Mestre como os outros, sendo diversas as razões da ausência: escribas e fariseus pensam que já sabem tudo, não precisam do ensinamento de Jesus; ao passo que a mulher é uma pessoa perdida, extraviada, procurando a felicidade por caminhos errados. Temos, pois, ausências por motivos diferentes, como aliás será diferente o desfecho da própria vicissitude. Detenhamo-nos nestes ausentes.

Em primeiro lugar, os acusadores da mulher. Neles vemos a imagem daqueles que se vangloriam de ser justos, observadores da lei de Deus, pessoas regradas e justas. Não se preocupam com os próprios defeitos, mas mostram-se muito atentos na descoberta dos alheios. Assim se apresentam a Jesus: não com o coração disponível para O escutarem, mas «para O fazerem cair numa armadilha e terem de que O acusar» (v. 6). É um intento que fotografa a interioridade destas pessoas cultas e religiosas, que conhecem as Escrituras, frequentam o templo, mas subordinam tudo isto aos próprios interesses e não combatem os pensamentos maus que se agitam no seu coração. Aos olhos do povo, parecem peritos em Deus, e contudo não reconhecem Jesus; antes pelo contrário, veem-No como um inimigo que precisam eliminar. Para consegui-lo, colocam diante d’Ele uma pessoa, como se fosse uma coisa, chamando-a desdenhosamente «esta mulher» e denunciando publicamente o seu adultério. Pressionam para que a mulher seja apedrejada, derramando sobre ela a aversão que eles sentem pela compaixão de Jesus. E fazem tudo isto sob o manto da sua fama de homens religiosos.
Irmãos e irmãs, estas pessoas dizem-nos que, até na nossa religiosidade, se podem insinuar a traça da hipocrisia e o vício de apontar o dedo; e isto a todo o momento, em qualquer comunidade. Há sempre o perigo de entender mal Jesus, ter o seu nome nos lábios, mas negá-Lo nas obras. E pode-se fazê-lo mesmo quando se levantam estandartes com a cruz. Então como saber se somos discípulos na escola do Mestre? Pelo nosso olhar, pelo modo como olhamos para o próximo e como olhamos para nós mesmos. Aqui está o ponto para definir a nossa pertença.
Pelo modo como olhamos para o próximo: se o fazemos como Jesus nos faz ver hoje, isto é, com um olhar de misericórdia; ou de forma inquisitória, por vezes até desdenhosa, como os acusadores do Evangelho, que se erguem como defensores da Deus, mas não percebem que espezinham os irmãos. Na realidade, quem julga defender a fé apontando o dedo contra os outros, até pode possuir uma visão religiosa, mas não adota o espírito do Evangelho, porque esquece a misericórdia, que é o coração de Deus.
Para compreender se somos verdadeiros discípulos do Mestre, é preciso verificar também como olhamos para nós mesmos. Os acusadores da mulher estão convencidos de que não têm nada a aprender. Com efeito, a aparência externa é perfeita, mas falta a verdade do coração. São a figura dos crentes de cada época que fazem da fé um elemento de fachada, onde sobressai o aspecto exterior solene, mas falta a pobreza interior, que é o tesouro mais precioso do homem. De fato, para Jesus o que conta é a abertura disponível de quem não se sente perfeito, mas necessitado de salvação. Por isso, quando estivermos em oração e mesmo quando tomarmos parte em belas cerimônias religiosas, será bom perguntarmo-nos se estamos sintonizados com o Senhor. Podemos perguntá-lo diretamente a Ele: «Jesus, estou aqui convosco, mas Vós que quereis de mim? Que quereis que mude no meu coração, na minha vida? Como quereis que veja os outros?». Será útil rezarmos assim, porque o Mestre não Se satisfaz com a aparência, mas busca a verdade do coração. E quando Lhe abrimos de verdade o coração, Jesus pode operar maravilhas em nós.

Vemos acontecer isto mesmo na mulher adúltera. A sua situação parece irremediável, mas aos seus olhos abre-se um horizonte novo, antes inconcebível. Coberta de insultos, pronta a receber palavras implacáveis e severos castigos, com maravilha sua vê-se absolvida por Deus, que lhe abre de par em par um futuro inesperado: «Ninguém te condenou? - diz-lhe Jesus - Também Eu não te condeno. Vai e de agora em diante não tornes a pecar» (vv. 10-11). Que diferença entre o Mestre e os acusadores! Estes citaram a Escritura para condenar; Jesus, Palavra de Deus em pessoa, reabilita completamente a mulher, restituindo-lhe a esperança. Deste caso, aprendemos que qualquer advertência, se não for movida pela caridade e não contiver caridade, afunda ainda mais quem a recebe. Deus, pelo contrário, deixa sempre aberta uma possibilidade e sabe encontrar sempre caminhos de libertação e salvação.
A vida daquela mulher muda graças ao perdão. Encontraram-se a Misericórdia e a miséria. Estão ali Misericórdia e miséria. E a mulher muda. Apetece-me pensar que, perdoada por Jesus, ela por sua vez aprendeu a perdoar. Talvez passasse a ver os seus acusadores, já não como pessoas rígidas e perversas, mas como aqueles que lhe permitiram encontrar Jesus. O Senhor quer que também nós, seus discípulos, nós como Igreja, perdoados por Ele, nos tornemos testemunhas incansáveis de reconciliação: testemunhas de um Deus para o Qual não existe a palavra «irrecuperável»; de um Deus que sempre perdoa, sempre. Deus perdoa sempre. Somos nós que nos cansamos de pedir perdão. Um Deus que continua a crer em nós e todas as vezes dá a possibilidade de recomeçar. Não há pecado ou fracasso que, levados a Ele, não possam tornar-se ocasião para começar uma vida nova, diferente, sob o signo da misericórdia. Não há pecado que não se possa superar por esta estrada. Deus perdoa tudo. Tudo.
Assim é o Senhor Jesus; sabe-o bem quem fez experiência do seu perdão; quem, como a mulher do Evangelho, descobre que Deus nos visita através das nossas chagas interiores: é sobretudo nestas que o Senhor prefere fazer-Se presente, pois não veio para os sãos, mas para os doentes (cf. Mt 9,12). E hoje esta mulher, que conheceu a misericórdia na sua miséria e volta curada pelo perdão de Jesus, sugere-nos, como Igreja, que principiemos de novo a frequentar a escola do Evangelho, a escola do Deus da esperança que sempre nos surpreende. Se O imitarmos, não seremos levados a concentrar-nos na denúncia dos pecados, mas a sair amorosamente à procura dos pecadores. Não ficaremos a contar os presentes, mas iremos em busca dos ausentes. Não voltaremos a apontar o dedo, mas começaremos a pôr-nos à escuta. Não descartaremos os desprezados, mas olharemos como primeiros aqueles que são considerados últimos. Isto, irmãos e irmãs, é o que Jesus nos ensina hoje com o exemplo. Deixemo-nos surpreender por Ele e acolhamos com alegria a sua novidade.


Fonte: Santa Sé.

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