Viagem Apostólica à Irlanda
Santa Missa do XXII Domingo do Tempo Comum (Ano B)
Encerramento do IX Encontro Mundial das Famílias
Homilia do Santo Padre
Phoenix Park, Dublin
Domingo, 26 de agosto de 2018
«Tu
tens palavras de vida eterna!» (Jo 6,68).
No
término deste Encontro Mundial das Famílias, reunimo-nos como família ao
redor da mesa do Senhor. Agradecemos ao Senhor pelas inúmeras bênçãos recebidas
nas nossas famílias. Queremos empenhar-nos a viver plenamente a nossa vocação,
para sermos, segundo as comoventes palavras de Santa Teresa do Menino Jesus, «o
amor no coração da Igreja».
Neste
momento precioso de comunhão de uns com os outros e com o Senhor, é bom fazer
uma pausa e considerar a fonte de todas as coisas boas que recebemos. Jesus
revela a origem destas bênçãos no Evangelho de hoje, quando fala aos seus
discípulos. Muitos deles estavam perplexos, confusos e até irados, hesitando se
aceitar ou não as suas «palavras duras», tão contrárias à sabedoria deste
mundo. Em resposta, o Senhor diz-lhes diretamente: «As palavras que vos disse
são espírito e são vida» (Jo 6,63).
Com a
sua promessa do dom do Espírito Santo, estas palavras aparecem transbordantes
de vida para nós que as acolhemos na fé. Indicam a fonte última de todo o bem
que experimentamos e celebramos aqui nestes dias: o Espírito de Deus, que sopra
constantemente nova vida sobre o mundo, nos corações, nas famílias, nos lares e
nas paróquias. Cada dia novo na vida das nossas famílias e cada nova geração
trazem consigo a promessa dum novo Pentecostes, um Pentecostes
doméstico, uma nova efusão do Espírito, o Paráclito, que Jesus
nos envia como nosso Advogado, nosso Consolador e Aquele que
verdadeiramente nos dá coragem.
Quanta
necessidade tem o mundo deste encorajamento que é dom e promessa de Deus! Que
vós possais, como um dos frutos desta celebração da vida familiar, regressar às
vossas casas e tornar-vos fonte de encorajamento para os outros, para partilhar
com eles «as palavras de vida eterna» de Jesus. Na verdade, as vossas famílias
são quer um lugar privilegiado quer um meio importante para difundir estas
palavras como «boas notícias» para cada um, especialmente para quantos desejam
deixar o deserto e a «casa da escravidão» (cf. Js 24,17) a fim
de irem para a terra prometida da esperança e da liberdade.
Na
segunda Leitura de hoje, São Paulo diz-nos que o matrimônio é uma participação
no mistério da fidelidade perene de Cristo à sua esposa, a Igreja (cf. Ef 5,32).
Mas esta doutrina, embora magnífica, pode aparecer a alguém como uma «palavra
dura». Porque viver no amor, como Cristo nos amou (Ef 5,2),
implica a imitação do próprio sacrifício de Si mesmo, implica morrer para nós
mesmos a fim de renascer para um amor maior e mais duradouro: aquele amor, o
único que pode salvar o mundo da escravidão do pecado, do egoísmo, da ganância
e da indiferença às necessidades dos menos afortunados. Este é o amor que
conhecemos em Jesus Cristo. Encarnou-Se no nosso mundo por meio duma família, e
em cada geração, através do testemunho das famílias cristãs, tem o poder de
romper todas as barreiras para reconciliar o mundo com Deus e fazer de nós
aquilo que desde sempre estamos destinados a ser: uma única família humana que
vive conjuntamente na justiça, na santidade, na paz.
A
tarefa de dar testemunho desta Boa Nova não é fácil. Mas, de certo modo, os
desafios que hoje enfrentam os cristãos não são mais difíceis do que aqueles
que tiveram de enfrentar os primeiros missionários irlandeses. Penso em São
Columbano, que, com o seu pequeno grupo de companheiros, levou a luz do
Evangelho às terras da Europa numa época de obscuridade e decadência cultural.
O seu extraordinário sucesso missionário não se baseara em métodos táticos ou
planos estratégicos, não, mas numa humilde e libertadora docilidade às
sugestões do Espírito Santo. Foi o seu testemunho diário de fidelidade a Cristo
e entre eles que conquistou os corações que desejavam ardentemente uma palavra
de graça e que contribuiu para fazer nascer a cultura europeia. Tal testemunho
permanece uma fonte perene de renovação espiritual e missionária para o povo
santo e fiel de Deus.
Naturalmente,
haverá sempre pessoas que se oporão à Boa Nova, que «murmurarão» contra as suas
«palavras duras». Todavia, como São Columbano e os seus companheiros que
enfrentaram águas geladas e mares tempestuosos para seguir Jesus, não nos
deixemos jamais influenciar ou desanimar pelo olhar gelado da indiferença ou
pelos ventos borrascosos da hostilidade.
Contudo
reconheçamos humildemente que, se formos honestos com nós mesmos, poderemos
também nós achar duros os ensinamentos de Jesus. Como permanece difícil perdoar
àqueles que nos magoam! Que grande desafio continua a ser o acolhimento do
migrante e do estrangeiro! Como é doloroso suportar a desilusão, a rejeição, a
traição! Como é incômodo proteger os direitos dos mais frágeis, dos nascituros
ou dos mais idosos, que parecem estorvar o nosso sentido de liberdade!
Mas é
precisamente em tais circunstâncias que o Senhor nos pergunta: «Também vós
quereis ir embora?» (Jo 6,67). Com a força do Espírito que nos encoraja e com o
Senhor sempre ao nosso lado, podemos responder: «Nós cremos e sabemos que Tu é
que és o Santo de Deus» (v. 69). Com o povo de Israel, podemos
repetir: «Também nós serviremos o Senhor, porque Ele é o nosso Deus» (Js 24,18).
Com os
sacramentos do Batismo e da Confirmação, cada cristão é enviado para ser um
missionário, um «discípulo missionário» (cf. Evangelii gaudium, n. 24). A Igreja, no seu
conjunto, é chamada a «sair» para levar as palavras de vida eterna às
periferias do mundo. Que esta nossa celebração de hoje confirme
cada um de vós - pais e avós, crianças e jovens, homens e mulheres, religiosos e
religiosas, contemplativos e missionários, diáconos e sacerdotes e Bispos - na
partilha da alegria do Evangelho! Possais partilhar o Evangelho da família como
alegria para o mundo.
Ao
preparar-se cada um para retomar a própria estrada, renovemos a nossa fidelidade
ao Senhor e à vocação a que chamou cada um de nós. Fazendo nossa a oração de
São Patrício, repita cada um com alegria: «Cristo dentro de mim, Cristo atrás
de mim, Cristo ao meu lado, Cristo debaixo de mim, Cristo acima de mim». Com a
alegria e a força conferidas pelo Espírito Santo, digamos-Lhe confiadamente: «A
quem iremos nós, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna» (Jo 6,68).
Fonte: Santa Sé.
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