No último dia 21 de maio, segunda-feira depois de
Pentecostes, o Cardeal Robert Sarah, Prefeito da Congregação para o Culto
Divino e a Disciplina dos Sacramentos, celebrou a Santa Missa na Catedral de
Chartres, na França, concluindo a tradicional peregrinação que se faz a esta
cidade desde Paris por ocasião do Pentecostes.
A homilia do Cardeal Sarah, que reproduzimos aqui na
íntegra, foi particularmente eloquente:
Queridos peregrinos de
Chartres,
“A luz veio ao mundo”, nos diz Jesus hoje no Evangelho (Jo
3,16-21*), “e os homens preferiram a escuridão”.
Queridos peregrinos, e vocês, escolheram a única luz que não
engana: a de Deus? Caminharam por três dias, rezaram, cantaram, sofreram sob o
sol e sob a chuva: Receberam a luz em seus corações? Realmente abandonaram a
escuridão? Escolheram seguir o Caminho seguindo a Jesus, que é a Luz do mundo?
Queridos amigos, permitam-me formular-lhes esta pergunta radical, porque se
Deus não é nossa luz, tudo o mais se torna inútil. Sem Deus, tudo é escuridão!
Deus veio a nós, se fez homem. Revelou-nos a única verdade
que salva, morreu para redimir-nos do pecado, e em Pentecostes nos deu o
Espírito Santo, nos deu a luz da fé… mas preferimos a escuridão!
Olhemos ao nosso redor! A sociedade ocidental escolheu
estabelecer-se sem Deus. Somos testemunhas de como agora se entrega às chamas e
enganadoras luzes da sociedade de consumo, para obter ganâncias a todo custa,
desde um individualismo frenético.
Um mundo sem Deus é um mundo de escuridão, de mentiras e de
egoísmo!
Sem a luz de Deus, a sociedade ocidental anda como um ébrio
na noite! Não tem suficiente amor para acolher às crianças, protegê-las desde o
útero de sua mãe, nem protegê-las da agressão da pornografia.
Privada da luz de Deus, a sociedade ocidental já não sabe
como respeitar a seus anciãos, acompanhar até a morte a seus enfermos, dar
lugar para os mais pobres e os mais débeis.
A sociedade está abandonada à escuridão do medo, a tristeza
e o isolamento. Não tem nada para oferecer a não ser vazio e o nada. E permite
a proliferação das ideologias mais loucas.
Uma sociedade ocidental sem Deus pode converter-se no berço
de um terrorismo ético e moral mais virulento e mais destrutivo que o
terrorismo islâmico. Recordem que Jesus nos disse: “E não temais aos que matam
o corpo, mas não podem matar a alma; temei mais aquele que pode destruir a alma
e o corpo no inferno” (Mt 10,28).
Queridos amigos, perdoem-me estas afirmações. Mas é preciso
ser claro e realista.
Se lhes falo desta maneira, é porque, em meu coração
sacerdotal e pastoral, sinto compaixão por tantas almas birrentas, perdidas,
tristes, preocupadas e solitárias. Quem nos levará à luz? Quem lhes mostrará o
caminho à verdade, o único caminho verdadeiro de liberdade que é o da Cruz?
Vamos permitir que as almas sejam entregues ao erro, ao niilismo sem esperança,
ou ao islamismo agressivo?
Devemos proclamar ao mundo que nossa esperança tem um nome:
Jesus Cristo, o único Salvador do mundo e da humanidade! Já não podemos ficar
em silencio!
Queridos peregrinos de França, olhem esta catedral! Seus
antepassados a construíram para proclamar sua fé! Tudo, em sua arquitetura,
sua escultura, suas janelas, proclamam a alegria de ser salvo e amado por Deus.
Seus antepassados não foram perfeitos, não careceram de pecados. Porém,
queriam deixar que a luz da fé iluminara sua escuridão!
Hoje, tu também, Povo de França, desperta! Escolhe a luz!
Renuncia à escuridão!
Como pode fazer isto? O Evangelho nos diz: “O que age
segundo a verdade sai à luz”. Deixemos que a luz do Espírito Santo ilumine
nossa vida de maneira concreta, inclusive nas partes mais íntimas de nosso ser
mais profundo. Agir de acordo com a verdade é primeiro colocar a Deus no centro
de nossas vidas, já que a Cruz é o centro desta catedral.
Meus irmãos, escolham ir a Deus todos os dias! Neste
momento, comprometam-se a guardar uns minutos de silêncio todos os dias para
dirigir-se a Deus e dizei-lhe: “Senhor, reinai em mim! Oferto-vos toda minha
vida!”
Queridos peregrinos, sem silêncio, não há luz. A escuridão
se alimenta do ruído incessante deste mundo, o que nos impede nos voltarmos a
Deus.
Tomem o exemplo da Liturgia da Missa hoje. Leva-nos à
adoração, ao temor filial e ao amor na presença da grandeza de Deus. Culmina na
Consagração onde juntos, de frente para o altar, nosso olhar dirigido ao
anfitrião, à Cruz, nos comunicamos em silêncio no recolhimento e em adoração.
Queridos amigos, amemos estas liturgias que nos permitem
saborear a presença silenciosa e transcendente de Deus e voltar-nos para o
Senhor.
Queridos irmãos sacerdotes, quero dirigir-me a vocês
especificamente. O Santo Sacrifício da Missa é o lugar onde encontrarão a luz
para seu ministério. O mundo em que vivemos nos exige constantemente. Estamos
constantemente em movimento, sem ter cuidado de deter-nos tomarmos o tempo para
ir a um lugar deserto para descansar um pouco, em soledade e silêncio, na
companhia do Senhor. Existe o perigo de que nos consideremos como “assistentes
sociais”. Então, não trazemos a Luz de Deus ao mundo, a não ser nossa própria
luz, que não é o que os homens esperam de nós. O que o mundo espera do
sacerdote é Deus e a luz de sua Palavra proclamada sem ambiguidade nem
falsificação.
Deixemos-nos saber como ir a Deus numa celebração litúrgica,
cheia de respeito, silêncio e santidade. Não inventem nada na Liturgia.
Recebamos tudo de Deus e da Igreja. Não busquemos espetáculo ou êxito. A
Liturgia nos ensina: Ser sacerdote não é, sobretudo, fazer muitas coisas. É
estar com o Senhor, na Cruz! A Liturgia é o lugar onde o homem se encontra com
Deus cara a cara. A Liturgia é o momento mais sublime quando Deus nos ensina a
“conformar-nos à imagem de seu Filho, para que Ele seja o primogênito entre
muitos irmãos” (Rm 8,29). A Liturgia não é e não deve ser motivo de dor,
luta ou conflito. Na Forma Ordinária, igualmente na Forma Extraordinária do
Rito Romano, o essencial é voltar-se para a Cruz, para Cristo, nosso Oriente,
nosso Tudo e nosso único Horizonte.
Queridos companheiros sacerdotes, mantenham sempre esta
certeza: estar com Cristo na Cruz é o que o celibato sacerdotal proclama ao
mundo! O plano, novamente proposto por alguns, de separar o celibato do
sacerdócio ao conferir o sacramento da Ordem aos homens casados (viri probati) por, dizem, “razões ou
necessidades pastorais”, teria sérias consequências, de fato, para romper
definitivamente com a Tradição Apostólica. Gostaríamos de fabricar um
sacerdócio de acordo com a nossa dimensão humana, mas sem perpetuar, sem
estender o sacerdócio de Cristo, obediente, pobre e casto. De fato, o sacerdote
não é só um “alter Christus”, mas sim
verdadeiramente “ipse Christus”, ele
é o próprio Cristo! E é por isso que, seguindo a Cristo e a Igreja, o sacerdote
sempre será um sinal de contradição! A vocês, queridos cristãos, Leigos
comprometidos com a vida da cidade, quero dizer com força: “Não tenham medo!
Não tenham medo de trazer a luz de Cristo a este mundo!
Teu primeiro testemunho deve ser teu próprio exemplo: atue
de acordo com a Verdade! Em sua família, em sua profissão, em suas relações
sociais, econômicas, políticas, que Cristo seja sua Luz! Não tenhas medo de
testemunhar que tua alegria provem de Cristo!
Por favor, não escondam a fonte de sua esperança! Pelo
contrário, proclame-o! Testemunhe-o! Evangelize! A Igreja necessita disso!
Lembre-se que só “o Cristo crucificado revela o verdadeiro significado da
liberdade” (Veritatis Splendor, 85) e
libera a liberdade que está hoje encadeada por falsos direitos humanos, todo
orientado para a autodestruição do homem!
Para vocês, queridos pais, quero enviar uma mensagem
especial. Ser pai e mãe no mundo de hoje é uma aventura cheia de sofrimento,
obstáculos e preocupações. A Igreja lhes diz: “Obrigado!” Sim, obrigado pela
generosa entrega de si mesmo! Tenham a coragem de criar a seus filhos à luz de
Cristo. Às vezes terão que lutar contra o vento dominante e suportar o escárnio
e o desprezo do mundo. Porém, não estamos aqui para agradar ao mundo!
“Proclamamos um Cristo crucificado, um escândalo para os judeus e uma loucura para
os gentios” (1Cor 1,23-24). Não temam! Não se rendam! A Igreja, através da voz
dos Papas, especialmente desde a encíclica Humanae
Vitae, lhes confia uma missão profética: testemunhar ante todos sobre nossa
confiança alegre em Deus, quem nos fez guardiões inteligentes da ordem natural.
Queridos pais e mães, a Igreja os ama! Amem a Igreja! Ela é
sua mãe. Não se unam aos que riem dela, porque só veem as rugas de seu rosto
envelhecido por séculos de sofrimento e dificuldades. Ainda hoje, ela é formosa
e irradia santidade.
Finalmente, quero dirigir-me a vocês, jovens que são
numerosos aqui!
Entretanto, peço primeiro que escutem a um “ancião” que tem
mais autoridade que eu. Este é o evangelista São João. Além do exemplo de sua
vida, São João também deixou uma mensagem e escreveu aos jovens. Em sua
Primeira Carta, lemos estas comovedoras palavras de um ancião aos jovens das
igrejas que ele havia fundado. Escutem sua voz cheia de vigor, sabedoria e
aconchego: “Escrevo-lhe, jovens, porque vocês são fortes, e a palavra de Deus
permanece em vocês, e vocês venceram ao maligno. Não amem ao mundo nem às
coisas do mundo” (1Jo 2,14-15).
O mundo que não devemos amar, como o Padre Raniero
Cantalamessa comentou em sua homilia da Sexta-feira Santa de 2018, não é, como
todos sabemos, o mundo criado e amado por Deus, não são as pessoas do mundo a
quem, pelo contrário, devemos acudir sempre, especialmente os pobres e os
pobres dos pobres, para amá-los e servi-los humildemente... Não! O mundo que
não devemos amar é outro mundo; é o mundo tal como se converteu sob o governo
de Satanás e o pecado. O mundo das ideologias que negam a natureza humana e
destroem a família... As estruturas da ONU, que impõem uma nova ética global,
tem um papel decisivo e se converteram hoje num poder esmagador, difundindo-se
através das possibilidades ilimitadas da tecnologia. Em muitos países
ocidentais, hoje em dia é um crime negar-se a submeter-se a estas horríveis
ideologias. Isto é o que chamamos adaptação ao espírito dos tempos,
conformismo. Um grande crente britânico e poeta do século passado, Thomas
Stearns Eliot escreveu alguns versos que dizem mais que livros inteiros: “Num
mundo de fugitivos, a pessoa que tome a direção oposta parecerá fugir”.
Queridos jovens cristãos, se é permitido que um “ancião”,
como São João, lhes fale diretamente, também eu lhes exorto, e lhes digo, vocês
venceram ao Maligno! Lutem contra qualquer lei contra a natureza que se lhes
imponha, e que oponha qualquer norma contra a vida, contra a família. Sejam
daqueles que tomam a direção oposta! Atrevam-se a ir contra! Para nós,
cristãos, a direção oposta não é um lugar, é uma Pessoa, é Jesus Cristo, nosso
Amigo e nosso Redentor. Uma tarefa lhes é especialmente encomendada: salvar o
amor humano da deriva trágica em que caiu: o amor, que já não é mais a oferta
de si mesmo, mas apenas a possessão do outro, uma posse muitas vezes
violentamente tirânica. Na Cruz, Deus se revelou a si mesmo como “ágape”, isto
é, como um amor que se entrega à morte. Amar de verdade é morrer pelo outro.
Queridos jovens, muitas vezes, sem dúvidas, sofrem em sua
alma a luta da escuridão e a luz. Às vezes se sentem seduzidos pelos prazeres
fáceis do mundo. Com todo meu coração de sacerdote, lhes digo: não duvidem!
Jesus lhes dará tudo! Seguindo-o para ser Santos, não perderão nada! Ganharão a
única alegria que nunca decepciona!
Queridos jovens, se hoje Cristo vos chama para segui-lo como
sacerdotes, como religiosos, não duvidem! Digam a Ele: “fiat”, um sim
entusiasta e incondicional!
Deus quer que o necessitem, que graça! Que alegria! O
Ocidente foi evangelizado pelos Santos e pelos Mártires. Vocês, jovens de hoje,
serão os santos e os mártires que as nações estão esperando numa Nova
Evangelização! Suas pátrias estão sedentas de Cristo! Não as decepcionem! A
Igreja confia em vocês!
Rezo para que muitos de vocês respondam hoje, durante esta
Missa, à chamada de Deus para segui-lo, deixá-lo todo por ele, por sua luz.
Queridos jovens, não tenham medo. Deus é o único amigo que nunca lhes
decepcionará! Quando Deus chama, é radical. Significa que vai todo o caminho
até a raiz. Queridos amigos, não estamos chamados a ser cristãos medíocres!
Não, Deus nos chama a todos à entrega total, ao martírio do corpo ou do
coração!
Queridos habitantes de França, foram os mosteiros que
fizeram a civilização de seu país! Foram homens e mulheres que aceitaram seguir
a Jesus até o final, radicalmente, os que construíram a Europa cristã. Isso foi
devido à sua busca somente de Deus, construíram uma civilização formosa e
pacífica, como esta catedral.
Gente de França, povos do Ocidente, encontrarão a paz e a
alegria somente buscando a Deus! Voltem à Fonte! Voltem aos mosteiros! Sim,
todos vocês, atrevam-se a passar uns dias num mosteiro! Neste mundo de tumulto,
fealdade e tristeza, os mosteiros são oásis de beleza e alegria. Experimentarão
que é possível por concretamente a Deus no centro de toda sua vida.
Experimentarão a única alegria que não passa.
Queridos peregrinos, abandonemos a escuridão. Escolham a
luz! Peçamos à Santíssima Virgem Maria saber dizer “fiat”, isto é, sim,
plenamente, como ela, para receber a luz do Espírito Santo como Ela o fez... Peçamos
a Nossa Santíssima Mãe ter um coração como o seu, um coração que não lhe nega
nada a Deus, um coração ardente com amor pela glória de Deus, um coração
ardente para anunciar aos homens a Boa Nova, um coração generoso, um coração
tão abundante como o coração de Maria, tão abundante como o da Igreja, e tão
rico como o do Coração de Jesus! Que assim seja!
* A Missa foi
celebrada na Forma Extraordinária do Rito Romano, na qual há ainda a Oitava de
Pentecostes. Portanto os textos são diferentes da Forma Ordinária.
Confira também o vídeo da homilia, legendada em português:
Tradução da homilia: Apostolado Forma Extraordinária do Rito Romano
Nenhum comentário:
Postar um comentário