Visita Pastoral a Bolonha
Santa Missa na Conclusão do Congresso Eucarístico Diocesano
Homilia do Papa Francisco
Estádio Dall'Ara, Bolonha
Domingo, 1° de outubro de 2017
Celebro convosco o
primeiro Domingo da Palavra: a Palavra de Deus faz arder o coração (cf. Lc 24,32),
porque nos faz sentir amados e confortados pelo Senhor. Também Nossa Senhora de
São Lucas, evangelista, nos pode ajudar a compreender a ternura materna da
Palavra «viva», que contudo é ao mesmo tempo «incisiva», como no Evangelho de
hoje (Mt 21,28-32): com efeito, penetra na alma (cf. Hb 4,12) e evidencia os
segredos e as contradições do coração.
Hoje [XXVI Domingo do Tempo Comum - Ano A] ] provoca-nos
com a parábola dos dois filhos, que quando o pai pede para irem trabalhar na
sua vinha respondem: o primeiro, não, mas depois vai; o segundo sim, mas acaba
por não ir. Há contudo uma grande diferença entre o primeiro filho, que é
preguiçoso, e o segundo, que é hipócrita. Procuremos imaginar o que aconteceu
dentro deles. No coração do primeiro, depois do não, ressoava ainda o convite
do pai; no segundo, ao contrário, não obstante o sim, a voz do pai estava
sepultada. A recordação do pai arrancou o primeiro filho da preguiça, enquanto
o segundo, mesmo conhecendo o bem, desmentiu a palavra com a ação. Com efeito,
tinha-se tornado impermeável à voz de Deus e da consciência para abraçar uma
vida dupla. Com esta parábola, Jesus põe dois caminhos diante de nós, que -
experimentamo-lo - nem sempre estamos prontos para dizer sim com as palavras e
com as obras, porque somos pecadores. Mas podemos escolher ser pecadores
a caminho, que permanecem à escuta do Senhor e quando caem arrependem-se e
levantam-se, como o primeiro filho; ou ser pecadores sentados,
prontos a justificar-se sempre e só com palavras segundo o que convém.
Jesus dirigiu esta
parábola a alguns chefes religiosos da época, que eram semelhantes ao filho da
vida dupla, enquanto as pessoas comuns se comportavam muitas vezes como o outro
filho. Estes chefes sabiam e explicavam tudo, de modo formalmente
irrepreensível, como verdadeiros intelectuais da religião. Mas não
tinham a humildade de ouvir, a coragem de se questionar, a força de se
arrepender. E Jesus é muito severo: diz que até os publicanos os precedem no
Reino de Deus. É uma reprovação forte, porque os publicanos eram corruptos
traidores da pátria. Qual era então o problema destes chefes? Não erravam em
algo, mas sim no modo de viver e de pensar diante de Deus: eram, por palavras e
com os outros, guardas inflexíveis das tradições humanas, incapazes de
compreender que a vida segundo Deus é a caminho e requer a
humildade de se abrir, de se arrepender e de recomeçar.
E isto o que nos
diz? Que não existe uma vida cristã que se pode planear, cientificamente
construída, onde é suficiente cumprir alguns ditados para ficar com a
consciência tranquila: a vida cristã é um caminho humilde com
uma consciência que nunca é rígida mas está sempre em relação com Deus, que
sabe arrepender-se e entregar-se a Ele na suas pobrezas, sem nunca presumir que
é autossuficiente. Assim se superam as edições revistas e atualizadas daquele
mal antigo, denunciado por Jesus na parábola: a hipocrisia, a vida dupla, o
clericalismo que se faz acompanhar pelo legalismo, o afastamento do povo. A
palavra-chave é arrepender-se: é o arrependimento que permite não
ser rigoroso, transformar o não a Deus em sim, e
o sim ao pecado em não por amor do Senhor. A
vontade do Pai, que todos os dias fala delicadamente à nossa consciência, só se
cumpre na forma do arrependimento e da conversão contínua. Em síntese, no
caminho de cada um há duas possibilidades: ser pecadores
arrependidos ou pecadores hipócritas. Mas o que conta não
são os raciocínios que justificam e procuram salvar as aparências, mas um
coração que vai em frente com o Senhor, luta todos os dias, arrepende-se e
volta para Ele. Porque o Senhor procura puros de coração, não puros
“na aparência”.
Vejamos então,
queridos irmãos e irmãs, que a Palavra de Deus escava profundamente, «discerne
os sentimentos e os pensamentos do coração» (Hb 4,12). Mas ao mesmo
tempo é atual: a parábola recorda-nos também as relações, nem sempre fáceis,
entre pais e filhos. Hoje, na velocidade com a qual se muda de uma geração para
outra, sente-se mais necessidade de autonomia do passado, por vezes até à
rebelião. Mas, depois dos fechamentos e dos longos silêncios de um lado ou do
outro, é bom recuperar o encontro, mesmo se ainda habitado por conflitos, que
podem tornar-se estímulo de um novo equilíbrio. Assim como em família, também
na Igreja e na sociedade: nunca renunciar ao encontro, ao diálogo, a procurar
novas vias para caminhar juntos.
No caminho da Igreja surge muitas vezes a pergunta: para onde ir, como ir em frente? Gostaria de vos deixar, como conclusão deste dia, três pontos de referência, três “P”. O primeiro é a Palavra, que é a bússola para caminhar humilde, para não perder o caminho de Deus e cair na mundanidade. O segundo é o Pão, o Pão eucarístico, porque tudo começa na Eucaristia. É na Eucaristia que se encontra a Igreja: não nas indiscrições e nas crônicas, mas aqui, no Corpo de Cristo partilhado por pessoas pecadoras e necessitadas, que contudo se sentem amadas e então desejam amar. Parte-se daqui e assim reencontramo-nos todas as vezes, este é o início irrenunciável do nosso ser Igreja. Proclama-o “em voz alta” o Congresso Eucarístico: a Igreja reúne-se assim, nasce e vive em volta da Eucaristia, com Jesus presente e vivo para adorar, receber e doar todos os dias. Por fim, o terceiro P: os pobres. Infelizmente ainda hoje tantas pessoas não têm o necessário. Mas há também muitos pobres de afeto, pessoas sozinhas e pobres de Deus. Em todas elas encontramos Jesus, porque Jesus seguiu no mundo a via da pobreza, da aniquilação, como diz São Paulo na segunda Leitura: «Despojou-se de si mesmo assumindo a condição de servo» (Fl 2,7). Da Eucaristia aos pobres, vamos ao encontro de Jesus. Reproduzistes a inscrição que o Cardeal Lercaro gostava de ver gravada no altar: «Se partilhamos o pão do céu, por que não partilhar o terrestre?». Far-nos-á bem recordar sempre isto. A Palavra, o Pão e os pobres: peçamos a graça de nunca esquecer estes alimentos-base, que amparam o nosso caminho.
Fonte: Santa Sé.
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