São João Crisóstomo
Sermão 75 sobre o Evangelho de São João
Não vos deixareis desamparados
Se me amais, guardareis os meus mandamentos.
Eu vos dei um mandamento: que vos amei mutuamente e façais uns aos outros como
Eu fiz convosco. Nisto consiste o amor: em cumprir os mandamentos e colocar-se
a serviço do amado. E eu pedirei ao Pai
que vos dê outro Defensor. São palavras de despedida. E como ainda não o
conheciam bem, era muito provável que eles teriam de buscar ansiosamente a
companhia do ausente, suas palavras, sua presença física, e que não teriam de
aceitar, uma vez que Ele tivesse partido, nenhum tipo de consolo. E o que Ele
diz? Eu pedirei ao Pai que vos dê outro
Defensor, isto é, outro como eu.
Depois de tê-los
purificado com o seu sacrifício, então sobrevoou o Espírito Santo. Por que não
veio quando Jesus estava com eles? Porque ainda não se tinha oferecido o
sacrifício. Mas uma vez que o pecado foi apagado e eles, enviados aos perigos,
se disporiam para a luta, era necessário o envio do Consolador. E por que o
Espírito não veio imediatamente depois da Ressurreição? Justamente para que,
avivados por um desejo mais ardente, o recebessem com maior fruto.
De fato,
enquanto Cristo estava com eles, não conheciam a aflição; mas quando Ele se
foi, ao ficarem sozinhos e tomados de temor, haveriam de recebê-lo com um maior
anelo. Que permaneça sempre convosco,
isto é, não vos abandonará nem mesmo depois da morte. E para que, ao ouvir
falar do Defensor, não pensassem em uma nova encarnação e acolhessem a
esperança de vê-lo com seus próprios olhos, a fim de afastar semelhante
suspeita, diz: O mundo não pode recebê-lo
porque não o vê.
Porque não
viverá convosco como Eu, mas sim habitará em vossas almas, pois é isso que quer
dizer permaneça convosco. O chama
Espírito da verdade, ligando assim as figuras da antiga Lei. Para que permaneça convosco. Que
significa permaneça convosco? O mesmo
que disse de si mesmo: Eu estou convosco.
Mas ainda insinua outra coisa: Não vai padecer o que Eu padeci, nem se
ausentará.
O mundo não pode recebê-lo porque não o vê.
Mas como? É porque o Espírito se contava entre as coisas visíveis? Em absoluto.
O que acontece é que Cristo se refere aqui ao conhecimento, pois acrescenta: nem o conhece, já que habitualmente se
chama visão ao conhecimento penetrante. Realmente, sendo a vista o mais
destacado dos sentidos, mediante ela sempre designa o conhecimento penetrante.
Ele chama aqui “mundo” aos perversos, e desta forma consola aos seus
discípulos, oferecendo-lhes este precioso dom. Vede como exalta a grandeza
deste dom. Diz que é distinto d’Ele; acrescenta: “não vos deixará”; insiste:
virá unicamente a eles, como também Eu vim. Disse: Permaneça em vós; mas nem mesmo assim dissipou sua tristeza. Ainda
o buscavam, queriam sua companhia. Para tranquiliza-los diz: Tampouco Eu vos deixarei desamparados, voltarei. Ele
diz: Não temais; não disse que vos enviarei outro Defensor porque Eu vou
deixar-vos para sempre; nem disse: vive em vós, como se não tenha de voltar a
vê-los. Na realidade, também Eu virei a vós. Não vos deixarei desamparados.
Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp. 105-106. Para adquiri-lo no site da Editora Vozes, clique aqui.
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