terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

Mensagem do Papa Francisco para a Quaresma 2023

Papa Francisco
Mensagem para a Quaresma de 2023
Ascese quaresmal, itinerário sinodal

Queridos irmãos e irmãs!
Os Evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas coincidem em narrar o episódio da Transfiguração de Jesus (Mt 17,1-9; Mc 9,2-10; Lc 9,28-36). Neste acontecimento, vemos a resposta do Senhor a uma falta de compreensão manifestada pelos seus discípulos. De fato, pouco antes registrara-se uma verdadeira divergência entre o Mestre e Simão Pedro; este começara professando a sua fé em Jesus como Cristo, o Filho de Deus (Mt 16,15-19), mas em seguida rejeitara o seu anúncio da Paixão e da Cruz (vv. 21-23). E Jesus censurara-o asperamente: «Afasta-te, Satanás! Tu és para Mim um estorvo, porque os teus pensamentos não são os de Deus, mas os dos homens» (v. 23). Por isso, «seis dias depois, Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e seu irmão João, e levou-os, só a eles, a um alto monte» (Mt 17,1).


O Evangelho da Transfiguração é proclamado, cada ano, no II Domingo da Quaresma. Realmente, neste tempo litúrgico o Senhor toma-nos consigo e conduz-nos à parte. Embora os nossos compromissos ordinários nos peçam para permanecer nos lugares habituais, transcorrendo uma vida quotidiana frequentemente repetitiva e por vezes enfadonha, na Quaresma somos convidados a subir «a um alto monte» juntamente com Jesus, para viver com o Povo santo de Deus uma particular experiência de ascese.

A ascese quaresmal é um empenho, sempre animado pela graça, no sentido de superar as nossas faltas de fé e as resistências em seguir Jesus pelo caminho da cruz. Aquilo precisamente de que Pedro e os outros discípulos tinham necessidade. Para aprofundar o nosso conhecimento do Mestre, para compreender e acolher profundamente o mistério da salvação divina, realizada no dom total de si mesmo por amor, é preciso deixar-se conduzir por Ele à parte e ao alto, rompendo com a mediocridade e as vaidades. É preciso pôr-se a caminho, um caminho em subida, que requer esforço, sacrifício e concentração, como uma excursão na montanha. Estes requisitos são importantes também para o caminho sinodal que nos comprometemos, como Igreja, a realizar. Fará bem a nós refletir sobre esta relação que existe entre a ascese quaresmal e a experiência sinodal.

Para o «retiro» no Monte Tabor, Jesus leva consigo três discípulos, escolhidos para serem testemunhas de um acontecimento singular; Ele deseja que aquela experiência de graça não seja vivida solitariamente, mas de forma compartilhada, como é, aliás, toda a nossa vida de fé. Seguimos Jesus juntos; e juntos, como Igreja peregrina no tempo, vivemos o Ano Litúrgico e, nele, a Quaresma, caminhando com aqueles que o Senhor colocou ao nosso lado como companheiros de viagem. À semelhança da subida de Jesus e dos discípulos ao Monte Tabor, podemos dizer que o nosso caminho quaresmal é «sinodal», porque o percorremos juntos pelo mesmo caminho, discípulos do único Mestre. Mais ainda, sabemos que Ele mesmo é o Caminho (Jo 14,6) e, por conseguinte, tanto no itinerário litúrgico como no do Sínodo, a Igreja não faz outra coisa senão entrar cada vez mais profunda e plenamente no mistério de Cristo Salvador.

E chegamos ao momento culminante. O Evangelho narra que Jesus «transfigurou-Se diante deles: o seu rosto resplandeceu como o sol, e as suas vestes tornaram-se brancas como a luz» (Mt 17,2). Aqui aparece o «cume», a meta do caminho. No final da subida, enquanto estão no alto do monte com Jesus, os três discípulos recebem a graça de O verem na sua glória, resplandecente de luz sobrenatural, que não vinha de fora, mas irradiava d’Ele mesmo. A beleza divina desta visão mostrou-se incomparavelmente superior a qualquer cansaço que os discípulos pudessem ter sentido enquanto subiam ao Tabor. Como toda a esforçada excursão na montanha, ao subir é preciso manter os olhos bem fixos no caminho; mas o panorama que se deslumbra no final surpreende e compensa pela sua maravilha. Com frequência também o processo sinodal se apresenta árduo e por vezes podemos até desanimar; mas aquilo que nos espera no final é algo, sem dúvida, maravilhoso e surpreendente, que nos ajudará a compreender melhor a vontade de Deus e a nossa missão ao serviço do seu Reino.

Transfiguração do Senhor (Girolamo da Santacroce)

A experiência dos discípulos no monte Tabor torna-se ainda mais enriquecedora quando, ao lado de Jesus transfigurado, aparecem Moisés e Elias, que personificam respetivamente a Lei e os Profetas (Mt 17,3). A novidade de Cristo é cumprimento da antiga Aliança e das promessas; é inseparável da história de Deus com o seu povo, e revela o seu sentido profundo. De forma análoga, o caminho sinodal está radicado na tradição da Igreja e, ao mesmo tempo, aberto para a novidade. A tradição é fonte de inspiração para procurar estradas novas, evitando as contrapostas tentações do imobilismo e da experimentação improvisada.

O caminho ascético quaresmal e, de modo semelhante, o sinodal, têm como meta uma transfiguração pessoal e eclesial. Uma transformação que, em ambos os casos, encontra o seu modelo na de Jesus e realiza-se pela graça do seu Mistério Pascal. Para que, neste ano, se possa realizar em nós tal transfiguração, quero propor duas «veredas» que é necessário percorrer para subir juntamente com Jesus e chegar com Ele à meta.

A primeira diz respeito à ordem que Deus Pai dirige aos discípulos no Tabor, enquanto estão contemplando Jesus transfigurado. A voz da nuvem diz: «Escutai-O» (Mt 17,5). Assim a primeira indicação é muito clara: escutar Jesus. A Quaresma é tempo de graça na medida em que nos colocamos à escuta d’Ele, que nos fala. E como Ele nos fala? Antes de tudo na Palavra de Deus, que a Igreja nos oferece na Liturgia: não a deixemos cair no vazio; se não podermos participar sempre na Missa, ao menos leiamos as leituras bíblicas de cada dia valendo-nos até da ajuda da internet. Além da Sagrada Escritura, o Senhor fala-nos nos irmãos, sobretudo nos rostos e vicissitudes daqueles que precisam de ajuda. Mas quero acrescentar ainda outro aspecto, muito importante no processo sinodal: a escuta de Cristo passa também através da escuta dos irmãos e irmãs na Igreja; em algumas fases, esta escuta recíproca é o objetivo principal, mas permanece sempre indispensável no método e estilo de uma Igreja sinodal.

Ao ouvir a voz do Pai, «os discípulos caíram com a face por terra, muito assustados. Aproximando-Se deles, Jesus tocou-lhes dizendo: “Levantai-vos e não tenhais medo”. Erguendo os olhos, os discípulos apenas viram Jesus e mais ninguém» (Mt 17,6-8). E aqui temos a segunda indicação para esta Quaresma: não se refugiar em uma religiosidade feita de acontecimentos extraordinários, de sugestivas experiências, levados pelo medo de encarar a realidade com as suas fadigas diárias, as suas durezas e contradições. A luz que Jesus mostra aos seus discípulos é uma antecipação da glória pascal, e é rumo a esta que se torna necessário caminhar seguindo «apenas Jesus e mais ninguém». A Quaresma orienta-se para a Páscoa: o «retiro» não é um fim em si mesmo, mas prepara-nos para viver - com fé, esperança e amor - a Paixão e a Cruz, a fim de chegarmos à Ressurreição. Também o percurso sinodal não nos deve iludir quanto ao ponto de chegada, que não é quando Deus nos dá a graça de algumas experiências fortes de comunhão, pois aí o Senho também nos repete: «Levantai-vos e não tenhais medo». Desçamos à planície e que a graça experimentada nos sustente para sermos artesãos de sinodalidade na vida ordinária das nossas comunidades.

Queridos irmãos e irmãs, que o Espírito Santo nos anime nesta Quaresma na subida com Jesus, para fazermos experiência do seu esplendor divino e assim, fortalecidos na fé, prosseguirmos o caminho com Ele, glória do seu povo e luz das nações.

Roma, em São João de Latrão, na Festa da Conversão de São Paulo, 25 de janeiro de 2023.

FRANCISCO


Fonte: Santa Sé.

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