São Beda, o Venerável
Sermão sobre a samaritana no poço de Jacó
Se
conhecesses o dom de Deus
Naquele tempo, Jesus chegou a uma cidade da
Samaria, chamada Sicar, perto do terreno que Jacó tinha dado ao seu filho José.
Era aí que ficava o poço de Jacó. Vejam como o Senhor vinha cansado do
caminho: Ele pode se cansar entre nós e por nós, estando, ao mesmo tempo,
sempre em si mesmo sem nenhum movimento e em perpétuo repouso; e sendo estável
em seu movimento e em sua estabilidade móvel. Sentou-se, então, sobre a fonte
para aliviar-se de seu cansaço, e em tudo isso teve respeito à sua dignidade e
magistério, porque estar sentado é próprio dos mestres que ensinam.
E veio à cidade
dos samaritanos para dar-lhes de passagem algum benefício de sua sacra
doutrina; e teve por bem achegar-se à herança que Jacó deu a seu filho José, a
fim de mostrar a todos como Ele era verdadeiramente Aquele ao qual o santo José
havia prefigurado, e aquele ao qual o verdadeiro sol e a verdadeira lua adoram,
e ao qual todas as estrelas servem. Ele era, igualmente, aquele José ao qual os
irmãos cruéis – que eram os judeus – perseguiam injustamente. Sentou-se sobre a
fonte, porque sabia muito bem que ali viria uma mulher, que desde a eternidade
Ele soberanamente tinha escolhido para que viesse a crer e se salvar. E assim
segue:
Chegou uma mulher da Samaria para tirar
água. Jesus lhe disse: Dá-me de beber. Mas o que é isto, o Senhor pede de
beber a uma mulher samaritana, prometendo-lhe - como logo o veremos - a
abundância de uma fonte para que bebam os que n’Ele crerem? Mas, na realidade,
o Senhor tinha sede, não tanto de beber água, mas da saúde espiritual daquela
mulher; e que tal sede era de fato assim, as seguintes palavras o declaram: O meu alimento é fazer a vontade de meu Pai.
Pois acrediteis, este é o seu beber, este o seu comer; o seu desejo de
alimento e de bebida era ver cumprida naquela mulher a soberana vontade do Pai.
Mas a mulher, tendo ainda entendimento carnal, e crendo que a sede do Senhor
era corporal, respondeu-lhe:
Como é que tu, sendo judeu, pedes de beber a
mim, que sou uma mulher samaritana? A razão de seu espanto explica-se nas
seguintes palavras: De fato, os judeus
não se dão com os samaritanos. E isto de tal maneira que não dão nem
recebem nada deles: os têm por inimigos, porque lhes têm sua terra ocupada, e
tendo-os por desprezíveis porque adoram os ídolos juntamente com Deus. Por isso
era tido como injurioso chamar um samaritano. Desta injúria se serviram muitas
vezes os judeus contra nosso Redentor, chamando-o também de samaritano. Ouçamos
o que o Senhor respondeu a esta mulher que ainda estava em trevas e não tinha
nenhuma luz:
Se tu conhecesses o dom de Deus, e quem é
que te diz: “Dá-me de beber”, tu mesma lhe pedirias a Ele, e Ele te daria água
viva. O dom de Deus não é outra coisa a não ser o Espírito Santo: este é o
dom que o Senhor enviou aos seus amigos depois de sua gloriosa Ascensão.
Porque, como a santa Escritura o diz: Subindo
ao céu levou cativa a catividade, e deu dádivas aos homens; e o santo
evangelista diz em outro lugar: Não foi
ainda dado o Espírito Santo, porque Jesus Cristo ainda não estava glorificado
pela sua Ascensão, de maneira que o Senhor declara à boa mulher que Ele não
tinha sede da água que ela pensava, porque sua sede era da sua fé, e para isto
queria dar-lhe o dom do Espírito Santo, com o qual apagasse nela a sede
espiritual que tinha. Esta água é a mesma da qual o Senhor falou quando estava
no templo dizendo: O que tem sede venha a
mim e beba, e de seu interior manarão fontes de água viva. O sagrado
evangelista, ao declarar estas palavras, acrescentou: Isto dizia o Senhor a respeito do Espírito que havia de vir sobre todos
os que cressem n’Ele.
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