São João Crisóstomo
Sermão 13 sobre São Mateus
“Jesus jejuou não porque ele o
necessitasse, mas para instruir-nos”
Então Jesus foi levado ao deserto pelo
Espírito para ser tentado pelo diabo. Então, quando? Depois de ter descido
o Espírito Santo; depois daquela voz vinda dos céus que dizia: Este é meu Filho muito amado em quem tenho
minhas complacências. E o que é mais incrível: foi levado pelo Espírito
Santo, porque foi o próprio Espírito quem o levou ao deserto. Cristo vinha para
ensinar-nos, e para isto fazia e padecia tudo. Por isso quis ser levado ao
deserto e entrar nessa batalha com o demônio, para que cada um dos batizados,
se após o Batismo padece maiores tentações, não se perturbe como se
experimentasse o inesperado, mas permaneça firme no padecer, pois tudo lhe
acontece conforme a reta ordem das coisas. Para isto tomas-te as armas; não
para ficar ocioso, mas para combater.
Deus não impede
que as tentações sejam lançadas sobre nós, em primeiro lugar para que vejas que
te fez muito mais forte. Além do mais, para que não te estimes excessivamente,
e não te ensoberbeças pela grandeza do dom que te foi conferido, visto que as
tentações te mantêm em humildade. Também para que o demônio maligno, duvidando
se é verdade que renunciaste a ele, pela experiência das tentações se confirme
que de tudo lhe apartaste. Em quarto lugar, para que assim te forjes mais duro
e mais forte que o ferro. Em quinto lugar, para que com isso tenhas a
demonstração do grande tesouro que te foi confiado. O demônio não te atacaria
se não te visse colocado nas mais altas honras.
Tal foi o motivo
pelo qual nas origens se levantou contra Adão, pois o via desfrutando de alta
dignidade. Pela mesma razão se levantou contra Jó, ao vê-lo recompensado e
louvado pelo Deus de todos. Por que Jesus disse: Orai para que não caias em tentação? Por isso não nos é apresentado
a Jesus indo espontaneamente para a tentação, mas levado de acordo com uma
razoável providência, dando-nos a entender que não devemos expor-nos, mas se
somos levados à tentação, resistamos a ela com fortaleza.
Considera aonde
o Espírito Santo o levou: não para a cidade, nem para a praça, mas ao deserto.
Como o demônio queria bajulá-lo e atraí-lo, o Espírito Santo lhe apresenta a
ocasião, não somente pelo aspecto da fome, mas também pelo próprio lugar. O
demônio nos ataca especialmente quando nos vê sozinhos e quando andamos
afastados dos outros. Assim atacou a mulher nas origens, aproximando-se dela
quando estava só, sem seu marido. Quando ele vê a vários reunidos, não se
atreve a atacar. Por isto convém que com frequência nos congreguemos, para que
não sejamos presa fácil do diabo.
O demônio
encontrou, pois, a Jesus no deserto, e em uma região inóspita e sem trilhas.
Que assim eram aquelas paragens, o refere Marcos dizendo: E morava entre as feras. Porém adverte com quanta astúcia e
perversidade se aproxima dele, e que ocasião escolhe. Não ataca Jesus enquanto
está jejuando, mas quando teve fome, para que aprendas que grande bem é o
jejum, e que arma tão poderosa contra o demônio; e que depois do Batismo não te
entregues aos prazeres, nem à embriaguez, nem às iguarias, mas ao jejum. Por
isso Jesus jejuou, não porque ele o necessitasse, mas para instruir-nos.
Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp.
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