VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO
A CUBA E AOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA
(19-28 DE SETEMBRO DE 2015)
A CUBA E AOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA
(19-28 DE SETEMBRO DE 2015)
ENCONTRO
COM OS BISPOS DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA
DISCURSO
DO SANTO PADRE
Catedral
de São Mateus, Washington
Quarta-feira, 23 de Setembro de 2015
Quarta-feira, 23 de Setembro de 2015
Queridos Irmãos no Episcopado!
Antes de mais nada, quero enviar uma saudação à comunidade judaica, aos
nossos irmãos judeus, que hoje celebram a festa do Yom Kippur. Que o
Senhor os abençoe com a paz e os faça avançar no caminho da santidade, segundo
a Palavra d’Ele que ouvimos hoje: «Sede santos, porque Eu (…) sou santo» (Lv 19,
2).
Estou feliz por vos encontrar neste momento da missão apostólica que me
trouxe ao vosso país e agradeço vivamente ao Cardeal Donald Wuerl e ao
Arcebispo Joseph Edward Kurtz as amáveis palavras que me dirigiram em nome
também de todos vós. Recebei os meus sentimentos de gratidão pela recepção e
também pela generosa disponibilidade com que foi programada e organizada a
minha estadia.
Ao abraçar com o olhar e o coração os vossos rostos de pastores, quero
estreitar ao peito as Igrejas que levais amorosamente aos ombros e peço-vos
para lhes assegurar que a minha solidariedade humana e espiritual envolve, por
vosso intermédio, todo o povo de Deus espalhado por esta vasta terra.
O coração do Papa dilata-se para incluir a todos. Alargar o coração para
testemunhar que Deus é grande no seu amor, é a essência da missão do Sucessor
de Pedro, Vigário d’Aquele que na Cruz abraçou a humanidade inteira. Que nenhum
membro do Corpo de Cristo e da nação americana se sinta excluído do abraço do
Papa. Em todo o lado onde aflore aos lábios o verdadeiro nome de Jesus, lá
ressoe também a voz do Papa para assegurar: «é o Salvador». Desde as
vossas grandes cidades da costa leste até às planícies do midwest,
desde o extremo sul até ao ilimitado oeste, onde quer que o vosso povo se reúna
na assembleia eucarística, o Papa não seja um mero nome pronunciado
rotineiramente, mas uma companhia palpável empenhada a sustentar a voz que se
eleva do coração da Esposa: «Vinde, Senhor!»
Quando uma mão se estende para fazer o bem ou tornar próximo o amor de
Cristo, para limpar uma lágrima ou fazer companhia a alguém na solidão, para
indicar a estrada a um extraviado ou reanimar um coração já despedaçado, para
se inclinar sobre uma pessoa caída ou ensinar um sedento da verdade, para
oferecer o perdão ou guiar para um novo começo em Deus... sabei que o Papa vos
acompanha, o Papa vos sustenta e, sobre a vossa mão, apoia também ele a sua já
velha e enrugada mas, por graça de Deus, ainda capaz de sustentar e encorajar.
A minha primeira palavra é de acção de graças a Deus pelo dinamismo do
Evangelho que consentiu o notável crescimento da Igreja de Cristo nestas terras
e permitiu a generosa contribuição que ela ofereceu, e continua a oferecer, à
sociedade norte-americana e ao mundo. Vejo com vivo apreço e agradeço comovido
a vossa generosidade e solidariedade com a Sé Apostólica e com a evangelização
em muitas partes atribuladas do mundo. Alegro-me com o indómito empenho da
Igreja em prol da causa da vida e da família, motivo saliente desta minha
visita. Sigo atentamente o esforço enorme feito para a recepção e integração
dos imigrantes, que continuam a olhar para a América com a visão dos peregrinos
que chegaram à procura dos seus promissores recursos de liberdade e
prosperidade. Admiro a canseira com que levais por diante a missão educativa
nas vossas escolas de todos os níveis e a obra caritativa nas vossas numerosas
instituições. São actividades realizadas frequentemente sem qualquer estímulo
ou apoio e, em todo o caso, mantidas heroicamente com o óbolo dos pobres,
porque tais iniciativas derivam de um mandato sobrenatural a que não é lícito
desobedecer. Estou consciente da coragem com que enfrentastes momentos obscuros
do vosso percurso eclesial, sem temer autocríticas nem vos poupardes a
humilhações e sacrifícios, sem ceder ao temor de vos despojardes de quanto é
secundário, contanto que se recuperasse a credibilidade e a confiança requerida
aos Ministros de Cristo, como o espera a alma do vosso povo singular. Sei
quanto vos pesou a ferida dos últimos anos e acompanhei o vosso generoso
esforço para curar as vítimas – conscientes de que, curando, também nós ficamos
curados – e para continuar a agir a fim de que tais crimes nunca mais se
repitam.
Falo-vos como Bispo de Roma, já na velhice, chamado por Deus, duma terra
que também é americana, a fim de guardar a unidade da Igreja universal e
encorajar na caridade o percurso de todas as Igrejas particulares para que
progridam no conhecimento, na fé e no amor de Cristo. Lendo os vossos nomes e
sobrenomes, observando as vossas feições, conhecendo a medida alta da vossa
consciência eclesial e sabendo da veneração que sempre nutristes pelo Sucessor
de Pedro, devo dizer que não me sinto um estrangeiro no meio de vós. De facto,
sou oriundo duma terra – também ela vasta, ilimitada e por vezes informe – que,
à semelhança da vossa, recebeu a fé da bagagem dos missionários. Conheço bem o
desafio de semear o Evangelho no coração de homens, originários de mundos
diferentes, muitas vezes endurecidos pela estrada dura percorrida antes de se
estabelecerem. Não me é estranha a história da fadiga de implantar a Igreja
entre planícies, montanhas, cidades e subúrbios dum território frequentemente
inóspito, onde as fronteiras sempre são provisórias, as respostas óbvias não
duram e a chave de entrada requer a capacidade de saber combinar o esforço
épico dos pioneiros exploradores com a prosaica sabedoria e resistência dos
sedentários que supervisionam o espaço alcançado. Como cantou um poeta vosso, «asas
fortes e incansáveis», mas também a sabedoria de quem «conhece as
montanhas».[1]
Não sou o único a falar-vos. A minha voz coloca-se em continuidade com
tudo aquilo que os meus Antecessores vos deram. Com efeito, desde os alvores da
«nação americana», quando após a revolução foi erecta a primeira diocese
em Baltimore, a Igreja de Roma esteve sempre próxima de vós e nunca vos faltou
a sua assistência constante e o seu encorajamento. Nas últimas décadas,
visitaram-vos três dos meus venerados Antecessores, confiando-vos um notável
património de doutrina ainda hoje actual, a que vos tendes inspirado para
orientar os clarividentes programas pastorais com que é guiada esta amada
Igreja.
Não é minha intenção traçar um programa ou delinear uma estratégia. Não
vim para vos julgar ou dar lições. Confio plenamente na voz d’Aquele que «vos
ensinará tudo» (Jo 14, 26). Consenti-me apenas de vos poder
falar, com a liberdade do amor, como um irmão entre irmãos. Não me preme
dizer-vos o que fazer, porque sabemos todos o que nos pede o Senhor. Prefiro
antes voltar uma vez mais sobre aquela fadiga – antiga e sempre nova – de nos
interrogarmos acerca dos caminhos a percorrer, dos sentimentos que se devem
preservar enquanto se trabalha, do espírito com que agir. Sem a pretensão de
ser exaustivo, partilho convosco algumas reflexões que considero oportunas para
a nossa missão.
Somos bispos da Igreja, pastores constituídos por Deus para apascentar o
seu rebanho. A nossa maior alegria é ser pastores, nada mais do que pastores,
de coração indiviso e entrega irreversível de nós mesmos. É preciso guardar
esta alegria, não deixando que no-la roubem. O maligno ruge como leão
procurando devorá-la, desgastando assim tudo aquilo que somos chamados a ser,
não para nós mesmos, mas o oferecer em dom e ao serviço do «Pastor das
nossas almas» (cf. 1 Pd 2, 25).
A essência da nossa identidade deve ser procurada no rezar com
assiduidade, no pregar (Act 6, 4) e no apascentar (Jo 21,
15-17;Act 20, 28-31).
Não uma oração qualquer, mas a união familiar com Cristo, durante a qual
cruzemos diariamente o nosso olhar com o d’Ele para ouvir, dirigida a nós, a
sua pergunta: «Quem é minha mãe? Quem são os meus irmãos?» (cf. Mc 3,
31-34). E poder-Lhe responder serenamente: «Senhor, aqui está a tua Mãe,
aqui estão os teus irmãos! Entrego-os a Ti, são aqueles que me confiaste».
É de tal confidência com Cristo que se alimenta a vida do pastor.
Não uma pregação de doutrinas complicadas, mas o anúncio jubiloso de
Cristo, morto e ressuscitado por nós. O estilo da nossa missão suscite em todos
os nossos ouvintes a experiência do «por nós» deste anúncio: a Palavra
dê sentido e plenitude a cada fragmento das suas vidas, os Sacramentos
nutram-nos com aquele alimento que não está ao alcance deles, a proximidade do
pastor desperte neles a saudade do abraço do Pai. Velai para que o rebanho encontre
sempre no coração do pastor aquela reserva de eternidade que, afanosamente mas
em vão, procura nas coisas do mundo. Encontre sempre nos vossos lábios o apreço
pela capacidade de fazer e construir, na liberdade e na justiça, a prosperidade
de que é pródiga esta terra. Mas não falte a coragem serena de confessar que «é
preciso trabalhar, não pelo alimento que desaparece, mas pelo alimento que
perdura e dá a vida eterna» (Jo 6, 27).
Não se apascentar a si mesmo, mas saber esconder-se, diminuir, descentralizar-se,
para alimentar de Cristo a família de Deus. Velar indomitamente, subindo alto
para abarcar, com o olhar de Deus, o rebanho que só a Ele pertence. Elevar-se à
altura da cruz de seu Filho, o único ponto de vista que abre ao pastor o
coração do seu rebanho.
Não olhar para baixo no próprio eu, mas sempre para os horizontes de
Deus, que ultrapassam tudo o que nós somos capazes de prever ou planificar.
Velar também sobre nós para fugirmos da tentação do narcisismo, que cega os
olhos do pastor, torna irreconhecível a sua voz, e estéril o seu gesto. Nos
múltiplos caminhos que se abrem à vossa solicitude pastoral, lembrai-vos de
conservar indelével o núcleo que unifica todas as coisas: «a Mim mesmo o
fizestes» (Mt 25, 31-45).
Certamente é útil ao bispo possuir a clarividência do líder e a
esperteza do administrador, mas decaímos inexoravelmente quando confundimos a
potência da força com a força da impotência, através da qual Deus nos redimiu.
Ao bispo, é necessária a lúcida percepção da batalha entre a luz e as trevas,
que se combate neste mundo. Ai de nós, porém, se fizermos da cruz um vexilo de
lutas mundanas, ignorando que a condição da vitória duradoura é deixar-se
trespassar e esvaziar-se de si mesmo (Flp 2, 1-11).
Não nos é alheia a angústia dos primeiros Onze, fechados
dentro das próprias paredes, atónitos e consternados, habitados pelo susto das
ovelhas dispersas porque o Pastor fora ferido. Mas sabemos que nos foi dado um
espírito de coragem e não de timidez. Por isso, não nos é lícito deixar paralisar
pelo medo.
Bem sei que são numerosos os vossos desafios, muitas vezes é hostil o
campo onde semeais e não são poucas as tentações de fechar-se, no recinto dos
medos, a lenir as feridas, recordando um tempo que não volta e planificando
respostas duras às resistências já ásperas.
E, todavia, somos defensores da cultura do encontro. Somos sacramentos
vivos do abraço entre a riqueza divina e a nossa pobreza. Somos testemunhas do
abaixamento e condescendência de Deus que Se antecipa, no amor, à nossa
primeira resposta.
O diálogo é o nosso método, não por astuciosa estratégia, mas por
fidelidade Àquele que nunca Se cansa de passar e repassar pelas praças dos
homens até às cinco horas da tarde a fim de lhes propor o seu convite de amor (Mt 20,
1-16).
Por isso, o caminho a seguir é o diálogo: diálogo entre vós, diálogo nos
vossos presbitérios, diálogo com os leigos, diálogo com as famílias, diálogo
com a sociedade. Não me cansarei jamais de vos encorajar a dialogar sem medo.
Quanto mais rico for o património que tendes para partilhar desassombradamente,
tanto mais eloquente há-de ser a humildade com que o deveis oferecer. Não
tenhais medo de efectuar o êxodo que é necessário em cada diálogo autêntico.
Caso contrário, não é possível entender as razões do outro, nem compreender
profundamente que o irmão que devemos encontrar e resgatar, com a força e a
proximidade do amor, conta mais do que as posições que, apesar de certezas
autênticas, julgamos distantes das nossas. A linguagem dura e belicosa da
divisão não fica bem nos lábios do pastor, não tem direito de cidadania no seu
coração e, embora de momento pareça garantir uma aparente hegemonia, só o
fascínio duradouro da bondade e do amor é que permanece verdadeiramente
convincente.
É preciso deixar que ressoe perenemente no nosso coração a palavra do
Senhor: «Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e
humilde de coração e encontrareis descanso para o vosso espírito» (Mt 11,
29). O jugo de Jesus é jugo de amor e, por isso, é premissa de restauração. Às
vezes pesa-nos a solidão das nossas fadigas e carregamos de tal modo o jugo que
já não nos recordamos de o ter recebido do Senhor. Parece-nos apenas nosso e,
consequentemente, arrastamo-nos como bois cansados no campo árido, ameaçados
pela sensação de ter trabalhado em vão, esquecidos da plenitude de restauração
ligada indissoluvelmente Àquele que nos fez a promessa.
Aprender de Jesus, melhor ainda, aprender Jesus manso e humilde; entrar
na sua mansidão e humildade através da contemplação do seu agir. Introduzir as
nossas Igrejas e o nosso povo, muitas vezes esmagado pela rígida ansiedade de
sucesso, na suavidade do jugo do Senhor. Recordar que a identidade da Igreja de
Jesus é assegurada, não por um «fogo do céu que consuma» (cf. Lc 9,
54), mas pelo calor secreto do Espírito que «sara quanto é moléstia, o que há
de dureza abranda, endireita o desvairado».
A grande missão que o Senhor nos confia, realizamo-la em comunhão, de
forma colegial. O mundo já está tão dilacerado e dividido; a fragmentação está
presente por todo o lado. Por isso a Igreja, «túnica inconsútil do Senhor»,
não pode deixar-se desagregar, tornar-se facção ou objecto de disputa.
A nossa missão episcopal é, primariamente, a de cimentar a unidade, cujo
conteúdo é determinado pela Palavra de Deus e pelo único Pão do Céu, com os
quais cada uma das Igrejas que nos estão confiadas permanece Católica, porque
aberta e em comunhão com todas as Igrejas particulares e com a de Roma que «preside
na caridade». Portanto, é um imperativo velar por tal unidade, guardá-la,
favorecê-la, testemunhá-la como sinal e instrumento que, para além de qualquer
barreira, une nações, raças, classes, gerações.
O Ano Santo da Misericórdia, já iminente, ao introduzir-nos na
profundidade inexaurível do Coração divino onde não habita qualquer divisão,
seja para todos uma ocasião privilegiada para reforçar a comunhão, aperfeiçoar
a unidade, reconciliar as diferenças, perdoar-se uns aos outros e superar
qualquer facção, de modo que assim brilhe a vossa luz como «a cidade situada
sobre um monte» (Mt 5, 14).
Este serviço à unidade é particularmente importante para a vossa amada
nação, cujos vastíssimos recursos materiais e espirituais, culturais e
políticos, históricos e humanos, científicos e tecnológicos impõem
responsabilidades morais consideráveis num mundo transtornado que fadigosamente
procura novos equilíbrios de paz, prosperidade e integração. Deste modo faz
parte essencial da vossa missão oferecer aos Estados Unidos da América o
fermento humilde e poderoso da comunhão. Saiba a humanidade que o facto de ser
habitada pelo «sacramento de unidade» (Lumen gentium,1) é garantia de que o seu
destino não é o abandono e a desagregação.
E tal testemunho é um farol que não pode apagar-se. De facto, na fita
escuridão da vida, os homens precisam de se deixar guiar pela sua luz, para
terem a certeza do porto que os espera, estarem seguros de que as suas barcas
não se despedaçarão contra os escolhos, nem acabarão à mercê das ondas. Por
isso, Irmãos, encorajo-vos a enfrentar os problemas desafiadores do nosso
tempo. No fundo de cada um deles, está sempre a vida como dom e
responsabilidade. O futuro da liberdade e dignidade da nossa sociedade depende
da forma como soubermos responder a tais desafios.
A vítima inocente do aborto, as crianças que morrem de fome ou debaixo
das bombas, os imigrantes que acabam afogados em busca dum amanhã, as pessoas
idosas ou os doentes que olhamos sem interesse, as vítimas do terrorismo, das
guerras, da violência e do narcotráfico, o meio ambiente devastado por uma
relação predatória do homem com a natureza… em tudo isto está sempre em jogo o
dom de Deus, do qual somos administradores nobres mas não patrões. Por
conseguinte, não é lícito iludir ou silenciar. De importância não menor é o
anúncio do Evangelho da família que, na iminente Jornada Mundial das Famílias,
em Filadélfia, terei ocasião de proclamar com força juntamente convosco e a
Igreja inteira.
Estes aspectos irrenunciáveis da missão da Igreja pertencem ao núcleo
daquilo que nos foi transmitido pelo Senhor. Por isso, temos o dever de os
guardar e comunicar, mesmo quando o sentimento do tempo se torna impermeável e
hostil a tal mensagem (Evangelii gaudium,
34-39). Encorajo-vos a oferecer, com os instrumentos e a
criatividade do amor e com a humildade da verdade, tal testemunho. Este precisa
não só de proclamações e anúncios externos, mas também de conquistar espaço no
coração dos homens e na consciência da sociedade.
Para isso, é muito importante que a Igreja nos Estados Unidos seja
também um lar humilde que atrai os homens pelo fascínio da luz e o calor do
amor. Como pastores, conhecemos bem a escuridão e o frio que ainda existe neste
mundo, a solidão e o abandono de tantas pessoas – mesmo onde abundam os
recursos de comunicação e as riquezas materiais – , conhecemos também o medo
face à vida, os desesperos e as suas múltiplas fugas.
Por isso, só uma Igreja que saiba reunir à volta do fogo do lar
permanece capaz de atrair. Certamente não qualquer fogo, mas o que se acendeu
na manhã de Páscoa. É o Senhor ressuscitado que continua a interpelar os
pastores da Igreja através da voz tímida de muitos irmãos: «Tendes alguma
coisa para comer?» Torna-se necessário reconhecer a sua voz, como fizeram
os Apóstolos na margem do mar de Tiberíades (Jo 21, 4-12). E mais
decisivo ainda se torna render-se à certeza de que as brasas da sua presença,
acesas no fogo da paixão, precedem-nos e jamais se apagarão. Definhando tal
certeza, corre-se o risco de nos tornarmos, ao contrário, cultores de cinzas e
não guardiões e dispensadores da verdadeira luz e do calor que pode aquecer o
coração (Lc 24, 32).
Antes de concluir, permiti ainda que vos faça duas recomendações que me
estão a peito. A primeira tem a ver com a vossa paternidade episcopal. Sede
pastores próximos das pessoas, pastores próximos e servidores. Esta proximidade
manifeste-se de forma especial para com os vossos sacerdotes. Acompanhai-os
para continuarem a servir Cristo com coração indiviso, porque só a plenitude
enche os ministros de Cristo. Peço-vos, portanto, que não os deixeis
contentar-se com meias medidas. Cuidai das suas fontes espirituais, para que
não caiam na tentação dos notários e burocratas, mas sejam expressão da
maternidade da Igreja que gera e faz crescer os seus filhos. Velai para que não
se cansem de se levantar para responder a quem bate à porta de noite, mesmo
quando se pensa já ter direito ao repouso (Lc 11, 5-8). Treinai-os
a fim de estarem preparados para deter-se, debruçar-se, deitar bálsamo, tomar a
seu cuidado e gastar-se a favor de quem, «por acaso», se encontrou
despojado de quanto julgava possuir (Lc 10, 29-37).
A minha segunda recomendação diz respeito aos imigrantes. Peço desculpa
se falo em causa que de certo modo vos é própria. A Igreja dos Estados Unidos
conhece, como poucas, as esperanças dos corações dos peregrinos. Desde sempre
aprendestes a sua língua, sustentastes a sua causa, integrastes as suas
contribuições, defendestes os seus direitos, favorecestes a sua busca da
prosperidade, conservastes acesa a chama da sua fé. Mesmo agora nenhuma
instituição americana faz mais pelos imigrantes do que as vossas comunidades
cristãs. Neste momento, tendes esta longa vaga de imigração latina que investe
muitas das vossas dioceses. Não só como Bispo de Roma, mas também como pastor
vindo do Sul, sinto a necessidade de vos agradecer e encorajar. Talvez não vos
seja fácil ler a sua alma; talvez vos sintais desafiados pela sua diversidade.
Sabei, no entanto, que também possuem recursos para partilhar. Por isso,
acolhei-os sem medo. Oferecei-lhes o calor do amor de Cristo e decifrareis o
mistério do seu coração. Estou certo de que, mais uma vez, estas pessoas
enriquecerão a América e a sua Igreja.
Deus vos abençoe e Nossa Senhora vos guarde! Obrigado!
Fonte: Santa Sé
[1]«Quando eu era jovem, / tinha asas fortes e incansáveis, / mas não
conhecia as montanhas. / Quando cheguei à velhice, / conheci as montanhas, /
mas as asas cansadas já não acompanharam a visão. / O génio é sabedoria e
juventude» (Edgard Lee Masters, Antologia de Spoon River).
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