sexta-feira, 25 de maio de 2012

O sacerdote na celebração de Pentecostes

OFÍCIO DE CELEBRAÇÕES LITÚRGICAS DO SUMO PONTÍFICE

O sacerdote na celebração de Pentecostes

O Pentecostes faz da Igreja a antítese da Torre de Babel. Faz dela a cidade onde, como diz a oração da coleta na Missa da Vigília: “os povos dispersos se reúnem agora e as diversas línguas se unem a proclamar” com uma só fé a glória do Senhor. Este é possivelmente o início, porque todos escutavam os Apóstolos pregarem em sua própria língua. A pregação do Evangelho precede e acompanha a sua versão escrita: assim, no início da Igreja, é o Magistério apostólico que torna compreensíveis as Escrituras.

1. À luz disto, é necessário antes de tudo guardar-se de juízos sumários sobre a história da Igreja, como aqueles que afirmam que os católicos de séculos muito próximos a nós acreditavam que a leitura da Bíblia não era necessária à salvação e, portanto, era melhor transmitir aos fieis a mensagem bíblica através da “via indireta" da pregação e da catequese. Diante de semelhantes juízos, basta lembrar que o ministro da rainha Candace, que mesmo lendo Isaías em uma linguagem familiar, não entendia o sentido da Escritura: "Como posso compreender - observou ao diácono Filipe – se alguém não me ensina?" ( At 8,31).


Os Apóstolos haviam exercitado a "mediação" sacerdotal com a celebração do Sacrifício Eucarístico e, antes ainda, “partilhando” a palavra, o que ocorria com a pregação, a catequese, a homilética. Somente um preconceito teológico pode reter tal obra apostólica da "via indireta" de acesso às Escrituras. Assim é Pedro que, recebido o Espírito Santo, toma a palavra para explicar o que aconteceu no dia de Pentecostes: este fato marca o início do Magistério da Igreja, sem o qual a Palavra de Deus permanece escondida, portanto incompreensível, ou sujeita à interpretação subjetiva.

A "profecia", ou seja, a leitura da Vigília de Pentecostes na forma extraordinária do Rito Romano e da missa do sábado na forma ordinária, ilustram a 'iluminação' que o Espírito realiza nos corações; claro que tal iluminação pode ser lida, mas a Tradição ensina que deve-se privilegiar sua escuta. Os liturgistas modernos são tendencialmente concordes em confirmar que a atitude mais adequada por parte dos fieis durante a Liturgia da Palavra é aquela de escuta.



2. Outra tendência difundida em nossos dias consiste em comparar a vigília de Pentecostes à Vigília Pascal. Elas são, é claro, semelhantes, mas não vamos atenuar suas diferenças. As leituras da Solenidade reproduzem a dupla efusão do Espírito: no Evangelho de João, aquela procedente do Filho, Jesus, que apareceu no Cenáculo, para a remissão dos pecados; a outra, dos Atos, para a expansão missionária e a interiorização do mistério pascal. Todavia, a vigília da Ressurreição do Senhor é a origem da efusão do Espírito e, ao invés, o Domingo de Pentecostes dá cumprimento à Páscoa, a favor do Corpo de Cristo que é a Igreja. Na verdade, o círio pascal é apagado, para simbolizar a conclusão da presença visível do Senhor e o início daquela visível por obra do Espírito. Esse gesto indica a diferença entre Páscoa e Pentecostes. Ainda, após a despedida aleluiática dos fieis, o sacerdote celebrante pode apagar o círio - como previsto na forma extraordinária já na Ascensão - e retirar os grãos de incenso que ele antes havia cravado no círio na noite de Páscoa.


3. Outro ato presente na forma extraordinária é aquele da genuflexão dos ministros durante a Ladainha que precede o início da Missa da vigília e a Sequência na Missa do Dia: um paralelo entre o rito da gonuklisía - a genuflexão - na liturgia bizantina. Não se pode obter a "descida" do Espírito Santo sem haver dobrado os joelhos em adoração a Ele que, ressuscitado e ascendido ao Céu, envia da direita do Pai o Espírito à Igreja. A iconografia latina representa de preferência deste modo a disposição dos Apóstolos com Maria no Cenáculo.


Somente o não conhecimento do plano de fundo comum entre Roma e Bizâncio – cuja evidência ritual era maior antes da reforma litúrgica pós-conciliar - pode reter a pregação e a representação, como tem sido escrito recentemente: "uma piedade sentimental, dominada pela contemplação dos ‘mistérios’ da vida de Cristo”.

O Espírito não quer ser adorado, dizia paradoxalmente von Balthasar, mas quer adorar em nós o Filho Senhor e, por Ele, o Pai: Ele é "voltado" para o Senhor, Ele mesmo é  Senhor. Tal adoração aparece como a conclusão lógica do Mistério Pascal: Spiritus Domini replevit orbem terrarum, como canta a antífona de entrada do dia de Pentecostes.

4. Como se faz ao imaginar a descontinuidade na Tradição da Igreja, contrapondo o alimento à edificação da fé, considerando que a pregação de um tempo deveria voltar-se apenas a esta última? O ambões, os pergaminhos e os púlpitos das nossas igrejas e catedrais mostram que a palavra de Deus esteve sempre no centro da vida eclesial, mesmo que nós, clérigos e leigos, nem sempre saibamos obter todo o proveito possível. Antes, o fato de que tais estruturas litúrgicas foram colocadas no meio da assembleia recorda a preocupação de instruir os catecúmenos e os fiéis a fim de receberem os sacramentos. Embora o Vaticano II tenha certamente promovido posteriormente uma maior utilização da Sagrada Escritura na liturgia, constatamos que até agora o desejo do Concílio continua por resolver; basta tomar nota das "lamentações" dos catequistas e liturgistas sobre a realidade atual da homilética e da catequese, apesar da reforma pós-conciliar. Portanto, é necessário ter fé no Espírito que em todos os tempos renova a face da terra! Nem mesmo nós do terceiro milênio estamos imunes a retrocessos espirituais.

5. O sacerdote em Pentecostes deve proclamar que "hoje" - como canta o Prefácio - se completou o mistério pascal em Jerusalém com o nascimento da Igreja universal, como lembrou o Santo Padre em sua homilia no Pentecostes de 2008, retomando o ensinamento da Carta Communionis notio, enviada por ele - na época prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé - aos bispos da Igreja Católica. A Igreja nasceu universal, não particular ou local, mas uma e católica, santa e apostólica. É a tal pertença que os sacerdotes devem se educar; antes ainda da "diocesaneidade", a qual certamente tem valor, primariamente se empenhem na "catolicidade". É um sinal instintivo e imediato a referência que os fieis católicos sentem para com o Papa, como princípio de unidade interna da Igreja. A autoridade do Papa não é mediada por outra instância, mas é a autoridade dos bispos que é exercido só em comunhão com aquela do Bispo de Roma.


6. É um sinal, na liturgia, o uso da língua latina, a qual, propriamente porque superior a idiomas locais, recorda visivelmente o mistério da única língua de Pentecostes, contraposta à confusão de Babel. Diz o Prefácio: "Derramou o Espírito Santo [...] que reuniu as línguas da família humana na profissão de uma única fé". Se reflita sobre o fato de que o culto postula antes a linguagem sacra, que com seu vocabulário constitui uma via específica para organizar a experiência religiosa. Embora o racionalismo tenda a rejeitá-la, a fé no sobrenatural conduz, necessariamente, a adotar uma linguagem sacra no culto. Ela ajuda a preservar Tradição e a ortodoxia da fé - como atestam a presença imutável do Kyrie, do Amém, do Aleluia, do Hosana – ainda que de boa vontade traduzamos em língua corrente as leituras, onde é prevalente a exigência da comunicação. Porém, defender que a leitura das Escrituras em latim dificulta a eficácia da Palavra de Deus no coração do fiel significa negar toda a história de fé e de santidade de dois mil anos.  

A língua latina serve para exprimir melhor a unidade e a universalidade da Igreja (cf. Exortação Apostólica Sacramentum caritatis, n. 62). Podemos pensar que a chamada "Missa Internacional", celebrada em várias línguas, onde apenas uma parte dos fiéis a compreender o que é dito em cada momento (e outros, por consequência, não compreendem), exprima melhor a universalidade da Igreja do que a Missa em latim? Por outro lado, a linguagem é parte de um amplo esforço por evangelizar a cultura, que propriamente Pentecostes a iniciado. A língua latina é um fator de unidade: ela lançou as bases da civilização cristã, chegou até nós e continuará a desenvolver-se.

7. Acreditamos que na celebração de Pentecostes, o sacerdote tenha a possibilidade de instruir os fiéis sobre estes pontos que pudemos sumariamente expor: deles depende a compreensão da catolicidade da Igreja. Propriamente a Jerusalém o Bispo Cirilo recordava: "Não pergunte onde está a Igreja, mas especifica bem e pergunta onde está a Igreja Católica" (PG 33,1048).


Texto traduzido livremente pelo autor deste blog, Sem. André Florcovski, do original italiano publicado no site da Santa Sé.

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